Pesquisar

tempo de leitura: 4 min salvar no browser

{ ARTIGO }

Melhorias no sistema prisional diminuem o crime?

Para o sociólogo Tulio Kahn, especialista em segurança pública, está em curso uma mudança, que leva maior humanização aos presídios e foca na ressocialização

 

Tulio Kahn, sociólogo e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

Não obstante a percepção generalizada de piora da segurança pública na última década, existem diversos indicadores criminais que apresentam melhoria – principalmente a partir de 2017 –, como homicídios, roubos de veículos, roubos de carga e a instituições financeiras, entre outros.

É difícil estimar qual é o papel direto da melhoria das condições carcerárias sobre a queda da criminalidade, mas em si mesmas estas melhorias são positivas, contribuindo, por exemplo, para a melhora no clima dentro das prisões, diminuindo a motivação para rebeliões, aumentando a probabilidade de ressocialização, diminuindo o poder das facções criminais, entre outros objetivos relevantes. A criação do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e do Fundo Nacional Penitenciário, no final dos anos 1990, foi marco importante neste processo de melhoria das condições de cumprimento da pena. Com o Depen, vimos a retomada dos “censos” penitenciários nacionais – que respondi pelo primeira vez em 1997, como assessor da Secretaria de Assuntos Penitenciários, e posteriormente contribuí para o aperfeiçoamento do questionário e aplicação da pesquisa.

Os indicadores do SISDEPEN (Secretaria Nacional de Políticas Penais) permitem analisar a evolução de alguns indicadores entre 2016 e 2024, no que tange a melhorias físicas e aos serviços prestados pelas cerca de 1.500 unidades prisionais do País. Ao observar os dados entre 2016 a 2024, percebe-se um fortalecimento consistente de serviços de saúde nas unidades prisionais. A presença de consultório médico saltou de 51,1% para 66,5%, enquanto o consultório odontológico subiu de 46,3% para 54,5%. A farmácia, que em 2016 existia em apenas 45,6% dos estabelecimentos, em 2024 já alcançava 58,1%, e o atendimento clínico multiprofissional mais que acompanhou essa curva, de 31,4% para 47,5%. Esses avanços refletem maior investimento em saúde do preso, sobretudo após 2019, quando as taxas de existência desses serviços cresceram de forma mais acentuada.

Na esfera educacional e de reforço social, o progresso também é nítido. As salas de aula aumentaram de 58,6% para 70,8% e a biblioteca, que iniciava em 43,8%, alcançou impressionantes 71,7%, elevando significativamente as oportunidades de leitura e estudos formais. As salas de professores também cresceram de 30,6% para 38,4% no período. A introdução e ampliação de laboratórios de informática — de meros 15,1% para 28,3% — e de oficinas de trabalho — de 36,7% para 44,7% — apontam para uma estratégia de ressocialização cada vez mais orientada a habilidades práticas e digitais, preparatória para o pós-prisão.

Quanto às condições regimentais, os números já partiam elevados, com 79,3% de unidades possuindo regimento interno em 2016 e estabilizando em torno de 90% a partir de 2020. Os espaços destinados a visitação íntima e coletiva passaram de 31,9% e 44% para 36,7% e 60,5%, respectivamente. Esse incremento em infraestrutura de convivência e disciplina evidencia um esforço para equilibrar segurança, disciplina e dignidade, ainda que o ritmo de expansão de áreas de visita íntima tenha sido mais lento do que o das demais melhorias.

Ao longo de oito anos, houve um avanço generalizado na oferta de infraestrutura e serviços nas unidades prisionais. Em 2016, cerca de 28,6% das unidades não dispunham de sala de atendimento para serviço social, percentual que caiu para 19,2% em 2024, revelando maior atenção ao suporte psicossocial. De modo semelhante, a ausência de salas para psicólogo diminuiu de 33,6% para 24,6%, e a falta de espaço para atendimento jurídico reduziu-se de 19,4% para 14%, o que evidencia progressos constantes na assistência ao preso.

O avanço mais expressivo deu-se, porém, na sala de videoconferência: o índice de unidades sem esse recurso, que beirava 91% em 2016, despencou para apenas 19,2% em 2024, demonstrando forte investimento em tecnologia e na comunicação remota entre detentos, tribunal e familiares. Paralelamente, a acessibilidade para pessoas com deficiência, antes ausente em cerca de 84,6% das unidades, melhorou para 71,7%, embora ainda indique a necessidade de aceleração das adaptações físicas. Já a assistência jurídica gratuita permanece raríssima, sem redução significativa desde os 80,6% de 2016, o que revela uma lacuna crônica no acesso à defesa técnica.

Por fim, observam-se ganhos importantes nas atividades laborais e educacionais. A proporção de unidades sem laborterapia recuou de 33% para 14,8%, e a ausência de atividades educacionais diminuiu de 41,8% para 17,3%, apontando para expansão de oficinas e cursos de ensino. Em suma, o sistema prisional avançou de forma notável na infraestrutura tecnológica e nos programas de reabilitação e ensino.

O sistema prisional vem caminhando numa direção de maior humanização e enfoque na ressocialização. O crescimento consistente da disponibilidade de consultórios médico e odontológico, farmácia e atendimento clínico multiprofissional indica um reconhecimento crescente de que a atenção à saúde mental e física do preso não é apenas uma questão de direitos humanos, mas também uma estratégia de redução de comportamentos violentos e surtos epidêmicos dentro das unidades. Consequentemente, investimentos em equipes de saúde e em medicamentos, embora onerosos, devem gerar economia em médio prazo, ao reduzir internações de emergência, surtos de doenças transmissíveis e litigiosidade interna.

No âmbito educacional e ocupacional, o avanço na oferta de salas de aula, laboratórios de informática, oficinas e bibliotecas reflete um compromisso maior com a formação profissional dos reeducandos. Isso tende a ampliar as oportunidades de trabalho formal após o cumprimento da pena, contribuindo para a diminuição da reincidência. A construção dessas estruturas requer planejamento orçamentário contínuo e parcerias com órgãos de ensino e empresas, mas os benefícios sociais — como a quebra do ciclo de pobreza e crime nas comunidades de origem — podem superar largamente o custo inicial.

A consolidação de regimentos internos e a expansão de espaços de convivência e visita íntima demonstram que a segurança e a disciplina podem conviver com a dignidade e o vínculo familiar. Unidades mais regimentadas e, ao mesmo tempo, mais acolhedoras têm menor potencial para tumultos e rebeliões, gerando ambiente mais estável tanto para agentes quanto para presos. As consequências práticas são a redução de gastos com contingentes extras de segurança e a melhoria do clima de trabalho dos servidores, o que, em última análise, torna o sistema penitenciário melhor para todos.

Embora investir em presídio não seja uma política popular, a melhora das condições de cumprimento da pena traz uma série de benefícios intrínsecos e pode ser uma das muitas explicações para a queda da criminalidade violenta de rua no país a partir de 2017.

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


ˇ

Atenção!

Esta versão de navegador foi descontinuada e por isso não oferece suporte a todas as funcionalidades deste site.

Nós recomendamos a utilização dos navegadores Google Chrome, Mozilla Firefox ou Microsoft Edge.

Agradecemos a sua compreensão!