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{ ARTIGO }

Efeitos da exposição da violência de eventos raros e distantes na mídia

Meios de comunicação precisam conhecer e levar em consideração estes efeitos não apenas sobre a audiência

 

Tulio Kahn, sociólogo e colaborador do Espaço Democrático

Edição: Scriptum

 

Quando pensamos nos efeitos da violência exibida na mídia sobre os indivíduos, tendemos a pensar na cobertura diária dos crimes comuns, como roubos, agressões e homicídios, que ocorrem aos milhares em todos os cantos do mundo. Os meios de comunicação têm setores específicos para a cobertura destes fatos e boa parte do conteúdo de jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão é dedicado a estes temas. A probabilidade de ser vitimado por estes crimes é grande, eles ocorrem nas nossas próprias comunidades e todos conhecemos alguém próximo que já foi vítima de algum deles, em algum momento. Do ponto de vista do risco objetivo, são estes casos de violência que deveriam provocar mais insegurança e ansiedade.

Mas para além dos problemas de segurança e criminalidade cotidianos, que foram mais analisados pelos estudos dos efeitos da exibição da violência, existem os episódios mais graves de violência – como guerras e ataques terroristas – que são mostrados na cobertura de política ou internacional. Se são mais raros, estes episódios tendem a durar mais tempo e o grau de violência é mais devastador, fazendo um grande número de vítimas entre mortos e feridos. Embora o risco de ser diretamente afetado por estes episódios seja baixo ou próximo de zero em alguns casos, a literatura mostra que assim mesmo a exposição a eles pelos meios de comunicação provoca efeitos deletérios.

É o caso da cobertura de eventos raros, como atentados terroristas ou conflitos internacionais a milhares de quilômetros de distância, mas cujos detalhes são trazidos para dentro da sala de casa pelo noticiário internacional e político. Nos tópicos abaixo exploramos os efeitos identificados da exposição a este tipo de evento, não apenas sobre os indivíduos que os vivenciaram diretamente, mas também daqueles distantes da área afetada, mas que foram expostos à sua cobertura.

 

Terrorismo e conflitos internacionais

Busso, McLaughlin e Sheridan (2014) examinaram possíveis interações entre os sintomas de psicopatologia pré-ataque, reatividade do sistema nervoso autônomo, exposição prévia à violência e à mídia na tentativa de prever o início de transtorno de estresse pós-traumático (TSPT) logo após os ataques terroristas efetuados durante a Maratona de Boston. A amostra foi composta por 78 adolescentes residentes na cidade e com idade média de 17 anos. Os autores ressaltam que tais sintomas não apenas interagem com o TSPT, mas que o alto consumo de coberturas midiáticas sobre o evento fomentam o desenvolvimento do TSPT em adolescentes com baixos níveis de reatividade.

Ainda na esteira dos eventos vinculados à Maratona de Boston, Wormwood et al. (2019) utilizaram-se de questionários e laboratório com exposições de imagens daquele momento. O objetivo era o de analisar as evidências de angústia autorrelatada em uma amostra de homens e mulheres adultos com idades médias entre 28 e 29 anos, recorrendo também ao uso de linguística comportamental. Os resultados demonstraram que houve aumento da angústia relatada, da reatividade biológica e piora na percepção de sensibilidade dos participantes em relação à cobertura jornalística do evento.

Em outra perspectiva, Fullerton et al. (2019) tentaram compreender a relação entre o hábito de assistir televisão e a percepção de segurança pública em detrimento dos sintomas depressivos e estresse pós-traumático (TSPT), em meio aos atentados com franco-atiradores na capital dos Estados Unidos de Washington, em 2002. A amostra da pesquisa compreendeu 1.238 moradores da cidade, entrevistados por uma pesquisa on-line. Os dados revelaram que um incremento de horas assistidas sobre os ataques estava inversamente relacionado a percepção de segurança. Além disso, quanto menor a percepção de segurança, maiores as incidências dos sintomas depressivos e de TSPT.

