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{ ARTIGO }

Festas populares e economia criativa

Se os desfiles de escolas de samba perderam muito de sua autenticidade, os blocos e os trios favorecem a diversidade cultural e a inclusão social, escreve Luiz Alberto Machado

 

Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático

Edição: Scriptum

 

As festas populares ocupam lugar de destaque entre os inúmeros segmentos da economia criativa, tendo impacto significativo não apenas no montante de valor por elas produzido, mas também na geração de emprego e renda, ainda que, em muitos casos, esses fatores tenham caráter pontual, quer em termos de espaço, quer de tempo.

Distribuídas pelo ano todo, algumas com dia fixo, outras comemoradas em data variável, essas festas possuem diferentes origens, podendo estar atreladas à religião, ao folclore ou aos hábitos e tradições dos locais em que são realizadas.

A maior das festas populares do nosso País é o carnaval, que, juntamente com o futebol, constitui-se numa das principais razões da projeção do Brasil no exterior. De origem pagã, desde o início o carnaval cativou as pessoas, que podiam se divertir escondendo a sua identidade e trocando os papéis sociais mediante o uso de máscaras – tradição que surgiu em Veneza. Comemorado em todo o País, entre fevereiro e março, cada região apresenta as suas particularidades.

Verdadeira síntese da economia criativa, nas suas diversas formas de manifestação o carnaval explora ao limite a inteligência, a capacidade de improviso e a criatividade do brasileiro, transformando em protagonistas, a cada ano, personagens que se notabilizaram nos cenários político, econômico e cultural, tanto no Brasil como no exterior. Tais personagens são exibidos sempre de forma estilizada, revelando ousadia e bom humor.

Se em outros tempos os bailes e desfiles de fantasia despertavam interesse considerável, atualmente são as manifestações carnavalescas de rua que mais se sobressaem. Entre elas, temos os super produzidos desfiles das escolas de samba no Rio de Janeiro e em São Paulo, os famosos trios elétricos de Salvador, os bonecos gigantes de Olinda e os blocos de carnaval que voltam a ganhar força em várias cidades do País, com destaque para o Galo da Madrugada, de Recife, e seu “filhote mais conhecido”, o Pinto da Madrugada, de Maceió. Se os desfiles de escolas de samba do Rio e de São Paulo perderam muito de sua autenticidade, deixando de ser expressão da cultura popular ao se tornarem superproduções televisivas, os blocos e os trios favorecem a diversidade cultural e a inclusão social, dois dos norteadores da economia criativa no Brasil.

Antes mesmo do carnaval, ano após ano duas festas populares de caráter religioso costumam atrair milhares de pessoas. Comemoradas no dia 2 de fevereiro, são realizadas em Salvador e em Porto Alegre. Em Salvador, é comemorado o Dia de Iemanjá, orixá cultuado nas religiões de matrizes africanas que é considerada a Rainha do Mar e protetora dos pescadores. É comum a prática de fazer oferendas a Iemanjá, acreditando que ela possa retribuir os presentes. Muitos oferecem flores, enquanto outros fazem um barquinho de madeira com outros itens. Em Porto Alegre, a homenageada é Nossa Senhora dos Navegantes, num evento que tem como ponto alto a procissão fluvial no Guaíba.

Também em Salvador, na segunda quinta-feira do ano, ocorre a Lavagem da escadaria do Bonfim, reunindo sincretismo religioso, culinária, música e a folia típica dos baianos. A partir da Igreja da Conceição da Praia, os participantes, vestidos de branco, caminham 8 km até a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, acompanhados por baianas vestidas com trajes típicos.

Outras festas populares de caráter religioso de grande magnitude são as festas juninas, o Círio de Nazaré e a Romaria de Finados de Juazeiro do Norte.

As festas juninas realizam-se ao longo do mês de junho, mês dos santos populares – Santo Antônio, São João e São Pedro. É uma festa repleta de tradições, desde a culinária, à típica dança da quadrilha e as brincadeiras – pescaria, correio elegante e boca do palhaço, por exemplo. Na culinária, não podem faltar o quentão e os pratos que têm o milho como ingrediente principal, tais como bolo de fubá, pipoca e pamonha. Isso porque antes de assumir o caráter religioso, a festa era pagã e homenageava os deuses da natureza e da fertilidade. Era nessa época que o povo agradecia o sucesso das colheitas, e o milho era um dos produtos agrícolas mais produzidos na época. Apesar de ser realizada em todas as regiões brasileiras, é no Nordeste em que há acirrada disputa pelo título de “maior festa junina do Brasil”, envolvendo cidades como Campina Grande, na Paraíba, Caruaru, em Pernambuco, e, mais recentemente, São Luís, capital do Maranhão.

O Círio de Nazaré tem lugar em Belém do Pará, no segundo domingo do mês de outubro. Nessa ocasião, os devotos acompanham a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, levada da Basílica até a Praça Santuário de Nazaré, onde permanece durante uma semana. De acordo com a tradição, a festa consiste no translado da imagem de Nossa Senhora em um automóvel, da sua Basílica até a igreja matriz, onde passa a noite com os fiéis que fazem vigília. No dia seguinte, o translado continua, mas desta vez é acompanhado por ambulâncias e carros de polícia e de bombeiros. A imagem segue de barco, sendo acompanhada por outros barcos, canoas, iates e jet skis. Na sequência, há romaria, em que a imagem é acompanhada pelas motos buzinando pelas ruas da cidade. Para finalizar, a imagem continua o seu percurso a pé, na noite anterior do Círio em si, que é o momento mais aguardado dessa celebração.

