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{ ARTIGO }

IFood e a catástrofe

Parece que o pensamento crítico não sustenta a perspectiva de transformação revolucionária e o progresso, como está indo, leva à catástrofe, escreve Rubens Figueiredo

Rubens Figueiredo, cientista político e colaborador do Espaço Democrático

Edição: Scriptum

 

Impossível deixar de reconhecer: a esquerda intelectual brasileira pode estar meio enferrujada, mas é boa demais em marketing. Anuncia sua própria morte para estar em evidência. Assisti, até onde aguentei, a entrevista do filósofo Vladimir Safatle no site (ou blog) “A terra é redonda”. Vale o registro: o entrevistador é incansável na arte de concordar com o entrevistado.

Reencontrei na explanação conceitos que jaziam tranquilos na primeira juventude dos meus neurônios. “Novas dinâmicas da acumulação primitiva”, “processos de autogestão operária”, “formas inovadoras de aprofundar as contradições do capitalismo”. Neurônios deram uma acelerada e me lembraram do “valor de uso e valor de troca”, “exército industrial de reserva”, “lei da queda tendencial da taxa de lucro”, “comitê executivo dos interesses da burguesia”…

Os eixos da crise sistêmica estão nos espaços do trabalho, do desejo e da linguagem, que operam todos através de estruturas de sintaxe que reproduzem a ordem estabelecida. “As crises conexas, que devem ser analisadas dessa forma (por isso eu falei do 6 + 1), na base dessa crise existe uma crise sistêmica, dos regimes do saber”, explica Safatle.

Há uma diferença entre a violência de esquerda e a fascista. A violência comunista, União Soviética no caso, era operada contra “setores descontentes” da população. Interpretei como algo, digamos, aceitável. Já o fascismo traz em si o germe de sua própria destruição: é mais do que um Estado totalitário, é um Estado “suicitário”, continua.

O governo Bolsonaro operou a “suspensão do cálculo do interesse individual, mudou a ideia do risco da morte”. O discurso do empreendedorismo, que é uma realização de uma ideia de liberdade onde cada um procura resolver seus problemas por si só, é a expressão do individualismo egoísta. O empreendedorismo deve ser combatido, pois é anticoletivista, refratário ao Estado, sindicatos, associações.

As causas identitárias têm potencial de causas universalistas. A própria luta de classes é uma luta identitária. A reconfiguração do capitalismo, que opera em uma “necessidade de crise”, força a cooptação do ativismo. Isso explicaria a presença de tantos representantes do ativismo nas campanhas publicitárias. O capitalismo tenta mostrar que é possível uma “integração bem-sucedida” com os identitários.

Confesso que não consegui entender tudo, mesmo revendo os trechos mais profundos, nos trinta e poucos minutos que assisti ao programa. Mas é impressionante a desenvoltura e a segurança com as quais Safatle conduz raciocínios muitas vezes nebulosos. Entendi que o pensamento crítico não sustenta (mais) uma perspectiva de transformação revolucionária. E parece que o progresso, do jeito que está indo, leva à catástrofe. Não vou arriscar. Vejo no celular que a temperatura é de 30 graus. Enquanto a catástrofe não vem, vou ligar o ar-condicionado e assistir um filme que concorreu ao Oscar no “streaming”. Depois, peço um sorvete no IFood.


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