Por fim, Redmond (2019) analisou os impactos da exposição a mídias de decapitações realizadas por grupos terroristas do Estado Islâmico, por 3.294 moradores dos EUA ao longo de três anos. Foi demonstrada maior probabilidade de consumo desses conteúdos por homens, desempregados e cristãos, ainda assim cerca de 20% da amostra relatou ter assistido ao menos um trecho das imagens e 5% os vídeos completos. O estudo concluiu que há impactos de longo prazo na incidência de angústia entre os indivíduos a essa exposição, ou seja, pelo menos dois anos após.

Ao concentrar-se nos conflitos políticos e seus desdobramentos sociais, o trabalho de Gvirsman et al. (2016) examinou os efeitos sobre a exposição prolongada e recorrente à violência política nas crenças ideológicas em jovens e adolescentes (1.207 ao todo) que enfrentaram diretamente o conflito israelense-palestino. Vale salientar que, neste caso, as crenças referem-se a fatores como apoio à guerra, percepção de ameaça coletiva e crenças normativas ligadas às agressões a grupos opostos. Níveis mais elevados de exposição foram associados longitudinalmente a um maior apoio às guerras. Assim, a exposição mediada colaborou para maior propensão dos jovens a atitudes e reações extremas.

De modo suplementar, Slone et al. (2017) reuniram 20 artigos produzidos ao longo de 12 anos acerca desse mesmo tema com o objetivo de testá-los estatisticamente, por meio de uma meta-análise, a fim de analisar os efeitos da exposição à violência de jovens em diversos conflitos no Oriente Médio. Foram encontradas evidências de que maior exposição a tal cenário está relacionada ao aumento de sintomas emocionais, comportamentais e de estresse pós-traumático. A pesquisa ainda revelou que a exposição direta aos conflitos desempenha maior impacto em sintomas pós-traumáticos e comportamentais do que a exposição às mídias violentas.

Rehman e Vanin (2017) investigaram o legado institucional deixado pela exposição ao terrorismo no Paquistão. Para isso, dados de 6.000 entrevistados paquistaneses quanto a suas atitudes políticas em 2009, concomitantemente a informações distritais sobre exposição ao terrorismo entre os anos de 2004 e 2008 foram utilizados. As evidências possibilitaram inferir que o terrorismo causa danos aos direitos sociais, além de gerar insegurança e medo, de modo a enfraquecer às instituições democráticas do País.

Bilali (2022) foi além e realizou um ensaio controlado abrangendo 2.904 pessoas em 132 aldeias com o objetivo de compreender se uma intervenção narrativa dramatizada puramente acústica poderia interferir nas crenças, intenções e/ou atitudes comportamentais. Os participantes foram expostos a sessões semanais de audição por um período de 12 semanas. Os resultados revelaram que comparativamente ao grupo de controle, não apresentou as causas de violência, embora tenha havido maior propensão à colaboração com a polícia e a priorização da abordagem de extremismo violento. Por fim, a intervenção não propiciou uma mudança nas crenças e atitudes de maior senso de justiça ou confiança na polícia ou mesmo nas crenças sobre uma maior colaboração entre comunidade e policiais.

Embora a exposição à violência direta tenha demostrado efeitos significativos nas ações, comportamentos e na saúde mental da sociedade, a exposição via conteúdo midiático também deixa sequelas. De modo geral, os estudos expostos demonstram que há impactos diretos entre a exposição a atos e mídias terroristas causam não apenas impactos sociais, mas principalmente à saúde mental dos indivíduos a eles expostos.

 

Categorias profissionais

É interessante observar a aparição recente de estudos que procuraram aprofundar os efeitos da exposição à violência sobre algumas categorias profissionais que são particularmente afetadas por ela, como jornalistas, pessoal médico ou policial, entre outras categorias profissionais. Estas categorias não são o alvo direto destes eventos, mas participam dele indiretamente por força de sua atuação profissional. Estão expostos a violência de forma indireta, mas por longos períodos de tempo e em diferentes episódios.

