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{ ARTIGO }

Eleições e a arte de iludir

O Brasil precisa, acima de tudo, de homens limpos e capazes de dizer a verdade, escreve José Paulo Cavalcanti Filho

José Paulo Cavalcanti Filho, jurista e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras

Edição Scriptum

 

Domingo tivemos, no Brasil, eleições para vereadores e prefeitos. Segundo a Frente Nacional de Prefeitos, teríamos 5.565 municípios; ou 5.568, segundo o IBGE, mais 2 “Equivalentes”. E 26 Estados, sem contar o Distrito Federal (único em que não houve eleição).

Já em Portugal são 278 Concelhos, no continente; mais os das Regiões Autônomas da Madeira (11) e dos Açores (19). No total, portanto, 308 Concelhos. Agrupados em distritos.

Tais Concelhos, ou Municípios, por sua vez, são divididos em 3.091 freguesias locais. Ainda resquícios da Monarquia ‒ quando nascimentos, casamentos e óbitos eram registrados nessas freguesias. Em sua origem, “territórios a cargo de uma paróquia católica”. Fernando Pessoa, por exemplo, tem seus registros de nascimento (em 13/6/1888) na Igreja dos Mártires, e não em nenhum cartório, aqui nomeados “Conservatórias”, que vieram só com a República (em 1910). Quando todo sistema de registros foi mudado para o atual.

Nosso apartamento, a propósito, fica na antiga Freguesia de São Mamede, hoje Freguesia de Santo António. Só para lembrar, foi na Igreja de São Mamede que casou por procuração, em segundas núpcias, a mãe de Fernando Pessoa, Maria Magdalena Pinheiro Nogueira, com o capitão João Miguel dos Santos Rosa; que, nomeado cônsul de Portugal em Durban (África do Sul), andava longe.

Cada Concelho elege uma Assembleia Municipal formada por Deputados Municipais, assim são nomeados. A eles se juntam presidentes de Juntas de Freguesias escolhidos também pelo voto popular, um a menos. Quando eleitos, por exemplo, 21 Deputados Municipais, a Assembleia Municipal teria 41 membros, sendo os 20 restantes presidentes de Juntas.

Cada Concelho tem seu Presidente da Câmara (equivalente a nosso prefeito). Eleito por uma Assembleia que não tem funcionamento permanente e se reúne (em média) apenas 5 vezes ao mês. Esse presidente, no fundo quem manda, para evitar corrupção (o que o Brasil conhece bem) não pode se eternizar no cargo por conta de lei recente que limita essas eleições a três. Razão pela qual alguns até mantêm suas profissões. Como em Viseu, por exemplo, o saudoso amigo António Almeida Henriques, Presidente da Câmara de lá, que trabalhava na Prefeitura de manhã e administrava suas empresas, à tarde.

Tudo sob supervisão da Comissão Nacional de Eleições, à semelhança de nosso TSE, rasgando lenda segundo a qual nosso Brasil seria o único país do mundo com uma Justiça Eleitoral.

Interessante é que essa legislação eleitoral passou a permitir candidatos não filiados aos partidos políticos convencionais; apenas exigindo que sejam registrados na Comissão de Eleição em Movimentos Independentes, normalmente criados para eleições específicas. Será que algum dia teremos isso no Brasil?, eis a questão.

Mas em algo, pelo menos, as eleições se parecem nesses dois países. Na arte de iludir (o eleitor). Volto a citar, perdão amigo leitor, concurso de 1778 que a Academia de Berlim realizou por inspiração de Frederico II da Prússia (1712-1786). Mais conhecido como Frederico O Grande (Friedrich der Grobe), era famoso por suas vitórias militares. Mas, também, pelo patrocínio às artes e ao iluminismo.

Esse concurso teve, como tema, “É conveniente enganar o povo?”. Dele se soube, não faz muito tempo, quando o filósofo alemão W. Kraus localizou suas atas. Frederico, no fundo, buscava compreender as relações entre ação política e sociedade de massas. A partir, segundo um dos 42 trabalhos apresentados, “da força plástica da visibilidade do poder sobre o hábito do segredo e da mentira em suas relações com a obediência política”.

Retraduzindo o tema do concurso, para dar-lhe alguma dignidade, tratava-se da tentativa de estabelecer a real dimensão do espetáculo do poder e as implicações políticas de alguns de seus instrumentos de trabalho: artifício, simulação, sedução, farsa.

A Academia, na dúvida sobre as reais intenções de Frederico, prudentemente decidiu premiar teses opostas. Uma, de Frederick de Castillon, entendia ser “útil, para aqueles que têm necessidade de ser queridos, sê-lo por quem os engana, quando para conduzi-los mais facilmente a um fim, e esse fim não seja outro que a verdadeira felicidade”.

Outra, de Rudolf Zacharias Becker, em sentido contrário recomendava o compromisso com a verdade em uma dimensão ética. E concluía seu texto dizendo: “Se quereis ser felizes, o façais com a vista posta na eternidade; onde a mente do homem, que nesta vida terrena apenas germina, cresce até converter-se em árvore frutífera”.

Esse tema voltou com força nessas eleições brasileiras de agora. Fico apenas com um exemplo. Em debate na televisão, uma jornalista de Curitiba disse que havia fila de 40 mil pacientes para exame de olhos; e perguntou se a candidata a Prefeita, Cristina Graeml, prometia zerar essa fila. Resposta

‒ Não, e quem disser que vai fazer isso estará mentindo.

Será que algum dia vamos ver mais candidatos assim, sem a compulsão de enganar o povo? Talvez no futuro, quem sabe?, tudo é possível. Seja como for, por agora, parabéns a todos os eleitos, prefeitos e vereadores. E por favor lembrem que, mais importante que ideologias ou projetos, o Brasil precisa mesmo, sobretudo, de homens públicos limpos. Decentes. E capazes de dizer a verdade.

 

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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