Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
Aproveitei o recesso de final de ano para intensificar minhas leituras e duas delas, em particular, servirão de base para este meu primeiro artigo de 2024. Aparentemente sem qualquer conexão entre elas, as leituras foram: o segundo volume – A necessidade da agilidade – da trilogia escrita pelo professor Victor Mirshawka sobre Trabalhabilidade; e o ensaio do professor Eiiti Sato intitulado O empreendedorismo e a construção do poderio econômico americano.
Os dois professores abordam aspectos do empreendedorismo partindo de prismas diferentes, embora ambos façam questão de estabelecer relação entre criatividade, empreendedorismo e inovação.
Evidentemente, por estar inserida num livro, a abordagem de Mirshawka é muito mais detalhada do que a de Sato, ainda que as duas apresentem tópicos bastante interessantes.
A abordagem de Sato chama atenção por ser multidisciplinar, focalizando o empreendedorismo não apenas no plano econômico-administrativo, mas levando-o também para os planos da sociologia e da política.
Assim sendo, procura enfatizar o empreendedorismo como uma espécie de DNA dos norte-americanos, evidente não apenas nas figuras de John D. Rockefeller, J. P. Morgan, Cornelius Vanderbilt, Andrew Carnegie e Henry Ford, qualificados como “magnatas empreendedores” que desempenharam papel central para a ascensão do poderio econômico americano, mas também em sucessivas gerações, passando por Jay Gould, William Boeing, Walter Chrysler, Thomas Edison, Pierre Du Pont, Philo Farnsworth e chegando aos nomes que se projetaram nas últimas décadas, como Bill Gates, Jeff Bezos, Elon Musk e outros. Muitos desses nomes estão ligados a poderosas indústrias norte-americanas, enquanto no Brasil as referências continuam sendo o Barão de Mauá e a geração de industrialistas como Francisco Matarazzo e outros líderes empresariais que fizeram de São Paulo um grande centro industrial, comercial e financeiro. Sato conclui esta parte do seu ensaio alertando para a ausência, no Brasil das últimas décadas, de um autêntico espírito empreendedor, cuja consequência é o baixo dinamismo da atividade industrial. Para ele, “nestas duas primeiras décadas do novo milênio a economia brasileira voltou a ser predominantemente agroexportadora, deixando de ser destaque em qualquer ramo industrial, e a economia brasileira como um todo tem crescido, infelizmente, a taxas inferiores à média mundial¹”.
Na sequência, Sato destaca o importante papel de Joseph Schumpeter na fundamentação teórica do empreendedorismo e da destruição criativa, entendida como fator essencial para a sobrevivência e supremacia do capitalismo. Neste particular, há plena concordância com Victor Mirshawka, que também exalta a relevância de Schumpeter para o empreendedorismo e a inovação. O que distingue a análise dos dois professores é a ênfase dada por Sato à relação entre capitalismo e democracia, bem mais elaborada do que a feita por Mirshawka.
Sato vai buscar na história política americana o estreitamento dessa relação:
“Não seria exagero afirmar que o próprio governo americano, desde sua concepção, trazia em si a marca da inovação. Os conceitos e ideias de democracia e república foram formulados e já haviam sido amplamente discutidos por notáveis pensadores desde a Antiguidade, mas a concepção de uma república democrática presidencialista surgiu, de fato, apenas na constituição promulgada em 1787, na qual se criava o primeiro Estado Nação governado por um sistema presidencialista moderno.
Prosseguindo na tentativa de estabelecer estreita relação entre o empreendedorismo, e a inovação na economia e na política, observa Sato:
“Da mesma forma que na indústria, onde muitas inovações tecnológicas notáveis surgiram de combinações e de arranjos inéditos de elementos presentes na natureza desde o início dos tempos, é possível dizer que, na esfera da sociologia política, é um notável feito conseguir juntar, em uma solução viável na prática social e política, as inúmeras possibilidades presentes nos conceitos e nas teorias que a filosofia política denomina genericamente de democracia. Foi o que fizeram os “Pais Fundadores” ao conceber o sistema presidencialista americano que, dois séculos depois, continua vivo em sua essência e em torno do qual se construiu os Estados Unidos da América como uma grande sociedade livre e uma incomparável potência econômica e estratégica. Na realidade, a própria formação e organização de um Estado Nação em torno de um contrato formal – uma constituição – estabelecido sobre uma visão filosófica da ordem política, foi uma notável inovação”.
