Paulo Cesar Bernardes dos Reis, publicitário e especialista em comunicação e marketing
Edição Scriptum
A evolução é uma busca natural do ser humano desde os tempos em que morávamos em cavernas. A cada página virada em direção ao futuro, a humanidade descobriu o fogo, o vapor e a luz elétrica até chegarmos na eletrônica. Aprendemos a curar uma quantidade enorme de doenças e a viabilizar o aumento de produtividade, que transformou sociedades e construiu o mundo que temos hoje.
Mas a cada etapa dessas, na sombra dos benefícios, vieram também muitos problemas.
De todos os tipos ou gravidades.
A luz elétrica, por exemplo.
Depois de sua invenção, começamos a perceber que a humanidade passou a ter pior qualidade de sono. A exposição exagerada à luz artificial, principalmente à noite, pode suprimir a liberação da melatonina, o hormônio que regula o sono, e assim gerar diversos problemas de saúde.
A invenção do automóvel, um dos maiores passos para o desenvolvimento da humanidade, trouxe de carona a poluição sonora e ambiental, o tráfego, responsável por significativo aumento dos níveis de estresse… Assim como também geraram prós e contras a invenção do avião, do trem etc…
Inteligência Artificial
Mesmo assim, o mundo não consegue nem pode ficar parado no tempo, e evolui.
Hoje, estamos diante de mais uma etapa dessa evolução: a Inteligência Artificial.
Na verdade, desde que a primeira máquina conseguiu “automaticamente” mudar seu comportamento em função de algum fator externo, ela de alguma forma existe. Seja o ar-condicionado que muda a temperatura em função da temperatura ambiente ou o limpador de para-brisas que é acionado automaticamente na chuva.
Mas, agora, a grande questão é que a evolução não para.
Aprendeu a aprender e tem se tornado mais criativa a cada dia.
Isso pode gerar soluções para problemas que temos há milênios, como também vai nos apresentar possibilidades de futuro com as quais nunca pensamos. Talvez agora encontremos finalmente a cura definitiva do câncer, exploraremos o espaço mais distante, teremos uma capacidade de produção e eficiência agrícola inimaginável há 15 anos.
Mas como toda evolução, sob a sua sombra estão surgindo diversos problemas, inevitáveis e com os quais vamos ter que aprender a lidar: qualificação de mão de obra para era de novas funções, manipulação da informação, direitos autorais, invasão de privacidade e falta de segurança com os dados… e segue uma lista razoável.
Mesmo para olhos e ouvidos mais treinados, a tecnologia chegou a um ponto onde fica extremamente difícil distinguir o fake da realidade.
Quem ganha, quem perde
Evidentemente que toda a humanidade poderá desfrutar dessas conquistas. Também lembrando que quem tem maior poder aquisitivo, terá mais tecnologia à sua disposição e quem tem menos, terá menos. Um dos grandes desafios, inclusive, é equilibrar melhor essa desigualdade.
Para quem se propõe a defender alguma causa – a democracia, por exemplo – a questão da manipulação da informação se torna um adversário poderoso.
Para um partido político, em um País com grandes eleições a cada dois anos, este assunto se torna centro das atenções e preocupações.
Em tempos eleitorais, uma parte da classe política se promove expondo os defeitos e fragilidades de seus adversários, e muitas vezes esses defeitos são “criados” e difundidos com a tecnologia disponível, criando um enorme boato. Uma fake news. Em sua maioria, depois de algum tempo, a “vítima” consegue desmentir ou responder. Bem, esses tempos mudaram e agora, além da velocidade em gerar informações, e a tecnologia transformou esses boatos em “fatos em potencial”. Difíceis de desmentir.
Uma “boa fake news” não é mais uma arma com uma mira precisa. Agora é uma bomba que pode destruir e matar tudo à sua volta. Ninguém está seguro diante disso.
Qualquer equipe de marketing sensata e responsável vai preferir “matar” a fake news do que usá-la.
A massa
A comunicação de massa, hoje, é consumida e produzida pela própria massa. Gerar conteúdo ou dar informações aos milhares não é mais privilégio de algum grupo de comunicação.
Qualquer habitante desse planeta pode fazer… e faz.
É como se o homem das cavernas pudesse se informar em um GPS sobre a localização do tigre de dentes de sabre para se proteger melhor, ou pudesse ensinar para todas as cavernas receitas de javali na brasa, porque todos agora conhecem o fogo.
