José Paulo Cavalcanti Filho, jurista e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras
Lisboa. Mais conversas, hoje só com escritores e afins, em livro que estou escrevendo.
Alberto Venâncio, da Academia Brasileira Letras – ABL. Perguntei, no passado que passou,
– Amigo, o que é preciso para entrar na Academia?
– Primeiro entrar, depois ser eleito.
Antonio Carlos Secchin. Na Academia Brasileira de Letras, candidato pediu seu voto com um soneto lastimável. Secchin preparou resposta, na hora, Homero ou Petrarca?
– Amigo, seu soneto é um colosso,
Isso eu faço questão de lhe dizer.
Porém votar está virando osso
Cada vez mais difícil de roer.
Como escolher entre Homero e Petrarca?
Melhor um narrador ou um sonetista?
Todos deviam entrar nessa arca,
Cabe um topázio e cabe uma ametista.
Todavia, o comboio é bem restrito:
São quarenta lugares, nada mais.
Se pudesse, confesso, bem aflito,
Duzentos eu faria imortais!
Agora, amigo, revelo sem jeito
Voto em você, mas num próximo pleito.
* * *
Manuel Bandeira dizia que um poema de Racine, composto por 12 versos monossílabos, seria impossível de igualar: Le jour n´est pas plus pur que le fond de mon coeur (O dia não é mais puro que o fundo do meu coração). Secchin conseguiu essa proeza memorável, e talvez até superou, no enorme poema Luz
– Ao ver
o não
que sai
da dor
o som
da voz
já vai
no sim
no tom
do céu
não vi
mais luz
do que
no sol
que há
em mim.
* * *
Ariano Suassuna, da ABL. Em uma de suas aulas-espetáculo disse, de nosso País,
‒ Alemanha bebe cerveja
Já Brasil bebe Pitú
Alemanha toma na taça
O Brasil toma na rima.
Carlos Drummond de Andrade, poeta. Tinha barco a vela que batizei com verso de seu Poema de sete faces (aquele do “Mundo mundo, vasto mundo”), que era “Mais vasto é o meu coração”. Mandei foto e ele respondeu
‒ Meu verso num barco ‒ haverá maior prêmio para um poeta?
Domício Proença, escritor. Marcos Vilaça (presidente da ABL) recebeu convite para falar, em São Paulo, sobre a literatura brasileira. Sem tempo para escrever, explicou ao amigo que estava numa enrascada. Sem dizer nada ele, dia seguinte, lhe entregou o discurso já pronto. Depois, Vilaça disse como foi
‒ Seu Domício, você foi aplaudidíssimo.
Eduardo Galeano, escritor. Em seu livro Os filhos dos dias, escreveu:
‒ Dezembro, 11.
No final de 2010, o escritor José Paulo Cavalcanti concluiu sua Pesquisa de muitos anos sobre alguém que sonhou ser tantos. Cavalcanti descobriu que Pessoa não abrigava cinco, nem seis: levava cento e vinte e sete hóspedes em que corpo magro, cada um com seu nome, seu estilo e sua história, sua data de nascimento e seu horóscopo. Seus cento e vinte e sete habitantes haviam assinado poemas, artigos, cartas, ensaios, livros… Alguns deles tinham publicado críticas ofídicas contra ele, mas Pessoa nunca havia expulsado nenhum, embora deva ter sido difícil, suponho, alimentar uma família tão numerosa.
Emílio de Menezes, poeta, da ABL. Morreu amigo dos dois conhecido como Enxada. E Emílio informou a Machado de Assis, então presidente da ABL,
– MACHADO, ENXADA FOI-SE.
Fernando Sabino, romancista. Informado pelo filho de que Otto, Paulo Mendes Campos e Hélio Pelegrino estavam na Europa, seu Domingos (pai de Oto) não se conteve
‒ E é tempo de jaboticaba, por lá?
* * *
Chega um jovem escritor com seu primeiro livro, de 800 páginas, e pede
‒ Por favor, mestre, dê sua opinião sobre minha obra.
‒ Perdão, mas não tenho tempo.
‒ Então escreva o prefácio.
‒ Se não vou ler, como posso fazer isso?
‒ Pelo menos dê o título.
Sabino achou que era demais e respondeu à altura
‒ Tem tigres?
‒ Como?
‒ No seu livro tem aqueles animais da África?
‒ Não.
‒ E tubas?, como nas bandas do interior.
‒ Também não.
‒ Então esse título poderia ser Nem tigres, nem tubas.
‒ E o senhor vá para a puta que o pariu.
