Alexandre Schneider, pesquisador da FGV/DGPE, pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia, em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo
Edição Scriptum
A boa prática da administração pública reza que é preciso “contar o tempo ao contrário”. Em vez de considerar o tempo transcorrido, deve-se contar o que resta até o fim do mandato concedido pela população. O tempo é curto, e a qualidade das entregas depende, além de outros fatores, da existência de um plano que indique onde se quer chegar ao fim de quatro anos de gestão.
A expectativa de muitos educadores e especialistas em relação ao governo Lula era de que ele teria foco na melhoria da qualidade da educação com redução das desigualdades, tendo para isso um plano sistêmico que englobaria ações da 1ª infância à universidade.
Até o momento, o MEC (Ministério da Educação) não divulgou seu plano ao País. Em outras palavras, não se sabe em que estágio o órgão pretende deixar a educação brasileira ao final do mandato, ou seja, daqui a três anos.
A discussão sobre o ensino médio – adiada e deixando sem rumo milhões de estudantes – é ilustrativa. Em vez de ser pautada por qual deve ser a formação dos estudantes ao longo do ensino médio, a discussão se resume ao número máximo de horas da formação básica comum a todos que não inviabilize a implantação dos itinerários de ensino técnico. Não à toa, metade dos estudantes do 3º ano do ensino médio não participou do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) em 2023.
Com 3/4 do mandato pela frente é possível mudar esse quadro, mas exigirá disciplina para cuidar do presente e desenhar o futuro. As respostas a algumas perguntas poderiam nortear o governo federal nessa missão:
* Qual é o estudante que queremos formar em cada etapa da educação básica dadas as transformações pelas quais passa a sociedade?
* Como melhorar a qualidade da educação reduzindo as desigualdades?
* Como as desigualdades educacionais se manifestam ao longo da trajetória escolar? Há mais ricos que pobres nas creches? Há diferença no desempenho acadêmico entre ricos e pobres na escola pública? Entre meninos e meninas? Entre negros e brancos? Como essas questões se manifestam regionalmente?
* Qual o papel do MEC como indutor, coordenador ou implementador de políticas públicas educacionais para melhoria da qualidade com equidade educacional?
* Quais programas atuais do MEC respondem às questões citadas? O que deve ser implementado? O que deve ser descontinuado? Quais são as metas para cada uma das etapas da educação e quais as metas internas do ministério, de acordo com suas responsabilidades diretas e indiretas?
* Como o País pode, seguindo o exemplo dos melhores sistemas educacionais do mundo, organizar a formação inicial e continuada dos docentes para que a mudança ocorra nas salas de aula?
* Em um país que desenvolveu uma base curricular, mas continua incentivando a manutenção de desigualdades e o ensino baseado nos descritores da avaliação, como alinhar as metas e avaliações para induzir a melhoria da qualidade com equidade?
A legislação brasileira estabelece para os próximos anos uma série de obrigações ao MEC, que podem ser utilizadas para alinhavar um plano mais amplo.
Para este ano está prevista a discussão e promulgação do PNE (Plano Nacional de Educação), que estabelece metas decenais para o País. A elaboração de uma proposta de metas educacionais para os próximos anos e a preparação da discussão sobre a alteração da Base Nacional Comum Curricular, que deve ocorrer em 2025. São oportunidades para o MEC alinhavar um plano que articule essas e outras ações em um plano para os próximos três anos.
É preciso reconhecer alguns avanços no 1º ano de gestão: a retomada do programa de fomento a educação integral, o Programa Brasil Alfabetizado e a aprovação da Bolsa Ensino Médio, o projeto de autoria da deputada Tabata Amaral que possibilitará que o governo apoie financeiramente estudantes em situação de vulnerabilidade para que não deixem a escola, são alguns deles.
Merecem destaque especial a aprovação da nova Lei de Cotas e as políticas inclusivas e de redução das desigualdades promovidas pela Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão).
Por mais meritórios que sejam os programas – e são –, a soma dos mesmos não configura um plano articulado que vise a melhoria da qualidade da educação brasileira.
Mais do que olhar para o ano que passou e realizar uma contabilidade de perdas e ganhos de seu 1º ano, o MEC deveria decidir se irá se concentrar em implementar projetos, como uma ONG, ou adotar um plano articulado de metas e programas que visem a mudar o rumo da educação no País.
publicado no site Poder360 em 31 de janeiro de 2024
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