A Romaria de Finados de Juazeiro do Norte é uma homenagem a Padre Cícero. A romaria reúne milhares de devotos que visitam o túmulo do carismático padre, chamado carinhosamente de Padim Ciço. O evento foi criado pelo próprio Padre Cícero, que incentivava as pessoas a visitar os túmulos dos seus entes queridos. Com a sua morte, em 1934, a popularidade da romaria cresceu muito. Contando com a presença de milhares de pessoas, elas visitam o túmulo do Padre Cícero, falecido e sepultado em Juazeiro do Norte.

Apesar da ampla cobertura por diferentes veículos da mídia, tenho a convicção de que só quem já esteve presente ao Círio de Nazaré ou à Romaria de Juazeiro do Norte é capaz de imaginar o nível a que chegam a fé e a devoção das pessoas.

Ainda na esteira das festas de caráter religioso, porém não tão grandiosas, são dignas de registro a Folia de Reis, a Congada e a Festa do Divino.

No segmento de festas folclóricas, as maiores são o Bumba Meu Boi, a Oktoberfest e a Festa do Peão do Boiadeiro.

Típica das regiões Norte e Nordeste, a festa do Bumba Meu Boi é realizada entre os meses de junho e julho, incluindo muita dança, desfiles e encenações teatrais da lenda, que conta como a ressurreição de um dos bois preferidos do patrão de Mãe Catirina e Pai Francisco deu origem a essa tradicional comemoração brasileira. No Maranhão, onde a comemoração remonta ao século 18, vários grupos de bumba meu boi se apresentam em vários arraiás.

Na região Norte, onde se realiza o Festival Folclórico de Parintins, a festa realiza-se desde 1965. Lá, milhares de espectadores assistem no Bumbódromo a disputa entre duas agremiações folclóricas – Boi Garantido e Boi Caprichoso – que se apresentam e são avaliados pelos jurados por alguns quesitos, dentre os quais levantador de toadas, porta-estandarte, boi-bumbá (evolução), coreografia e organização de conjunto folclórico. A exemplo do que ocorreu com o desfile das grandes escolas de samba do Rio e de São Paulo, a disputa entre o Boi Garantido e o Boi Caprichoso, deixou de ser uma manifestação nitidamente popular à medida que sua organização passou a contar com a participação de grandes patrocinadores, do governo e das redes de televisão.

A Oktoberfest é uma das festas mais populares do sul do Brasil, sendo a mais conhecida a de Blumenau, em Santa Catarina. De tradição alemã, a Oktoberfest nasceu em Munique, na celebração do casamento do rei bávaro Luís I, em 1810. Em Santa Catarina, que tem fortes traços da colonização alemã, a primeira festa data de 1984. Lá, ela foi criada com o objetivo de recuperar a economia da cidade de Blumenau, onde a enchente do rio Itajaí-Açu, em 1983, causou muitos prejuízos. Com duração inicial de uma semana, a Oktoberfest tem atualmente a duração de 18 dias e ganhou um espaço próprio para sua realização. Ao contrário do que muita gente pensa, não se trata apenas um festival de cerveja que atrai milhares de turistas. Ela preserva a riqueza cultural alemã através da culinária, danças e músicas, incluindo desfiles de grupos folclóricos, que exibem trajes típicos e bandas animadas.

A Festa do Peão do Boiadeiro de Barretos, no Estado de São Paulo, conhecida em todo o mundo, é a maior festa sertaneja do Brasil. Muito tradicional da região Sudeste, a Festa do Peão do Boiadeiro de Barretos realiza-se em agosto e é organizada pela Fundação de “Os Independentes”. Além do rodeio, que é a principal atração, muitos elementos folclóricos contribuem para o sucesso da festa, entre os quais: concurso do berrante, em que os concorrentes são avaliados por cinco toques dados no instrumento símbolo do sertanejo; pau de sebo, em que os participantes são desafiados a pegar uma bandeira no topo de um mastro, subindo 9 metros envolvidos em sebo de boi; queima de alho, como é chamado o cardápio da festa, composto por arroz carreteiro, carne na chapa, feijão gordo e paçoca de carne; violeira Rose Abrão, um festival de música sertaneja.

Entre as festas populares baseadas no folclore, vale a pena mencionar também as Cavalhadas e o Fogaréu, ambas realizadas no Estado de Goiás.

Em quase todas essas manifestações populares percebe-se a transversalidade representada pelo diálogo entre vários segmentos da economia criativa.

Na música, onde estão presentes diferentes ritmos como o samba, as marchas, o axé, o frevo, o gospel e a música sertaneja, desempenham papel fundamental os compositores, os cantores e os instrumentistas.

Nas artes visuais, artes cênicas e dança, assistimos, ano após ano, um show de criatividade e bom gosto de designers, roteiristas, coreógrafos, estilistas, figurinistas, costureiros, maquiadores, artesãos, bailarinos e passistas.

Na retaguarda, nem sempre percebidos, mas também de papel relevante na preparação e execução dos serviços, estão os publicitários, os decoradores, os gráficos, os profissionais de rádio e TV, os chefs de cozinha e uma enorme gama de colaboradores da cadeia turística, envolvendo os segmentos de transporte, hospedagem, alimentação e entretenimento.

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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