‒ Vou, com prazer, desde que não tenha que ler a merda do seu livro.
Francisco Seixas da Costa, escritor e embaixador de Portugal na ONU, no Brasil e outros países. Anos 1970, estava em sua sala no Ministério dos Negócios Estrangeiros de Lisboa e toca o telefone
‒ Pode fornecer o telefone da casa do embaixador (e deu o nome)?
‒ Não prefere ligar para a central?
‒ Sou filho do embaixador. Ou me quer dar o número ou não quer.
Como esse pai era seu amigo (preferiu não dizer o nome), perdoou a grosseria. Procurou e informou ao jovem que ligava. Sem agradecimentos, por isso. Dia seguinte, um colega
‒ Já sabes do filho do embaixador “fulano”? Suicidou-se ontem.
Conferiu a hora, foi pouco depois do telefonema que recebeu.
Gilberto Freyre, sociólogo. No solar de Santo Antônio dos Apipucos (Recife), para José Lins do Rego o “Vaticano do Recife”, era usual receber pessoas ilustres ‒ de Jânio Quadros a Carlos Lacerda, do cineasta italiano Roberto Rosselini ao conde inglês sir John Russel. Servindo sempre, a todos, seu famoso conhaque de pitanga. Preparado por ele mesmo com pitangas vermelhíssimas, colhidas em seu pomar e colocadas em garrafas com cachaça de cabeça. Mais canela da casa e um licor de rosas fabricado por freiras do Convento do Bom Pastor (Garanhuns), que exigia fossem virgens. Quanto ao sabor, não há consenso. Segundo lenda, o romancista norte-americano John Roderigo dos Passos bebeu uma garrafa inteira sem reclamar. Enquanto Rubem Braga provou só meio cálice, fez muxoxo e disse “prefiro uísque”. Naquela tarde a liturgia e a pompa, na sala, eram as mesmas. Ocorre que sua mulher interrompeu a conversa mostrando, a todos, um envelope fechado
– Querido, correspondência para Gilberto Freire sem ipslon. Que faço?
– Devolva, destinatário desconhecido.
Admitindo fosse algo importante, ou mesmo alguma conta para pagar, insistiu
– Mas não seria bom abrir, antes, para saber do que se trata?
– Magdalena, é crime violar correspondência alheia.
* * *
Apesar de brigar com Oswald de Andrade, sempre o elogiava, reconhecendo ter sido fiel aos ideais da semana de 1922. E ele próprio contou essa história, numa conferência. Quando morreu o cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva (Lampião), Oswald reclamou
– Puxa, e por que não aproveitaram para também matar Gilberto Freyre?
Humberto Werneck, cronista (e contador de histórias). Em seu discurso de posse na Academia Mineira de Letras, comentando o fato de que muitos engordam depois da posse na Academia Brasileira,
‒ É mais fácil entrar na Academia que naquele fardão.
Jessier Quirino, poeta. Fotografou na Feira do Rangel (bairro do Cristo Redentor), em João Pessoa, cartaz de uma empresa desentupidora de fossas com essa placa que é verdadeira poesia
‒ Limpa fossas “A Rainha da Merda”.
Jorge Amado, romancista. No livro Toda a saudade do mundo (A correspondência de Jorge Amado e Zélia Gattai), palavras de Jorge Amado
– “Ontem jantávamos, à noite, no Leite… No outro extremo da sala, numa mesa grande, jantava uma família. Dessa mesa saíram duas meninas, de uns dez ou onze anos, e vieram me pedir autógrafo num caderno de notas (eram, pelas idades, Lia e Hebe – irmãs logo abaixo de mim). Dei o autógrafo e cumprimentei, com a cabeça, o pessoal da mesa. Pai e mãe das crianças. Muito bem. Jantamos lauta e esplendidamente. Boa comida e refrescos de mangaba e cajá. Sobremesa, café. A família da outra mesa retirava-se já, nós nem notamos quando saíram. Chamamos o garçom para pagar mas, em vez da conta, ele trouxe uma garrafa de champagne Viúva Clicquot, francesa legítima. Serviu-nos, declarando que o jantar nosso estava pago, incluindo champagne, conhaque, licores e tudo o mais que quiséssemos, pelo doutor José Paulo Cavalcanti, meu leitor e pai das duas meninazinhas. Diante de que Paulo e Dóris Loureiro, logo acompanhados por Tânia e Carlos Pena, puseram-se a cantar o hino de Pernambuco”.
Meu pai teria gostado, se lesse.