Em se tratando dos efeitos da exposição à violência dos profissionais de jornalismo, os estudos de Feinstein (2012); Feinstein, Wanga e Owen (2015) e Feinstein, Osmann e Patel (2018) destacam-se em robustez e relevância no período analisado.

As investigações de Feinstein (2012) acerca do bem-estar de jornalistas mexicanos expostos recorrentemente à violência, impulsionada em grande medida pelos conflitos por drogas naquele país, analisaram as relações entre 104 profissionais distribuídos entre 3 organizações distintas. O comparativo entre os jornalistas que foram obrigados a se afastar de suas atividades por intimidações sofridas pelos cartéis de drogas da região em relação aos que continuavam a trabalhar sob pressão mostrou que os primeiros se revelaram mais susceptíveis a apresentar maior intensidade em sintomas relacionados a disfunções sociais, depressão, intrusão, evitação e excitação que os demais.

Em outro estudo realizado com 90 jornalistas quenianos expostos à violência extrema, Feinstein, Wanga e Owen (2015) focaram na saúde psicológica desses profissionais em relação a acontecimentos vinculados às eleições gerais de 2007 e um ataque do Al-Shabab ao Centro Comercial Westgate, na Capital. Os resultados demonstraram que jornalistas expostos a coberturas com potenciais ameaças à vida estão mais propensos a desenvolver sintomas de intrusão e excitação. Esses sintomas, associados à atividade laboral, geram dificuldades emocionais, além de não receberem a devida atenção e tratamento das organizações para as quais trabalham.

Feinstein, Osmann e Patel (2018) analisaram dados representativos coletados durante 18 anos, com 684 jornalistas com atividades ligadas à cobertura de conflitos, divididos em: ataques de 11 de setembro em Nova York, 46 profissionais; guerras civis Bálcãs, 140; guerra do Iraque, 84; crise migratória recente europeia, 80; guerra às drogas mexicana, 104; intimidação da mídia pelo estado iraniano, 114; e, a violência eleitoral queniana somada ao terror no Al-Shabab; 57. A ênfase do trabalho foi dada a reexperimentação dos sintomas vivenciada pelos jornalistas com tempo superior a dez anos na linha de frente desse tipo de cobertura. Os resultados comprovam as evidências anteriores de agravamento da severidade e frequência das patologias apresentadas.

Outra categoria profissional analisada, sob perspectivas similares às expostas anteriormente, foi a policial, grupo que também está ante constante exposição à violência e eventos traumáticos. Galovski et al. (2016) examinaram os efeitos na saúde mental da comunidade e dos agentes de segurança posteriormente à morte por violência policial do jovem negro Michael Brown, em Ferguson, cidade no estado norte americano do Missouri. Os resultados encontrados, para uma amostra de 565 adultos, revelaram elevados níveis de angústia, sintomas de transtorno de estresse pós-traumático (TSPT) e depressão. A pesquisa mostrou ainda que os indivíduos negros da comunidade apresentaram índices de TSPT e depressão superiores aos brancos.

Os estudos citados sugerem que as reações e sequelas após períodos de exposição – direta ou indireta – a atos de violência podem ser diversas a depender de como e a quem se direcionem. Estas sequelas ocorrem mesmo quando se trata de acontecimentos raros e distantes e mesmo quando o indivíduo não é o alvo direto da ação. É evidente que tal cenário gera efeitos nocivos e que necessitam de maior atenção e atuação de todas as partes sociais envolvidas. A cobertura de eventos políticos e internacionais violentos nem sempre tem o mesmo controle de exibição que atinge a cobertura de outras violências cotidianas. Os meios de comunicação precisam conhecer e levar em consideração estes efeitos, não apenas sobre a audiência mas também sobre os jornalistas responsáveis pela cobertura, monitorando e oferecendo tratamento para eventuais efeitos colaterais.

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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