
Mais de 8 mil unidades de saúde em todo o País não possuem oxímetro, equipamento simples que mede o nível de oxigênio no sangue e os batimentos do coração
Januario Montone, gestor público, ex-diretor da Anvisa e ex-presidente da Fundação Nacional de Saúde
Edição Scriptum
Depois de 12 anos, o Ministério da Saúde realizou em 2024 um novo Censo Nacional das Unidades Básicas de Saúde, coletando informações de 44.938 UBS em todo o País: 39% delas na região Nordeste, 30% na Sudeste, 15% na Sul, 9% na Norte e 7% na Centro-Oeste. Os resultados preliminares começaram a ser divulgados este ano e o principal destaque do noticiário tem sido o fato de que 59,3% das Unidades Básicas de Saúde contam com apenas um médico. Será esse realmente o maior problema enfrentado por essas unidades que garantem a capilaridade do Sistema Único de Saúde (SUS)?
Tomado isoladamente esse percentual se destaca, mas distorce a realidade, porque 67% (30.041) das UBS tem apenas uma equipe da Estratégia de Saúde da Família (ESF), formadas por exatamente um médico, além de um enfermeiro, um técnico de enfermagem e de 4 a 12 agentes comunitários de saúde (ACS). São unidades de pequeno porte que atendem uma população estimada de 2 a 4 mil pessoas, ou seja, é esperado que a maioria das unidades sejam de pequeno porte e tenham um médico.
Há unidades tradicionais com apenas uma equipe de atenção primária, e, portanto, com apenas um médico. É preciso lembrar que 2.495 municípios brasileiros têm menos de 10 mil habitantes e 1.288 menos de 5 mil.
Avaliando os dados preliminares do Censo, outros achados me preocuparam mais, lembrando que a Atenção Primária à Saúde (APS) é a principal porta de entrada do SUS e que, bem estruturada e com boa capacidade de atuação em toda sua gama de ações de promoção, prevenção e assistência, ele pode resolver até 85% dos problemas de saúde ou prevenir e retardar seu agravamento, em especial quanto às doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), principais causa de mortes no Brasil e no mundo.
Doenças respiratórias, diabetes, neoplasias (cânceres) e doenças do aparelho circulatório, são responsáveis por mais da metade das mortes no Brasil. A APS caminha para ser a organizadora do sistema de saúde a partir da construção das Redes de Assistência à Saúde.
Nada menos que 90% das UBS não têm eletrocardiógrafos para rastrear e monitorar os hipertensos de sua área de abrangência e 66,8% não contam com aparelho de pressão digital profissional com braçadeira. Glicosímetros não estão disponíveis em 5,5% delas e apenas 45,3% fazem dispensação de glicosímetros e tiras reagentes para pessoas com diabetes, dificultando o controle e adesão aos tratamentos.
Apesar do impacto das doenças respiratórias – e depois da pandemia da Covid 19 – 18,8% das UBS, mais de 8 mil, não possuem oxímetro, tão fundamental quanto básico.
Também mais impactante é a realidade de 1.724 (3,8%) de UBS que não tem médicos enquanto apenas 15,9% delas contam com telessaúde que poderia suprir parte desse vazio assistencial, mesmo com 94,6% das unidades informando acesso à internet, a maioria com conexão adequada (65,2% do total). Sem acesso são 5,4% do total, 2.427 unidades.
Os dados preliminares divulgados até o momento já são de uma enorme riqueza como instrumentos de avaliação e de apoio ao planejamento do sistema, mas ainda é preciso maior detalhamento e, em especial, cruzamento dos dados para definir prioridades.
Qual o sentido, por exemplo, de mais de 8 mil unidades não disporem de oxímetros de pulso digital, que comprados em qualquer marketplace da internet custariam pouco mais de R$ 9 milhões. Para se ter uma ideia do quanto isso é inaceitável, este ano cada deputado federal conta com R$ 37 milhões em emendas impositivas e os Senadoras a R$ 68 milhões cada um. Qual a dificuldade em direcionar emendas para esse tipo de problema?
Os dados do censo também devem ser cruzados com os indicadores de efetividade das ações de saúde nos municípios que permitiram avaliar de fato o estrago que esses pequenos absurdos de falhas na infraestrutura das unidades estão causando, lembrando que o desfecho pode ser a perda de vidas. A qualificação das unidades apurada pelo censo versus o resultado do Índice Sintético Final (ISF) do Ministério da Saúde já faria uma grande diferença.
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