Tulio Kahn, sociólogo e colaborador do Espaço Democrático
O estelionato digital é um dos crimes que mais crescem no Brasil. Em 2024, foram registradas cerca de 2,17 milhões de ocorrências, o equivalente a quase quatro golpes por minuto. Segundo pesquisa do DataSenado[1], um em cada quatro brasileiros com mais de 16 anos foi vítima de fraude on-line nos últimos 12 meses. O problema não é apenas de segurança individual: estima-se que as perdas totais com fraudes digitais tenham alcançado R$ 10,1 bilhões em 2024, segundo a LexisNexis Risk Solutions[2]. Apesar da dimensão, apenas 0,19% dos golpes resultam em prisão. Em números absolutos, foram cerca de quatro mil presos diante de mais de dois milhões de ocorrências. Essa discrepância ajuda a explicar por que o crime continua tão atrativo para os criminosos.
Para entender o problema, é útil recorrer à economia do crime, uma linha de estudo inaugurada pelo prêmio Nobel Gary Becker em 1968[3]. Segundo essa teoria, o criminoso faz um cálculo racional: compara os ganhos esperados com os custos esperados, isto é, a chance de ser preso multiplicada pelo tempo de prisão. No caso do estelionato digital, o lucro mediano de um golpe em São Paulo é de R$ 2.000. Já o custo esperado é irrisório: em 2024, cada golpe equivalia a apenas 0,7 dia de prisão em média. Em outras palavras, quem aplica golpes de R$ 2.000 enfrenta menos de um dia de prisão como risco médio. Quando olhamos para o custo social, a diferença é ainda mais gritante. Estudo da LexisNexis[2] estima que cada golpe custa em média R$ 4.590 para a sociedade, mais do que o dobro do que os criminosos de fato ganham. Isso porque cada fraude envolve gastos adicionais com investigação, medidas de segurança, processos judiciais e ressarcimentos.
Há alguns fatores que ajudam a entender a explosão do estelionato digital. A tecnologia barateou a aplicação de golpes em massa, com baixo risco e alto alcance. A polícia ainda tem dificuldade em rastrear e comprovar crimes cometidos em ambiente digital. Criminosos recorrem a contas de terceiros para movimentar dinheiro, dificultando a investigação. E muitos casos não são registrados oficialmente, o que reduz ainda mais a percepção de risco. Se nada for feito, a tendência é de piora. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025[4] mostra que os golpes digitais cresceram 17% em apenas um ano. Se essa taxa se mantiver, em 2025 poderemos passar de 2,5 milhões de golpes.
Aumentar penas, por si só, não resolve. Experiências internacionais mostram que a certeza da punição pesa mais do que a severidade. Ou seja, prender mais, e não apenas aumentar o tempo de cadeia, é o caminho mais eficaz. Especialistas sugerem três frentes principais: investir em investigação digital e cooperação entre polícias, bancos e fintechs; reduzir a lucratividade dos golpes criando barreiras no saque de valores transferidos e ampliando prazos de contestação; e promover campanhas de educação e prevenção, alertando especialmente os mais vulneráveis, como idosos.
O estelionato digital é um crime em que o jogo está desequilibrado: o criminoso tem muito a ganhar e pouco a perder. A conta não fecha para a sociedade: cada R$ 2.000 que um golpista embolsa custa mais de R$ 4.500 para todos nós. A resposta passa menos por endurecer penas e mais por garantir que a lei seja aplicada de fato e por tirar a rentabilidade do crime. Reforçar investigações, bloquear fluxos financeiros e conscientizar potenciais vítimas são passos centrais para reequilibrar o jogo e fazer com que, finalmente, o golpe deixe de compensar.
Referências
[1] DataSenado (2024): https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/10/01/golpes-digitais-atingem-24-da-populacao-brasileira-revela-datasenado
[2] LexisNexis Risk Solutions (2024): https://risk.lexisnexis.com/global/en/about-us/press-room/press-release/20240620-true-cost-of-fraud-brazil
[3] Becker, G. S. (1968): https://www.journals.uchicago.edu/doi/abs/10.1086/259394
[4] Fórum Brasileiro de Segurança Pública – Anuário 2025: https://forumseguranca.org.br/publicacoes/anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/