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{ ARTIGO }

Não mexam no dinheiro do SUS

O especialista em saúde pública Januario Montone critica a ideia de acabar com a vinculação de recursos para a saúde. E cita o presidente Lula: “Recurso para a saúde é investimento”

Januario Montone, gestor de saúde pública e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

Os sinais já são muito claros: o governo quer mexer no dinheiro da Saúde. E, incrivelmente, não é no sentido de reduzir a histórica insuficiência de recursos financeiros do SUS desde sua criação, mas para aumentar o desfinanciamento.

Os arautos dos Ministérios da Fazenda e Planejamento partem de uma reclamação mais do que correta para uma solução absurda, para dizer o mínimo. Reclamam, com toda razão, que a maior parte do orçamento da União está comprometido com despesas obrigatórias e vinculadas – entre elas as Emendas Parlamentares – e que sobra pouca margem de manobra para os investimentos necessários.

A solução mágica? Acabar com a vinculação de recursos para educação (18%) e saúde (15%), é óbvio.

A vinculação de recursos para educação começou em 1934 e ainda não temos escolas de 1º e 2º graus em tempo integral, mas não vou entrar nessa seara.

A vinculação da saúde foi aprovada no ano 2000 (Emenda Constitucional 29), obrigando a União, os Estados e os municípios a aplicarem um percentual mínimo de suas receitas na saúde. Respectivamente, 15%, 12% e 15%. Foi implantada de forma progressiva, com Estados e municípios ampliando seus gastos enquanto a União reduzia sua participação É claro que devemos discutir quais os resultados disso, claro que devíamos estar discutindo uma mudança drástica no modelo de gestão do sistema público, mas o quadro de insuficiência de recursos é mais do que evidente e é aí que o governo se concentra, mas não para resolver e sim para agravar o quadro.

O Brasil gastou, em 2023, 9,7% do seu PIB na área da saúde, percentual equivalente à média da OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que reúne 38 países desenvolvidos. Porém, apesar de termos o SUS, os gastos públicos – somados a União, os Estados (+DF) e os municípios – atingiram 4% do PIB enquanto os gastos privados, das famílias e empresas, chegaram a 5,7% do PIB.

Na média da OCDE os gastos públicos foram de 7,4% do PIB e os gastos privados 2,3%. Teríamos que dobrar nossos gastos públicos em saúde para atingir esse patamar.

Mesmo na vizinha Colômbia, dos 9,1% do PIB gastos em saúde, 7,1% foram feitos pelo governo e 2% pelas famílias. Nem vou falar do Reino Unido, que gasta 12,4% do PIB em saúde e 10,3% são gastos públicos.

Se olharmos apenas para nosso umbigo, temos 25% da população com dupla cobertura em saúde: tem a cobertura do seguro público (SUS) e de planos de saúde privados. Pois bem, o Setor de Saúde Suplementar teve, em 2023, uma receita de R$ 298,05 bilhões de reais, ou seja, um per capita de R$ 488,13 reais por mês para atender seus 50 milhões de usuários.

No mesmo ano o SUS pode contar com um orçamento de R$ 468,87 bilhões, ou R$ 192,41/per capita/mês para atender todos os 203 milhões de brasileiros, aí incluídos os 50 milhões que têm planos de saúde.

Apenas 41,4% dos recursos do SUS vieram da União. Os municípios entraram com 32,8%.

O Ministério da Saúde vem de um período de completa desestruturação, agravado pelos efeitos da pandemia da Covid-19, e a falta de recursos estruturantes impediu o êxito até de programas excelentes como o Previne Brasil, que colocou a Atenção Primária à Saúde em primeiro plano e com foco nos resultados para a saúde e não nos processos burocráticos. Não atingiu seus resultados exatamente por falta de recursos. Tinha que ser um incremento de recursos com base em resultados e funcionou mais como um redutor de gastos, e mesmo assim deixa uma herança desse olhar para o resultado em saúde; que espero não seja abandonado na nova política anunciada para a APS.

As Emendas Parlamentares representam parcela importante do orçamento do Ministério da Saúde e hoje estão fora do alcance de suas políticas públicas, distribuídas a critérios dos seus padrinhos, num Parlamento que tem muito poder e nenhuma responsabilidade quanto aos resultados.

A agenda da Saúde, pública e privada, necessita de liderança estratégica do Governo e em especial do Ministério da Saúde para encarar suas disfuncionalidades. Tudo que não precisávamos era perder tempo tendo que resistir a mais um ataque às combalidas trincheiras dos recursos do SUS.

O Presidente da República gosta de dizer em diversos dos seus discursos que os recursos para educação e saúde não são gastos, são investimentos. Talvez ele devesse explicar isso aos seus ministros da área econômica.

 

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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