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{ ARTIGO }

Henry Kissinger, pensador a ator das relações internacionais

Luiz Alberto Machado escreve que o secretário de Estado de dois presidentes americanos nos deixa legado de ensinamentos de relações internacionais, segurança e diplomacia

 

Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

 

Fazendo uma rápida retrospectiva de minha trajetória profissional, constatei que estive quase integralmente vinculado à vida acadêmica em universidades ou a instituições de produção de ideias, pensamentos ou políticas públicas, os chamados think tanks.

No que se refere à vida universitária, embora tenha ministrado aulas no Mackenzie (onde me formei) e nas Faculdades São Judas Tadeu, minha relação maior e mais longa foi com a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), onde permaneci por mais de 35 anos. Das inúmeras lembranças que guardo da FAAP, algumas merecem destaque especial: o envolvimento com a criatividade e a economia criativa, e, na Faculdade de Economia, a criação do curso de Relações Internacionais, as missões estudantis e o Fórum FAAP, simulações de reuniões das agências multilaterais organizadas por alunos da Fundação para estudantes de ensino médio em São Paulo e em Ribeirão Preto.

Já no que tange aos think tanks, iniciei no Convívio – Sociedade Brasileira de Cultura, passando depois pelo Instituto Liberal, pelo Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, definido por seu fundador, Norman Gall, não apenas como um think tank, mas como um think and do tank, antes de chegar ao Espaço Democrático.

Essas rememorações foram provocadas pela notícia do falecimento de Henry Kissinger, aos 100 anos de idade, no dia 29 de novembro último.

E por que me recordei dessas passagens?

Primeiro porque ao me interessar cada vez mais pela área de relações internacionais em função do curso da FAAP, acabei tomando conhecimento da importância de Kissinger, inicialmente como ator e protagonista do mundo real (realpolitik), como secretário de Estado da nação mais poderosa do mundo. Nessa condição de ator e, por vezes, protagonista, Kissinger passou por diferentes momentos e, embora tenha recebido o Prêmio Nobel da Paz em 1973, juntamente com o vietnamita Le Duc Tho, está longe de ser considerado uma unanimidade, colecionando, ao longo do tempo, tanto admiradores como severos críticos.

Nascido na Alemanha e ocupando as funções de assessor de segurança nacional e secretário de Estado de dois presidentes norte-americanos, Richard Nixon e Gerald Ford (1969-1977), Kissinger esteve diretamente envolvido em alguns dos mais marcantes episódios da segunda metade do século 20, entre os quais a Guerra do Vietnã, a Guerra Fria, a reaproximação diplomática dos Estados Unidos e da China, a Guerra do Yom Kippur e o apoio às ditaduras latino-americanas, com destaque para as do Chile, da Argentina e do Brasil.

Não foi por outra razão que a concessão do Prêmio Nobel da Paz a ele foi amplamente contestada, a ponto de um editorial do jornal The New York Times ter classificado o caso como “Prêmio Nobel da Guerra”.

A relevância de Kissinger, no entanto, está longe de ter se esgotado com sua saída da secretaria de Estado, estendendo-se por muito tempo tanto no plano real, na condição de consultor que oferecia aconselhamento à elite empresarial mundial e atuando em conselhos de empresas em vários fóruns de política externa e segurança, quanto no plano intelectual, graças à influência de seus livros. Essa influência, aliás, começou antes mesmo de ele se tornar o diplomata mais importante de sua geração, uma vez que o livro baseado em sua tese de doutorado, O mundo restaurado, publicado em 1957, em que ele analisa como Metternich, primeiro-ministro da Áustria-Hungria durante o Congresso de Viena de 1815, procurou restabelecer a ordem política anterior à revolução Francesa e às guerras napoleônicas, teve enorme aceitação em Washington. Posteriormente, seus livros Diplomacia (Saraiva Universitária, 2012) e Liderança: seis estudos sobre estratégia (Objetiva, 2023) transformaram-se em leituras recomendadas a qualquer pessoa interessada em relações internacionais e diplomacia. O mesmo vale para a biografia sobre ele assinada por Walter Issacson (2005).

Kissinger, que era fascinado pelo Brasil, esteve no País por diversas vezes. Numa delas, ministrou palestra na FAAP para alunos, professores e convidados especiais. Admirador também de futebol, contribuiu para a ida de Pelé para o Cosmos de Nova York, numa das inúmeras tentativas de popularização da modalidade nos Estados Unidos.

Por todas essas razões. Henry Kissinger é um autêntico exemplo de alguém que se notabilizou tanto como pensador como ator. Ainda em plena atividade aos 100 anos, nos deixa legando muitos ensinamentos aos estudiosos de relações internacionais, segurança e diplomacia.

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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