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{ ARTIGO }

Delfim Netto, o mais influente economista brasileiro de todos os tempos

Luiz Alberto Machado conta passagens de seu relacionamento com o ex-ministro, que morreu nesta segunda-feira

Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

A notícia do falecimento do professor Antônio Delfim Netto, aos 96 anos, me causou profunda tristeza. Independentemente das ações adotadas pelo mais influente economista brasileiro de todos os tempos, foi uma pessoa com quem tive inúmeras oportunidades de conviver e que sempre me tratou com enorme gentileza, atendendo prontamente minhas diferentes solicitações.

Conheci inicialmente o professor Delfim pelo noticiário. Como estudante de economia, sua atuação à frente dos ministérios da Fazenda e do Planejamento eram não apenas presença frequente no noticiário, mas também objeto de menções de meus próprios professores na Universidade Mackenzie, nem todas favoráveis diga-se de passagem.

Pouco depois de formado, fui convidado a participar de um curso de formação de professores no qual uma das aulas foi ministrada por ele. Foi a primeira vez que o vi pessoalmente e fiquei impressionado não apenas com seu conhecimento da teoria e da política econômica, mas, sobretudo, com a segurança que ele passava ao transmitir suas ideias.

Ao ingressar na carreira docente na FAAP e nas entidades representativas dos economistas, as oportunidades se multiplicaram, tornando-se muito mais próximas e frequentes quando sua filha ingressou no curso de economia da FAAP, ocupando eu o cargo de vice-diretor.

Lembro-me que, na ocasião, ele me perguntou se podia ir até seu escritório, pois precisava falar comigo. Fui até seu escritório de consultoria (muito próximo da FAAP) cheio de curiosidade. Lá chegando ele − que sempre me tratou de professor − me pediu duas coisas: 1ª) para não divulgar publicamente que a filha tinha lá entrado; e 2ª) para não convidá-lo para palestras ou conferências enquanto ela estivesse lá estudando.

Lembro-me de ter respondido. Quanto ao primeiro pedido, pode ficar tranquilo; muito provavelmente os colegas acabarão descobrindo, mas não será por causa de manifestação da diretoria ou dos professores. Com relação ao segundo, pode ficar muito caro para o senhor, pois assim que ela se formar, não hesitarei em convidá-lo quantas vezes for preciso.

Seguiram-se diversos contatos, pois ele acompanhava atentamente a evolução da filha no curso. Fiquei lisonjeado numa ocasião em que me telefonou para cumprimentar-me pelo curso de História do Pensamento Econômico, disciplina que eu ministrava. Disse estar bem impressionado com a profundidade de minha abordagem e com a extensão do conteúdo, superior ao da maioria dos outros cursos que encerrava em Keynes, enquanto eu me estendia, incluindo economistas e escolas de pensamento mais recentes, tais como Milton Friedman e a escola monetarista, Friedrich Hayek e a escola austríaca, e Robert Lucas e a hipótese das expectativas racionais. Concluiu dizendo que o Eduardo Giannetti tinha um concorrente à altura, no que ele, evidentemente, exagerou.

Anos depois, quando a filha cursava o último ano do curso, ele me telefonou querendo saber quem era o professor de uma determinada disciplina que, segundo ele, não estava à altura dos demais professores do curso. Não ocupando mais cargo diretivo, eu não sabia a quem ele se referia. Procurei saber e comuniquei o fato ao coordenador. Não sei se foi por essa razão, mas no semestre seguinte o referido professor foi substituído.

Não quero deixar de registrar um fato curioso. Uma das melhores alunas que tive em mais de 30 anos na FAAP fazia, simultaneamente, o curso de jornalismo na USP. Ao se formar, especializou-se em jornalismo econômico e trabalhou em diferentes órgãos da imprensa, entre eles na Gazeta Mercantil. Na segunda metade dos anos 1980, em plena Nova República, lembro-me de tê-la encontrado num evento e ela me revelou: “Machado, você sabe que eu não gostava do Delfim e dos militares. Mas tenho que admitir que quando eu o entrevistava tinha a certeza de que ele tinha pleno controle da economia, independentemente da minha concordância. A impressão que eu tenho hoje, quando entrevisto os atuais responsáveis pela condução da nossa economia, é de que estamos à deriva”.

