Samuel Hanan, ex-vice-governador do Amazonas, engenheiro especializado em economia e colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
O grande fato econômico da segunda semana de junho foi a declaração do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que o governo irá rever as despesas. Foi uma forma de o ministro tentar acalmar o mercado que reagiu mal às declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o qual disse não pensar a economia do Brasil separada de medidas voltadas ao desenvolvimento social.
Haddad prometeu rever o gasto primário e cortar privilégios, tendo sua fala endossada pela ministra do Planejamento, Simone Tebet. Uma notícia boa, sem dúvida, mas que não pode ficar somente na retórica, limitando-se a desfazer momentaneamente o mau humor do mercado.
A questão é que reduzir gastos públicos já deixou de ser mera opção do presidente da República, de ministros de Estado ou de outros governantes. A medida é, agora, a última oportunidade – impositiva e inadiável – para se evitar desastres maiores ao País, como o aprofundamento das desigualdades regionais e sociais. É a bala de prata para estancar o crescente déficit público nominal (de R$ 967 bilhões em 2023) e o brutal aumento do endividamento público, já superior a R$ 8,1 trilhões em 2023, e que provavelmente atingirá R$ 9 trilhões em dezembro próximo.
Não há outra expressão para definir a real situação do setor público: o governo brasileiro não cabe mais no PIB nacional. Esta não é uma opinião e, sim, a mais pura constatação resultante da análise de números oficiais, isenta de qualquer viés político-ideológico.
Vejamos o exemplo dos gastos da União. O funcionalismo público federal consome anualmente R$ 490 bilhões, o correspondente a 4,5% do PIB. Outros R$ 421 bilhões/ano são destinados a cobrir déficits previdenciários (Regime Geral da Previdência Social (RGPS) com R$ 311 bilhões/ano, Servidores Federais civis e militares com R$ 110 bilhões/ano). São mais 3,86% do PIB. Os precatórios da União custam R$ 91 bilhões, ou 0,83% do PIB, e mais R$ 644 bilhões (5,91% do PIB) são empregados no pagamento de juros incidentes sobre as dívidas da União. A soma revela o comprometimento anual de R$ 1,646 trilhão, o equivalente a nada menos que 15,10% do PIB nacional.
Vamos agora às receitas da União, deduzindo as receitas previdenciárias porque no cômputo geral consideramos apenas os déficits. A União soma receitas no total de R$ 1,605 trilhão, o correspondente a 14,73% do PIB. O déficit, portanto, é de 0,37% do PIB, ou R$ 41 bilhões anuais.
A primeira conclusão que se tira é a de que a União somente conseguirá oferecer à população serviços de educação, saúde, segurança pública, saneamento, habitação, e programas sociais como Bolsa-Família, Benefícios de Prestação Continuada (BPC’s) e outros, mediante a geração de déficits gigantescos. Isso, por sua vez, implicará em mais endividamentos, alimentando, portanto, um círculo vicioso insustentável e altamente prejudicial à nação.
A hipótese de o governo buscar ajustes via aumento de tributação está muito perto da exaustão. Essa medida recorrente já sacrifica demais a população – notadamente a mais carente – e, certamente, estimularia a sonegação e a informalidade, retrocesso indesejável.
Portanto, o corte de gastos é, além da solução mais adequada, a única solução capaz de produzir os efeitos necessários a melhoria de qualidade de vida dos mais de 200 milhões de brasileiros. Imprescindível, no entanto, que seja expressivo para não se tornar mais um remédio paliativo. É possível de ser feito, por meio da redução do gigantismo do Estado, dos privilégios e da impunidade – que consomem entre 2% e 3% do PIB -, do efetivo combate à corrupção – a redução pela metade significaria diminuir os custos desse mal dos atuais 2,50% do PIB para 1,25 % do PIB – e do controle da farra das renúncias fiscais, muitas delas ilegítimas. O corte pela metade do que hoje é chamado de gastos tributários reduziria as despesas dos atuais 4,80% do PIB para 2,40% do PIB.
É factível e apenas essas medidas de controle reforçariam os cofres da União em valores correspondentes a 6,65% do Produto Interno Bruto o que equivale a mais R$ 700 bilhões. Seria um bom começo e efetiva sinalização de que o governo está, de fato, disposto a mudar a realidade econômica do País.
Os números são claros e a realidade grita. O Brasil precisa sair da ilusão para a era da verdade. A redução dos privilégios significaria ganhos palpáveis para a classe trabalhadora – ou seja, melhores condições de vida –, maior crescimento da economia, ampliação da oferta de emprego e melhores salários. Seria, além disso, um passo fundamental para viabilizar, por exemplo, a melhoria da educação com implantação de escolas em tempo integral e melhor remuneração dos professores; a expansão e avanço dos serviços do SUS, e a oferta de serviços públicos de maior qualidade à população.
Eis um caminho seguro para a redução das desigualdades regionais e sociais, medida tão necessária para fazer do Brasil um País mais justo e igualitário, dando concretude ao que diz a Constituição Federal. Afinal, os direitos precisam sair do papel e chegar efetivamente à vida dos cidadãos.
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