Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
Para a maior parte dos economistas ortodoxos (com formação baseada nas escolas clássica, neoclássica, austríaca, monetarista e suas ramificações), o fator mais relevante para a promoção do crescimento econômico e do desenvolvimento é o aumento da produtividade.
Para obtê-lo, consideram essencial a figura do empreendedor.
Durante muito tempo, essa figura foi muito pouco enfatizada pelos teóricos da economia. E, quando lembrada, era confundida com o empresário[1].
Embora o economista clássico Jean-Baptiste Say tenha feito menção ao empreendedorismo no início do século XIX, quem colocou a figura do empreendedor em evidência foi Joseph Schumpeter (1883–1950). Nascido em Triesch, na atual República Checa, estudou em Viena e tem como principais contribuições para a teoria econômica o estudo dos ciclos econômicos, dos sistemas econômicos comparados e do desenvolvimento econômico, considerando fatores fundamentais para sua ocorrência o crédito e a inovação, em especial o que ele chamou de destruição criativa [2].
Ao se referir à inovação, Schumpeter afirmou que os empreendedores estão no coração do progresso capitalista. Para ele, o empreendedor é o agente mais importante para a obtenção de lucro, dando, portanto, uma ênfase diferente de dois dos grandes formuladores do pensamento econômico:
- Smith Þ rendimentos do capital
- Marx Þ exploração do trabalho
Na descrição da destruição criativa, Schumpeter afirma que novos métodos competem com os velhos […] não nos mesmos termos, mas com uma vantagem decisiva que pode significar a morte dos últimos.
Para Schumpeter, os cinco casos reveladores da importância do empreendedor e da inovação para o desenvolvimento:
- Introdução de um novo bem – ou seja, um bem com que os consumidores ainda não estiverem familiarizados – ou de uma nova qualidade de um bem;
- Introdução de um novo método de produção, ou seja, um método que ainda não tenha sido testado pela experiência no ramo próprio da indústria de transformação, que, de modo algum, precisa ser baseada numa descoberta cientificamente nova, e pode consistir também em nova maneira de manejar comercialmente uma mercadoria;
- Abertura de um novo mercado, ou seja, de um mercado em que o ramo particular da indústria de transformação do país em questão não tenha ainda entrado, quer esse mercado tenha existido antes ou não;
- Conquista de uma nova fonte de oferta de matérias-primas ou de bens semimanufaturados, mais uma vez independentemente do fato de que essa fonte já existia ou teve que ser criada;
- Estabelecimento de uma nova organização de qualquer indústria, como a criação de uma posição de monopólio (por exemplo, pela trustificação) ou a fragmentação de uma posição de monopólio.
Israel Kirzner, um dos mais respeitados nomes da Escola Austríaca contemporânea, concentrou suas pesquisas na microeconomia, mais especificamente nos aspectos relacionados à competição e à atividade empresarial [3].
Diferentemente de Schumpeter[4], Israel Kirzner ressalta o papel dos empreendedores na descoberta de oportunidades de lucro, agindo sobre elas e, no processo fechando as lacunas regulatórias que existem nos mercados e aproximando-os do equilíbrio competitivo.
Kirzner desafia a ideia comum de que o lucro se justifica pelo risco, capital, know-how, gestão ou trabalho árduo, ressaltando que esses elementos podem ser substituídos ou terceirizados. Kirzner argumenta que a verdadeira função insubstituível do empreendedor é a descoberta de oportunidades inexploradas. O empreendedor é aquele que possui a capacidade única de identificar e explorar essas oportunidades, mesmo que outras pessoas tenham conhecimento de mercado. O empreendedor demonstra seu papel essencial ao saber como usar as informações disponíveis para localizar oportunidades de lucro que outros não exploraram. Essa habilidade de descoberta e exploração é o que define o lucro empresarial.
Na mesma linha de Kirzner, Ubiratan Iorio, ex-diretor da Faculdade de Economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), sustenta que o empreendedorismo brota do espírito criativo dos indivíduos, que os leva a assumir riscos para criar mais riqueza. Para que possa florescer, depende de quatro atributos: governo limitado, respeito aos direitos de propriedade, leis boas e estáveis e economia de mercado. Quanto mais uma sociedade afastar-se desses pressupostos, mais sufocada ficará a atividade de empreender e mais prejudicada a economia, pois não se conhece exemplo de desenvolvimento sem a presença de empreendedores.