O tempo foi passando e os contatos se sucedendo. Quando ocupei a presidência do Conselho Regional de Economia, dois deles merecem registro. Como em 2001 comemorava-se o cinquentenário da regulamentação da profissão de economista, o Conselho promoveu uma consulta aberta entre seus filiados para eleger os 10 maiores economistas dos primeiros 50 anos da profissão, sendo Delfim Netto um dos mais votados¹. O troféu foi entregue na solenidade daquele ano, comemorativa ao Dia do Economista, e coube-me entregá-lo. Com a gentileza que costumava me dispensar, falou: “Uma honra para um professor receber a homenagem de outro professor”.

O outro contato decorreu de convite a ele para dar um depoimento no vídeo sobre a profissão elaborado por iniciativa do Conselho para ser utilizado em eventos de divulgação da profissão. Delfim atendeu prontamente ao convite e deu um excelente depoimento, afirmando que sentia muito orgulho da profissão, uma vez que a mesma exigia um conjunto muito rico de conhecimentos que iam da matemática à história, passando pela filosofia e pela ciência política.

Noutra de nossas conversas em seu escritório, em abril de 1998, fomos interrompidos por Betty, sua secretária, que comunicou a morte de Sergio Motta, ministro das Comunicações do governo FHC. Imediatamente, ao tomar conhecimento da notícia, ele exclamou: “Agora o Fernando vai ver o que é bom para a tosse”.

Em 2017 fui convidado a participar de um seminário comemorativo ao centenário de nascimento de Roberto Campos. Ao tomar conhecimento da mesa de que iria participar, fui tomado de pânico. Os outros participantes da mesa eram Gustavo FrancoRoberto Castello Branco e um ex-assessor do próprio Roberto Campos.

O que eu poderia acrescentar ao que seria dito por pessoas que haviam trabalhado ou tido grande contato com ele?

Não tive dúvida. Liguei para o professor Delfim, expliquei a situação e ele me tranquilizou, convidando-me para um café. Em nossa conversa, me contou curiosidades sobre Roberto Campos e fez uma revelação que surpreendeu aos presentes ao seminário. Numa das sessões no Congresso, em meio aos intermináveis discursos, Roberto Campos confidenciou a ele: “Delfim, perdi muito tempo na minha vida. Devia ter lido só Hayek”.

Meus últimos encontros com Delfim ocorreram numa homenagem a Miguel Colassuono, na FEA-USP, e num almoço de encerramento de ano da Ordem dos Economistas. Já debilitado fisicamente, permanecia com uma impressionante clareza de ideias e com seu conhecido espírito provocador.

Em setembro do ano passado, sua filha me convidou para a cerimônia de abertura da exposição “Uma viagem pela história do pensamento econômico – A biblioteca de Delfim Netto”, em comemoração aos 10 anos da biblioteca inaugurada no campus da Faculdade de Economia da USP com o acervo cedido por Delfim, ex-aluno e professor emérito da casa. Esperava reencontrá-lo mais uma vez, o que não foi possível pois, por motivo de saúde, ele foi aconselhado pelo médico a não comparecer.

Sua filha, porém, reproduzindo a gentileza do pai, agradeceu minha presença afirmando que “o professor gostaria muito de saber que eu havia comparecido”.

Concluo com a certeza de que, com seus erros e acertos, normais em qualquer pessoa, Delfim Netto deixou seu nome registrado na história econômica do Brasil.

¹ Os eleitos foram, em ordem alfabética: Affonso Celso Pastore, Antonio Delfim Netto, Armínio Fraga. Celso Furtado, Eugênio Gudin, Maria da Conceição Tavares, Mario Henrique Simonsen, Otávio Gouveia de Bulhões, Paul Singer e Roberto Campos.

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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