Faço questão de salientar dois outros aspectos da análise de Sato, referentes à constituição dos Estados Unidos. O primeiro diz respeito à forma. Ao se concentrar em princípios e não em disputas e questões sobre fatos correntes (como ocorreu no Brasil), a constituição norte-americana não favorece a judicialização da convivência social ou mesmo das disputas no âmbito da ordem política. O segundo refere-se ao contexto histórico e ao desprendimento dos atores da política americana. Um caso notável de inovação na política pelo governo dos Estados Unidos foi a decisão de promover a industrialização da nação. É bastante conhecida a história de que Alexander Hamilton, por solicitação de George Washington, produziu em 1791 o Report on the Subject of Manufactures, numa época em que a grande maioria dos integrantes da classe política era composta de fazendeiros, como era o caso de Thomas Jefferson, James Madison e do próprio George Washington.
E em que aspecto a abordagem de Mirshawka constitui-se num relevante complemento à de Sato?
A meu juízo, ao mostrar que embora a criatividade, o empreendedorismo e a inovação dos brasileiros não sejam representados pelo segmento industrial, cuja participação no produto interno bruto (PIB) vem caindo há décadas, estão presentes – e como!!! – no segmento das startups, entendidas como empresas jovens com um modelo de negócio replicável, flexível e escalável, o que significa que ela estará sempre em busca de automação de suas operações, recorrendo para isso às mais recentes tecnologias.
Em dois de seus oito capítulos, Mirshawka deixa clara a elevadíssima capacidade criativa dos brasileiros, fazendo com que o País seja referência num segmento que envolve o que há de mais avançado em tecnologia da informação e inteligência artificial.
No quinto capítulo, Mirshawka explica detalhadamente o que é uma startup, de que tipo podem ser e como financiá-las. Vale reproduzir deste capítulo o trecho em que ele detalha as três características de uma startup já mencionadas:
“Replicabilidade (ou repetibilidade)
É vital que o modelo de negócios de uma empresa iniciante seja replicável, isto é, que seja possível reproduzir a experiência de consumo do seu produto (ou serviço), de forma relativamente simples, sem exigir o crescimento na mesma proporção de recursos humanos ou financeiros.
Flexibilidade
Em função de sua característica inovadora, do ambiente incerto, competitivo e volátil em que a startup irá atuar, ela deve ser capaz de atender às demandas do mercado, adaptando-se rapidamente conforme ocorrem as mudanças. Desse modo, uma startup possui uma estrutura enxuta, com equipes relativamente pequenas e constituídas por pessoas ágeis, flexíveis e donas de certa autonomia.
Escalabilidade
Ser escalável significa que a startup pode atingir rapidamente um grande número de clientes, com custos relativamente baixos. Assim, um negócio escalável é aquele capaz de promover o crescimento da startup, de forma ágil, sem que isso afete significativamente sua estrutura ou demande muitos recursos.
Um negócio escalável naturalmente requer gestores líderes, com as habilidades necessárias para conduzir o crescimento da startup de forma coerente, valendo-se de ferramentas robustas de gerenciamento e desenvolvendo uma comunicação interna e externa bem eficaz.
É óbvio que a transformação digital estará sempre por trás da maioria dos empreendimentos escaláveis. Por exemplo, com o auxílio da Internet e de recursos de marketing digital, pequenas startups são capazes de competir com grandes marcas, muitas vezes provocando mudanças radicais ou disruptivas em seu setor.
Um modelo de negócios escalável deve contar com as seguintes características fundamentais:
• Ser ampliável e capaz de atender altas demandas.
• Possuir um processo de produção ensinável.
• Oferecer produtos ou serviços padronizados.
• Contar com uma logística inteligente.
• Utilizar processos automatizados.
No sexto capítulo, Mirshawka explica o que significa ser uma startup de sucesso, merecendo a qualificação de unicórnio, ou seja, empresas de tecnologia que alcançaram o valor de no mínimo US$ 1 bilhão, algo considerado bem expressivo e difícil de atingir.
Em seguida, faz uma breve descrição do histórico de 26 startups brasileiras que se transformaram em unicórnios. Essas atuam em diferentes segmentos e algumas delas operam em diversos países. Algumas são bastante conhecidas – 99, PagSeguro, Arco Educação, Nubank, iFood, Quinto Andar, Stone e C6Bank -, outras nem tanto, mas são todas exemplos vivos da capacidade do brasileiro de criar, empreender e inovar de forma competente e competitiva.
Resta torcer para que a mesma competitividade presente no agronegócio e em determinados segmentos do setor de serviços se espalhe pelos outros setores produtivos da nossa economia.
¹ – De acordo com dados do SISCOMEX, os cinco produtos mais exportados pelo Brasil são minério de ferro, soja, petróleo bruto, açúcares e melaços, e carne bovina. Esses cindo produtos responderam por 43% das exportações brasileiras em 2023 (Jan-Out). O caso da EMBRAER, obviamente, é uma notável exceção e mereceria uma reflexão à parte. Conforme dados do Banco Mundial, em duas décadas (2000- 2020), a economia mundial cresceu 151,75%, enquanto o Brasil cresceu apenas 125,79%.
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