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{ ARTIGO }

Lições de viagem: São Roque

O economista Luiz Alberto Machado aborda a revitalização da cidade paulista, um exemplo de economia criativa

 

 Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático

 

Diversas cidades passaram por processos de revitalização parcial, com intervenções que as transformaram em exemplos de cidades criativas. Tais intervenções foram de iniciativa do poder público − talvez a maioria −, mas em alguns casos ocorreu o que se convencionou chamar de bottom-up, com iniciativas que tiveram origem na sociedade civil, embora, num segundo momento, o poder público tenha dado sua contribuição. Caso típico dessa segunda forma ocorreu em Parintins, no Amazonas, com a Festa do Boi, uma festividade popular que se transformou num sucesso extraordinário, a ponto de exigir a participação do poder público, dando origem a um dos maiores exemplos de manifestações folclóricas do Brasil, cujo sucesso, de certa forma, permite compará-la com o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, mundialmente reconhecido.

 

Examinando os casos de revitalização que permitiram que determinados locais tenham se transformado em espaços criativos, é possível encontrar exemplos de revitalização parcial, como foram os casos, entre outros, de Puerto Madero, em Buenos Aires, e Estação das Docas, em Belém do Pará, nos quais áreas degradadas das referidas cidades foram recuperadas e se tornaram pontos de atração, tanto de turistas como da própria população, que passaram a ter nesses espaços pontos de atração graças à existência de polos gastronômicos e/ou culturais, englobando bares, restaurantes, casas de show, escolas de dança, museus e galerias de arte. Independentemente da presença de atrações dessa natureza, tais localidades passaram a atrair visitantes dispostos simplesmente a passear, desfrutando das belezas lá encontradas.

 

Há casos, porém, em que a revitalização foi mais abrangente, transformando cidades inteiras, que se transformaram em verdadeiros ícones de cidades criativas, internacionalmente reconhecidas. Um exemplo típico deste caso é Barcelona, que se transformou numa das maiores atrações turísticas de todo o mundo, cujo processo de revitalização se inseriu num projeto mais amplo que teve por pano de fundo a realização dos Jogos Olímpicos, em 1992.

 

No Brasil, há diversos exemplos do mesmo tipo, entre os quais Gramado, no Rio Grande do Sul, que deixou de ser uma cidade que atraia visitantes nos meses de inverno, que se notabilizava por um festival de cinema, para se transformar num polo permanente de visitação, com amplo leque de atrações, respaldado por sólido sistema de hospedagem e gastronomia.

 

Esteartigo focaliza uma localidade próxima a São Paulo, cujo processo de revitalização, ainda em curso, é digno de registro. Distante cerca de 60 quilômetros da capital paulista, São Roque se destaca atualmente como excelente exemplo de cidade que se reinventou, ostentando uma série de atrativos que mudaram completamente sua imagem.

 

O ponto de partida da alteração da imagem de São Roque reside na vitinicultura e na gastronomia. A cultura vinícola de São Roque é bastante antiga, tendo origem na própria fundação da cidade, em 1657, ­­­­pelas mãos de um bandeirante. O Estado de São Paulo, nessa época, já produzia vinho há mais de 100 anos (a primeira produção foi em 1551 pelas mãos de Brás Cubas, na vila que viria a ser São Paulo). Durante séculos a produção em São Roque esteve restrita à subsistência e ao comércio local, ganhando força com a chegada dos imigrantes italianos no final do século XIX.

 

Mas nessa mesma época a praga da filoxera (um pulgão que mata a planta pela raiz) se alastrou por toda a Europa e chegou ao Brasil também, devastando completamente os vinhedos. As únicas videiras que não eram atacadas eram as videiras americanas, que produzem uvas para os “vinhos de mesa”, e foi através deles que a indústria local conseguiu se expandir. Esses vinhos, de perfil mais simples, quase rústico, foram presença constante em mesas de restaurantes e residências paulistas por várias décadas e são até hoje uma grande fonte de renda e turismo na região.

 

No entanto, o êxodo rural, as diversas crises econômicas do século passado, o baixo valor agregado desses produtos e a especulação imobiliária, puseram fim a dezenas de vinícolas da região e o turismo se concentrou nos caminhos do conhecido Roteiro do Vinho, ainda apoiado nas tradições antigas e nos vinhos simples. Mas a renovação chegaria no começo deste século, com pesquisa, investimentos e a ousadia em acreditar que o consumidor de vinhos do Brasil já estava pronto para beber vinhos diferenciados e de maior valor. Assim, algumas vinícolas, produtores rurais e investidores da iniciativa privada começaram uma lenta revolução, do campo até a mesa e a taça. Na última década surgem novos empreendimentos turísticos, a gastronomia regional se eleva e alguns rótulos produzidos com uvas da região recebem reconhecimento no Brasil e no exterior por sua qualidade, principalmente pelo novo sistema de produção, a Colheita de Inverno, que permite que as uvas finas amadureçam com perfeição nos meses de julho e agosto.

 

Como resultado dessa verdadeira revolução, e da ação integrada de produtores, proprietários de terras e da própria Prefeitura, esse trabalho mostra seus frutos e se expande para além da Estrada do Vinho, indo para a Estrada dos Venâncios e a Rodovia Quintino de Lima, reunindo adegas, vinícolas, restaurantes, hotéis, pousadas e centros de lazer e entretenimento, em meio à natureza abundante da Mata Atlântica preservada. A cidade de São Roque recebeu até um curso de Enologia, no Instituto Federal de Educação, confirmando a vocação da região para a produção de vinhos. Atualmente, as principais uvas finas cultivadas na cidade são a Cabernet Franc e a Tempranillo (tintas) e a Sauvignon Blanc e a Lorena (brancas). Mas dezenas de outras variedades europeias vêm sendo cultivadas nas suaves colinas de São Roque nos últimos anos.

 

Além dos vinhos, São Roque se destaca também pela produção de alcachofra, cuja safra atinge seu ponto alto no mês de setembro. Vários dos restaurantes, alguns dos quais de alta qualidade, incluem a alcachofra em seus cardápios, contribuindo para atrair significativo volume de apreciadores dessa iguaria.

 

Por todas essas razões, São Roque é um perfeito exemplo de cidade que evolui na trilha da economia criativa. Apostando na diversificação, as atrações da cidade deverão crescer ainda mais com o Festival de Inverno a ser realizado a partir de julho, que terá, como um de seus destaques, um festival de jazz, com importantes intérpretes do Brasil e do exterior.

[1] Economista, graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Mackenzie, mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal), é sócio-diretor da empresa SAM – Souza Aranha Machado Consultoria e Produções Artísticas e consultor da Fundação Espaço Democrático.


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