Rogério Schmitt, cientista político e colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
No jargão acadêmico da ciência política, o termo “pato manco” (ou “lame duck”, no original) é largamente utilizado para batizar governantes que chegam ao final de seus mandatos politicamente muito isolados e/ou enfraquecidos.
Um “pato manco” seria, assim, um líder político que, ao mesmo tempo: 1) já não conta mais com maioria no legislativo, 2) se tornou extremamente impopular e 3) sequer consegue influenciar a própria sucessão.
Essa seria uma combinação letal de fatores para quaisquer governantes, que dela deveriam fugir como o diabo foge da cruz. O caso do ex-presidente Joe Biden, nos Estados Unidos, talvez tenha sido um exemplo de manual do que seria um “pato manco”.
Na atual conjuntura brasileira, é legítimo perguntar se o presidente Lula também teria se tornado um “pato manco”, principalmente diante do fato de que os seus índices de popularidade atingiram neste início de ano o seu pior patamar de todos os tempos.
No entanto, não me parece haver sustentação empírica suficiente para tal avaliação. Os diagnósticos de que “o governo Lula já acabou” ou de que o presidente seria um “líder em decadência” têm muito mais de torcida do que de análise.
Comecemos pela popularidade. Na média de todas as pesquisas feitas desde o começo do ano, Lula tem hoje 43,4% de aprovação e 52,1% de desaprovação. É a primeira vez em seus três mandatos que o saldo de aprovação do petista é consistentemente negativo.
Mas estes não são números desesperadores. Estudos comparativos internacionais revelam, por exemplo, que “qualquer governante que tem 45% de aprovação popular seis meses antes do pleito ganha em 78% das vezes e, com 40% de aprovação vence em 58%” (ver o recente artigo do cientista político Christopher Garman).
Em outras palavras, mesmo com o forte declínio nas pesquisas observado nos últimos meses, o presidente Lula ainda se encontra num patamar de relativo conforto. Os reais problemas só começariam se a sua taxa binária de aprovação vier a se aproximar da casa dos 30%. Por outro lado, também não é impossível descartar a hipótese de que a aprovação de Lula volte a subir no futuro, superando a casa dos 50%.
Examinemos agora o quadro sucessório. O presidente Lula também está longe de ser considerado uma carta fora do baralho para as próximas eleições. De fato, ele segue liderando quase todas as pesquisas de intenção de voto para presidente em 2026, tanto no primeiro como no segundo turno. O ex-presidente Jair Bolsonaro está inelegível, e o seu campo político ainda está à procura de um nome que possa substitui-lo na disputa contra Lula.
Existem até pesquisas que mostram que Lula, caso não seja candidato, conseguiria transferir seus votos para nomes como o do ministro Fernando Haddad, por exemplo. Se o petista fosse mesmo um “pato manco”, o seu campo político sequer apareceria bem cotado nas pesquisas eleitorais.
Finalmente, em terceiro lugar, devemos olhar para o poder de agenda do governo Lula diante do Congresso. Os dois primeiros anos de mandato do petista mostraram que a base aliada do governo é amplamente majoritária na votação de itens das pautas econômica, ambiental e social. O isolamento do núcleo de esquerda que compõe o governo aparece quase que exclusivamente nas pautas comportamentais e identitárias.
Um bom termômetro para, neste ano e no próximo, monitorar o apoio legislativo ao governo Lula nos temas estrategicamente mais importantes será a tramitação dos projetos incluídos na atual pauta de prioridades do Ministério da Fazenda. Essa agenda inclui, entre outros, projetos como a regulamentação da reforma tributária sobre o consumo, a reforma tributária sobre a renda, a reforma da previdência dos militares e a limitação dos supersalários no funcionalismo público.
Não tenho nenhuma bola de cristal. Lula pode tanto acabar sendo derrotado em 2026, como também ser reeleito para um quarto mandato. Nesse artigo, procurei somente avaliar se – neste momento do tempo (março de 2025) – o presidente pode realmente ser considerado um “pato manco”. Como vimos, as evidências apresentadas acima não corroboram esta hipótese.
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