Rubens Figueiredo, cientista político e colaborador do Espaço Democrático
Edição: Scriptum
Foi Mussolini quem disse: “Não é difícil governar a Itália, é inútil”. Charles de Gaulle, que achava não ser o Brasil um país sério, fez a pergunta misteriosa em relação à França: “Como se pode governar um país que tem 246 espécies de queijos?”. Churchill disse que “o melhor argumento contra a democracia é uma conversa de cinco minutos com um eleitor mediano”.
Pois é: o Brasil necessita desesperadamente ser bem governado, pois há muito a ser feito. Temos uma sociedade dividida e um Congresso com mais poder, ainda fragmentado e, no mínimo, arisco. E acabamos de sair de uma eleição altamente polarizada na qual o eleitor mediano – pobre, pouco escolarizado, nordestino – fez a diferença.
A principal questão que se impõe, agora, é discutir a governabilidade do governo Lula 3. Algo muito próximo da metade dos eleitores que votaram no segundo turno sufragaram o nome de Bolsonaro. Não só isso: esse contingente que votou em Bolsonaro rejeita, e rejeita de forma vigorosa, o presidente eleito. Em seu pior momento nos oito anos que governou, Lula teve 45% de avaliações ótima e boa. Não terá a mesma boa vontade da opinião pública a partir de 2023.
Em seus mandatos anteriores Lula era muito popular porque a economia ia bem. Recebeu de FHC um país arrumado, com as contas em ordem e uma economia mundial “bombando”. Agora, a situação é bem diferente. Estima-se que o governo necessitará no próximo ano um “waiver” que pode chegar a 200 bilhões de reais para pagar contas e cumprir algumas promessas de campanha. E a economia mundial está em crise, muito diferente do que acontecia no começo do século.
No sistema de presidencialismo de coalização, falar em governabilidade é quase sinônimo de pensar em relações saudáveis com o Congresso. Nesses 20 anos que se passaram desde a primeira posse de Lula, o Legislativo brasileiro tornou-se muito mais forte. Além disso, os partidos que apoiam Lula tiveram um desempenho modesto nas eleições de outubro.
Tudo indica que o presidente eleito não conseguirá repetir o padrão estabelecido de relacionamento com o Congresso e com partidos na gestão 2003-2006. Naquela oportunidade, o PT tinha algo em torno de 18% dos deputados, mas ocupava 60% dos Ministérios. O PMDB, com representação semelhante, ocupava apenas duas das 33 pastas.
O modelo Lula 1 e Lula 2 era agraciar os partidos políticos com Ministérios, cargos em estatais e distribuição de verbas. Em contrapartida, esses partidos votariam de acordo com os interesses governamentais. As emendas parlamentares eram individuais e só se tornaram impositivas em 2015. Ou seja, o presidente deitava e rolava.
Em 2019, o Congresso aloca para si uma soma de recursos da ordem de R$ 30 bilhões que saem dos Ministérios e passam a ser distribuídas por emendas do relator. As emendas não são impositivas, o governo é quem dita o ritmo da liberação das verbas. Mas dá um poder monumental aos deputados e senadores. É o assim chamado orçamento secreto.
O custo da governabilidade, tudo indica, não será baixo. É muito provável que haverá a convivência do orçamento secreto com a distribuição de cargos para montar a base aliada. Trata-se de um arranjo novo, na qual a classe política ganhará dos dois lados. Com um presidente sem o “good will” que sempre teve da opinião pública, economia interna em dificuldades, quadro internacional adverso e uma situação fiscal que está longe de ser confortável, a tarefa de construir maioria no Congresso não parece ser das mais tranquilas. Pode não haver maremoto, mas a navegação será turbulenta.
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