Mas imagine, com a invenção da pólvora, na imaginária internet na época, se qualquer pessoa encontrasse facilmente como fabricar pólvora ou como construir uma arma mais poderosa que a espada e a lança. E isso, manipulado tanto pela população pobre, escrava e sofrida, como pelo impiedoso senhor feudal. Ambos completamente despreparados para lidar com um poder dessa magnitude.
Fosse o povo oprimido, ignorante, cansado e faminto, subjugado e raivoso por sua condição, fosse o nobre impiedoso, ganancioso, acostumado a tratar as pessoas de fora de seu castelo como inimigos ou animais… Como teria sido ?
Cada um deles com um rifle AK-47 nas mãos, sem saber direito o que fazer com ele.
Não é nem possível avaliar como teria sido a Idade Média ou uma Guerra Mundial.
A nova pólvora
A Inteligência Artificial é a pólvora do século 21. Capaz de impulsionar, mudar costumes e abrir infinitos horizontes, mas também capaz de destruir. Claro, dependendo do uso que se faça. E é fundamental entender que este uso é humano!!! Nós realmente já entendemos o que isso significa? Estamos mesmo preparados pra usar essa “pólvora”?
Usuários da modernidade
A começar pela avaliação da saúde mental, o quadro é preocupante.
Estima-se que 30% dos adultos em todo o mundo atendam aos critérios de diagnósticos para algum tipo de transtorno mental. E nós, brasileiros, estamos no momento com o título de “País Mais Ansioso Do Mundo”
Um trabalho publicado há algum tempo pela revista Saúde Pública mostra que em nosso País 30% dos adolescentes apresentam os transtornos emocionais mais comuns como ansiedade, depressão ou queixas somáticas inespecíficas.
Se vamos dar uma olhada no preparo acadêmico, no Brasil, por exemplo, o número de analfabetos, dependendo do órgão pesquisador, vai de 9,6 a 16 milhões. Neste caso prefiro o mais recente, do IBGE, 9,6 milhões. Mas, o mesmo IBGE também nos mostra que somos quase 30% de analfabetos funcionais, ou seja: pessoas incapazes de fazer interpretação de texto e realizar algumas operações matemáticas básicas, mesmo sabendo ler e escrever. E, pior: o IBGE também nos alerta que encontramos “analfabetos funcionais” nas universidades.
Um estudo recente da IBM e da Morning Consult revela que, no Brasil, 70% dos jovens acreditam que as novas tecnologias vão impactar suas vidas, mas apenas 41% deles se sentem preparados para isso. Veja bem: os jovens, que segundo os mais velhos já vem com um “chip” a mais que a geração anterior.
Isso sem falar sobre o despreparo na área de segurança de dados. Em fevereiro de 2021, a BBC apresentou uma extensa reportagem sobre os vazamentos de 223 milhões de CPFs, de pessoas vivas ou falecidas, e quase 103 milhões de registros de celulares no Brasil. E essa realidade não mudou muito de lá pra cá.
Bem, este é um resumo simplificado do ambiente digital e de seus usuários. Não é sensato acreditar que este contingente enorme de pessoas vai, do dia para a noite, se preparar para o mundo da inteligência artificial. Mas este resumo não tem a intenção de diminuir nossas possibilidades ou capacidades humanas nem de nos desestimular na implantação dessas modernidades tecnológicas, mas é para lembrar que ignorar “a vida como ela é” pode custar muito caro.
Atitudes imediatas
A prevenção ou defesa contra o mau uso da tecnologia, não pode cair simplesmente em uma guerra de versões ou confronto de opiniões. Ela vai precisar ser bem mais sólida e consistente e poderia ser resumida em três pilares.
Pilar 1
O primeiro pilar é no âmbito jurídico. O desenvolvimento de leis e de formas factíveis de sua aplicação.
Mesmo ainda controversa, essa legislação é o primeiro passo importante na direção de pelo menos algum tipo de controle sobre o mau uso.
