Rogério Schmitt, cientista político e colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
Um dos meus campos de estudo favoritos quando eu era estudante de mestrado e de doutorado em Ciência Política eram as disciplinas sobre teoria da democracia. Com aqueles meus professores – e com a bibliografia (nacional e internacional) a que tive acesso por meio deles – pude aprender que o conceito de democracia foi amadurecendo ao longo do tempo. Como, porém, este não é um artigo acadêmico, tentarei usar expressões de mais fácil entendimento.
Originalmente, a teoria política definia a democracia como sendo tão somente o “governo das maiorias”. Tratava-se de um modo de pensar herdado dos antigos gregos. Posteriormente, no entanto, o conceito evoluiu para algo como o “governo das maiorias, mas com respeito pelas minorias”. Historicamente, esse movimento teórico correspondeu à progressiva convergência entre a democracia e o liberalismo político.
Mas o aperfeiçoamento progressivo do conceito não teria parado por ali. A definição mais contemporânea de democracia já seria algo na linha do “governo das maiorias, com respeito às minorias, mas sem que essas impeçam aquelas de governar”. Tal especificação adicional se deveria aos desafios dos governos democráticos para produzir decisões e políticas públicas consistentes.
A evolução teórica do conceito de democracia sempre me vem à mente quando acompanho as sessões plenárias do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados. Sim, este é um hábito (quase um risco ocupacional) que desenvolvi ao longo dos anos. Sou espectador assíduo da TV Senado e da TV Câmara, especialmente quando os congressistas estão deliberando sobre alguma matéria legislativa que considero importante.
Quem se der ao trabalho de fazer o que faço perceberá rapidamente que alguns parlamentares são conhecidos por fazerem habitualmente discursos inflamados nas tribunas da Câmara ou do Senado. Quase sempre são parlamentares da oposição ao governo de plantão. Em mais de 90% das vezes, eles se perfilam aos blocos derrotados nas votações. Estão nitidamente em posição minoritária, e sabem disso. No fundo, estão exercendo o sagrado direito de espernear.
O contrário acontece com as maiorias. Especialmente quando projetos de lei ou emendas constitucionais são aprovados com quóruns muito qualificados (mais de 308 votos na Câmara, ou mais de 49 no Senado), a coisa mais difícil do mundo é ver algum parlamentar que pertença ao bloco majoritário perder o seu tempo fazendo discurso inflamado na tribuna, ou batendo boca com algum parlamentar da minoria. Eles simplesmente vão lá e votam. E as suas vitórias também são comemoradas com discrição.
É por isso que dei a este artigo o título Maiorias votam e minorias discursam. Trata-se de uma máxima muito conhecida nos corredores do Congresso, ainda que nem sempre seja pronunciada em público pelos parlamentares. Mas é exatamente assim que acontece, ainda que a composição das coalizões majoritárias e minoritárias possa oscilar dependendo da natureza de cada projeto.
As minorias esperneiam e as maiorias aprovam o que querem. Uma verdadeira aula prática de ciência política.
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