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{ ARTIGO }

Enxugando gelo

As dificuldades estruturais brasileiras são da maior gravidade, mas a sociedade perde seu tempo debatendo irrelevâncias

Rubens Figueiredo, cientista político e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

O comandante do voo anuncia que deu pane numa turbina, mas ainda é possível chegar ao aeroporto mais próximo com apenas uma em funcionamento. Dez minutos depois, volta ao microfone para anunciar que o outro motor também parara de funcionar e que a sobrevivência de todos vai depender de um improvável pouso bem-sucedido no oceano. Nisso, um passageiro se levanta e começa a reclamar que não havia água quente na pia do lavatório da aeronave…

Os problemas brasileiros estruturais são da maior gravidade, mas insistimos em discutir a água quente do lavatório do avião que está caindo. O Brasil é um dos dez países mais desiguais do mundo e um dos mais violentos. E o Estado é o maior promotor dessa desigualdade. Estamos enxugando gelo. A peculiaridade é que o gelo fica cada vez mais volumoso.

Estudo recente do professor José Pastore, da USP, mostra, por exemplo, que os encargos trabalhistas chegam a 103,7% da remuneração de um celetista. Aqui, trabalhadores ganham pouco, custam muito e a produtividade é horrorosa. As empresas brasileiras pagam 25,8% de impostos sobre os salários dos empregados e contribuições à seguridade social. Numa comparação com os “primos ricos” da OCDE, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, onde a média desses encargos fica em 13,8%, ficamos apenas atrás da França.  Tem cabimento?

Oneramos a iniciativa privada e temos uma carga tributária bastante elevada para, em grande parte, financiar a elite do setor público. O Brasil tem 12 servidores públicos para cada 100 habitantes. Não é muito. A média da OCDE é quase o dobro disso, 23,48%. O pulo do gato vem agora: aqui, gastamos 13,4% do PIB com o funcionalismo, enquanto nossos pares da OCDE gastam, em média, 9,3%. Temos menos servidores, mas gastamos mais.

Esse “gastar mais” significa que nosso padrão é superior ao de países que têm vistosos aparatos estatais e oferecem serviços de altíssima qualidade. O Brasil gasta mais com servidores públicos do que a Suécia (12,7%), França (12,1%), Itália (9,5%) e Alemanha (7,5%). É como se uma família que não tem recursos suficientes para uma alimentação adequada resolvesse passar três meses no Principado de Mônaco para curtir a vida.

Para a mesma função, segundo o Banco Mundial, o trabalhador do setor público federal ganha 67% a mais do que o da economia privada. Também temos o Judiciário mais caro do planeta. Gastamos 1,8% do PIB nessa rubrica, quase dez vezes mais do que gasta a França, seguindo o mesmo critério. E temos menos juízes por 100 mil habitantes (8,2) do que os Estados Unidos (10,8), Espanha (11,2), Portugal (19,2) e Alemanha (24,7). E tem gente preocupada com o custo do show da Madonna…

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

 


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