Nesse sentido, ainda de acordo com Iorio, o empreendedor é aquele indivíduo que percebe que uma determinada ideia poderá lhe proporcionar ganhos e se empenha para desenvolvê-la na prática. O fato de esse indivíduo ser ou não um empresário (no sentido de ser dono ou diretor de uma empresa), no momento em que nasce sua boa ideia, não é, portanto, relevante para que possamos defini-lo como empreendedor.
Portanto, a teoria austríaca, base da visão de Kirzner e de Iorio, descarta a visão convencional segundo a qual o lucro seria simplesmente a recompensa ganha pelo fator capital e um resíduo, já que não existe uma demanda por atividade empreendedora, nos moldes de uma demanda por capital. Por isso, não existe um preço para ela, como há um preço para o capital. É com esses argumentos que os austríacos − assim como muitas ramificações do liberalismo − encaram os lucros sob o ponto de vista ético.
Deslocando a análise para o empreendedorismo visto como característica diferenciadora de uma nação, não posso encerrar este artigo sem mencionar o livro A nação empreendedora, que tem por subtítulo “o milagre econômico de Israel e o que ele nos ensina” (São Paulo: Évora, 2011). Nele, os autores Dan Senor e Saul Singer oferecem pistas que explicam como um país com pouco mais de 7,6 milhões de habitantes (dados de 2010), com apenas seis décadas de existência, situado em um território sem recursos naturais e enfrentando constantes conflitos militares desde a sua fundação consegue gerar mais empresas iniciantes (start-ups) do que nações maiores, pacíficas e estáveis como o Japão, a China, a Índia, a Coreia do Sul e o Reino Unido. Para os autores, o incrível número de invenções de relevo no mundo contemporâneo originárias de Israel são produto não apenas da rígida dedicação ao serviço militar de seu povo, mas também da estreita relação entre a formação militar e a educacional, com forte estímulo ao empreendedorismo e à inovação.
Como se sabe, um dos indicadores mais utilizados para aferir o grau de inovação de uma nação refere-se ao número de patentes registradas. Fazendo um paralelo entre Israel e seus vizinhos, Senor e Singer ressaltam: “o número de patentes registradas entre 1980 e 2000 na Arábia Saudita foi 171; no Egito, 77; no Kuwait, 52; nos Emirados Árabes Unidos, 32; na Síria, 20; na Jordânia, 15 − em comparação com 7.652 em Israel”.
1 O empresário é quem escolheu abrir uma empresa e tem o foco voltado à conservação do bom funcionamento do negócio. Já o empreendedor se utiliza de ideias inovadoras para promover mudanças em processos ou até mesmo na vida de um grupo de pessoas. O empreendedor não precisa ser dono de uma empresa. Ele pode colocar suas ideias em prática em qualquer ambiente, seja na empresa da qual é proprietário, no seu trabalho formal ou informal, ou em um projeto social, por exemplo. Portanto, a pessoa empreendedora não precisa abrir um negócio, pode simplesmente atuar em qualquer campo, já que o empreendedorismo está mais ligado à identificação de oportunidades, proatividade e criatividade.
2 Recentemente, a inovação voltou a ocupar lugar de destaque nas pesquisas a respeito da produtividade industrial. Um dos nomes mais destacados entre esses pesquisadores é Clayton Christensen, autor de O dilema da Inovação (São Paulo: Makron Books, 2001). Ele distingue dois tipos de inovação: inovações de ruptura (mudanças radicais) e inovações de sustentação (mudanças incrementais).
3 A obra mais importante de Israel Kirzner tem o título de Competição e atividade empresarial (LVM Editora, 2017).
4 Embora tenha nascido numa localidade que pertencia ao Império Austro-Húngaro e tenha sido ministro das Finanças da Áustria, Schumpeter jamais pertenceu à Escola Austríaca de Pensamento Econômico.
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