Jorge Luis Borges, romancista. Em 1955, um ano depois da morte de Evita (que o prestigiava), Perón demitiu Borges de uma sinecura na Biblioteca Nacional de Buenos Aires. Reação de Borges
‒ Perón é um miserável.
Mas não durou muito, no poder; que, logo, foi para o exílio. Voltou depois brevemente, ao governo, para morrer em 1973. Pediram opinião de Borges, sobre ele, na esperança de que fosse generoso. Resposta
‒ Perón é um miserável morto.
Roberto Da Matta, antropólogo. Dei parabéns por ter recebido o prêmio Machado de Assis (votei nele), da ABL. Respondeu
‒ Você é o melhor amigo de infância que fiz depois de velho.
* * *
Lembrava sempre, ao mestre Onésimo Teotônio Almeida, provérbio popular italiano atribuído a um autor célebre
‒ Il Dante dice:
Si la forza é bene,
Avante con il pene
Si la forza mingua,
Avante con la lingua
Si l’esforzo è nulo,
Avante con il culo.
Ma… sempre avante!
Rubem Braga, cronista. Era de Cachoeiro de Itapemirim, como Roberto Carlos. A Ditadura Militar proibiu Oswaldo França Júnior, piloto da Força Aérea Brasileira, de voar. Sob acusação de ser subversivo. Decisão cruel porque não sabia fazer outra coisa, na vida. Rubem, com sua conhecida ironia, observou
‒ Ainda bem que não era Oficial de Infantaria. Poderiam tê-lo proibido de andar a pé.
Ruy Castro, da ABL. Carioca da gema, foi contratado como jornalista para passar algum tempo em São Paulo e voltou só 16 anos depois. Perguntei
– Por que demorou tanto?, amigo.
– É que o Rio nos seduz e São Paulo nos suborna.
Xico Bizerra, poeta e músico. Certo dia, viu o doido de estimação da rua subindo num poste. E o interpelou
– Que vai fazer lá em cima?, doidinho.
– Vou chupar manga.
– Mas isso não é uma mangueira.
– Eu sei, é um poste, a manga está no meu bolso.
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ARTIGO
O risco de perda do Simples Nacional e a retração econômica e social do Brasil
Para Roberto Mateus Ordine, micros e pequenos empresários correm riscos com eventuais mudanças na ferramenta tributária
Roberto Mateus Ordine
Edição Scriptum
Criado como uma ferramenta de inclusão social e uma solução para, literalmente, simplificar os processos burocráticos dos micro e pequenos empresários brasileiros que representam, aproximadamente, 30% do PIB do País e empregam mais 50% da mão de obra, o Simples Nacional, em seus 19 anos de regime, unificou tributos, diminuiu a burocracia e facilitou a vida dos empreendedores brasileiros. Um projeto promissor que tem dado muito certo. Mas, tratando-se de Brasil, tudo aquilo que funciona e traz resultados positivos, logo acaba sendo revogado.
São 24 milhões de empresas enquadradas no Simples Nacional, representando 95% das empresas brasileiras inseridas nesse regime, sendo 14 milhões de MEIs. Essa discussão sobre a reformulação e até a possível extinção do Simples Nacional tem causado muita insegurança jurídica e preocupação para os empreendedores. Afinal, muitos serão os impactos negativos recorrentes à alta carga tributária atribuída que engloba oito impostos (ICMS, ISS, PIS, COFINS, IRPJ, CSLL, IPI e INSS), algo inimaginável e inconcebível para pequenos empresários que veem essa mudança como a destruição do regime.
As consequências dessa carga tributária excessiva comprometem a arrecadação de impostos, aumenta a informalidade e o desemprego, reduz o consumo e a competitividade, perdem-se incentivos e investimentos, levando a uma retração econômica e início de uma crise social e econômica, impedindo o crescimento do mercado interno e impossibilitando a expansão dos negócios para o mercado externo. Sem o regime do Simples Nacional, essas empresas migrariam para a modalidade de Lucro Presumido. Ou seja, pagariam por uma carga tributária digna de grandes empresas.
Desburocratizar o Simples Nacional por meio de categorias de faturamento seria um mecanismo fundamental para adaptar os micro e pequenos empresários às mudanças da Reforma Tributária. Somente desta forma será possível promover o desenvolvimento sustentável do empreendedorismo brasileiro.
Defendemos a sustentação do Simples Nacional em prol dos micro e pequenos empreendedores. A prosperidade do Brasil ocorre por meio da produtividade e de um crescimento sustentável. E, para isso, uma isonomia fiscal contribuiria para beneficiar esses empresários e evitaria um possível colapso econômico.
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