Vilmar Rocha, professor da Faculdade de Direito da UFG e coordenador de Relações Institucionais da Fundação Espaço Democrático
Edição Scriptum
O campo liberal, no Brasil, passou por uma profunda transformação desde a redemocratização, saindo da condição de uma direita envergonhada, no período pós-regime militar, e se aproximando perigosamente da extrema direita, mais intensamente a partir dos movimentos populares de 2013.
Nenhuma das duas posições refletem o pensamento liberal, que é fundamentalmente refratário ao autoritarismo e às políticas econômicas estatizantes dos governos militares das décadas de 1960 e 1970, e também não coaduna com o conservadorismo reacionário e autoritário da direita considerada radical.
No Brasil, ainda não vimos emergir um campo político essencialmente liberal, conceito que se traduz pela defesa intransigente das liberdades política, individual e econômica. Não que não haja representantes desse pensamento no País. Existem e militam desde o império, quando se opunham aos conservadores.
O liberalismo perdeu espaço eleitoral com o fim da ditadura militar e, nos anos 1980 e 1990, a impressão que se tinha era que não havia partidos de direita no Brasil. Todas as siglas se posicionavam do centro para a esquerda no espectro ideológico. A vergonha da ditadura contaminou também o pensamento liberal nesse período.
Nos anos 2000, as pautas econômicas liberais voltaram a ganhar força no País, mas não dentro de um ideário que envolvia também liberdades políticas e civis. Compuseram a chamada nova direita no Brasil, de traços conservadores e autoritários da extrema direita mundial. Alguns liberais, com a justificativa de combater a esquerda, alinharam-se ao pensamento dessa direita retrógrada e populista.
Em uma democracia saudável, os campos políticos coexistem, cada um ocupando espaços próprios de pensamentos; no caso da direita liberal, aqueles já citados anteriormente. Por estratégia eleitoral e de poder, a maioria dos partidos brasileiros passou a se denominar de centro, buscando o voto não apenas de eleitores cujos anseios convergiam com seu pensamento político.
Os liberais acompanharam esse movimento centrípeto e fizeram concessões ideológicas para se encaixar nesse campo político central, que reúne um grupo de partidos políticos sem identidade e de princípios desconexos. Não podemos nos furtar de observar que a debilidade da direita liberal contribuiu para esse quadro partidário disforme que temos no Brasil.
Ao longo de sua história no País, o liberalismo optou por combater pensamentos antagônicos, sem, no entanto, defender seus princípios, que, como comprovado, combinados a valores que fogem do seu espectro, colocaram em risco sua identidade e bandeira.
Agora, diante de uma polarização que nos ameaça com um déjà-vu a cada quatro anos, os verdadeiros liberais precisam se reposicionar no espaço político, sem a vergonha do passado e a radicalidade do presente. Afinal, é o único que pode ostentar de forma legítima a bandeira da liberdade.
Publicado originalmente na edição de 19 de setembro de 2023 de O Popular, de Goiânia
Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.