Singapura implantou a Lei de Proteção contra Falsidades e Manipulação Online (POFMA), que permite ao governo emitir ordens de correção ou retirada de conteúdo considerado falso ou enganoso. A Alemanha aprovou a Lei de Execução de Redes (NetzDG), que exige que as plataformas de redes sociais removam conteúdos ilegais, incluindo discursos de ódio e notícias falsas dentro de prazos especificados. A França promulgou a lei “Luta Contra a Manipulação On-line”, também conhecida como “Lei das Notícias Falsas”, que permite a um juiz ordenar a remoção de notícias falsas durante o período de campanha eleitoral.
No Brasil, o TSE também tomou medidas para combater as fake news nas últimas eleições.
Países como Malásia, Índia e Japão já estão reestruturando suas leis e ferramentas para esse combate.
Mas volto a dizer que o impacto dessas leis ainda é muito controverso, uma vez que elas convivem com a fronteira da liberdade de expressão, um bem fundamental de qualquer democracia. Mas, de um modo geral, a maioria concorda que mesmo imperfeitas no início, elas são fundamentais para um “amadurecimento legal” em relação a manipulação digital.
Pilar 2
Outro pilar dessa luta é preparar os indivíduos para lidar com esse novo mundo digital.
A chamada “alfabetização midiática”.
Como vimos anteriormente, a população mundial ainda não está preparada para esses novos tempos, mas precisa estar. E rápido. Para isso, feliz ou infelizmente não existe outra palavra que defina o que fazer: ESTUDO.
Cientes de todo esse contexto, grandes empresas tem colocado à disposição incontáveis cursos e dicas de como estar mais preparado para a nova era.
São cursos que além de desenvolver as habilidades do uso dessas novas tecnologias, também ajudam a fazer com que uma pessoa comum aprenda a se defender melhor de fraudes, fake news etc.
Não é uma tarefa simples nem rápida. Mas quanto mais negligenciarmos abraçar essa causa, mais prejuízos em todas as esferas da sociedade vamos contabilizar. É inexorável.
Já existem inúmeros bons cursos, gratuitos e em português. Vale à pena procurar.
Dois bons exemplos desses cursos são o da IBM – www.ptech.org ou o da Microsoft – IA Skils.
Pilar 3
O terceiro pilar é a capacidade e as ferramentas para atestar alguma credibilidade.
Aqui, vale lembrar que quando gostamos ou simpatizamos com alguém ou com alguma coisa, normalmente ignoramos os defeitos, mas quando não gostamos, a tendência é ignorar as virtudes, e de alguma forma acabamos construindo nossas próprias verdades a esse respeito.
O ser humano normal infelizmente é assim.
E levando-se em consideração que no caso de defesa de “verdades” ou reputações, a boa vontade de quem vai verificar essas informações faz toda a diferença, não complique.
Espaços claros e acessíveis, onde as informações podem ser checadas e validadas.
Mas é importante que esses locais (sites, rádios, jornais, redes sociais, porta-vozes etc…) sejam respeitados por todas as tendências. Amigas ou não.
Não funciona como defesa contra fake news ter apenas essa credibilidade atrelada a grupos ou espaços “parceiros”. É como se você nomeasse sua própria mãe como a única pessoa isenta e confiável para defender a sua reputação. A credibilidade, evidentemente, é zero.
Diversificar, investir e proteger esses pontos de credibilidade e confiança é o grande milagre.
Para isso, a capacidade de relacionamento saudável e diálogo com todos os veículos de mídia, a boa convivência com representantes de outras tendências, assim como entidades ou organizações de reputação, torna-se mais do que importante: é básico.
Outro ponto importante é colocar à disposição, em um ambiente confiável – esse sim pode ser próprio – suas informações de forma clara, transparente, simples e verificável.
Conclusão
Durante uma época de crises de credibilidade, despreparo, radicalismos e extremismos, é fundamental cuidar da existência desses locais seguros, onde as informações consigam se proteger do mau uso das fake news.
Aprender como nos defender das fraudes, das falsas facilidades e principalmente da manipulação da informação, através de leis e conhecimento, vai exigir de cada cidadão, disciplina e paciência.
Nossa luta para garantir mais benefícios que prejuízos nos tempos da Inteligência Artificial é urgente e imperativa. O constante preparo e conhecimento das novas tecnologias, para podermos conviver bem com elas e garantir seu uso responsável é o que vai definir, de verdade, nosso futuro como sociedade.
A participação da atividade política será pautada pela atuação partidária, nas unidades da Federação, com o uso responsável da inteligência artificial e das novas tecnologias.
Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.