Alexandre Schneider, pesquisador da FGV/DGPE, pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia, em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo
Edição Scriptum
Numa quinta-feira comum em uma escola pública de São Paulo, Marina, professora do 8º ano, percebeu que algo estava errado. Júlia, uma de suas melhores alunas, não aparecia havia três dias. Quando finalmente retornou, a adolescente de 13 anos revelou que estava tendo crises de ansiedade tão severas que mal conseguia sair da cama. “Eu simplesmente não consigo respirar quando penso em vir para a escola”, confessou à professora durante o intervalo.
O caso de Júlia não é isolado. Nas últimas duas semanas, ouvi histórias semelhantes de diretores, professores, coordenadores pedagógicos e famílias. O que antes parecia excepcional hoje revela-se uma crise sistêmica: pela primeira vez na história, segundo dados da Rede de Atenção Psicossocial analisados por esta Folha, os registros de ansiedade entre crianças e jovens superaram os de adultos no Brasil.
Os números são impressionantes: 125,8 a cada 100 mil crianças entre 10 e 14 anos são diagnosticadas com transtornos de ansiedade. Entre adolescentes, esse número salta para 157 por 100 mil — ultrapassando significativamente a taxa de 112,5 observada em adultos. Por trás dessas estatísticas estão histórias reais de jovens lutando silenciosamente em nossas salas de aula.
“Às vezes me pego olhando para minha turma e me perguntando quantos deles estão sofrendo em silêncio”, me confidenciou uma diretora de escola. Sua preocupação tem fundamento: a Organização Mundial da Saúde estima que um em cada cinco adolescentes enfrenta desafios de saúde mental, mas, no Brasil, cerca de 80% deles não recebem qualquer tipo de assistência.
O mundo digital adiciona uma nova camada de complexidade a essa crise. Carla, coordenadora pedagógica há 15 anos, nota uma mudança dramática no comportamento dos alunos. “Antes nos preocupávamos com bullying no pátio. Agora, o cyberbullying segue nossos alunos até suas casas”, explica. A pesquisa TIC Kids Online Brasil confirma sua percepção: 93% das crianças e adolescentes têm acesso à internet em casa, e 30% já enfrentaram situações de cyberbullying.
As meninas parecem especialmente vulneráveis. Meninas têm o dobro de problemas emocionais que os meninos. Uma em cada seis delas faltou à escola por causa de comentários negativos nas redes sociais. Um estudo recente mostrou um aumento alarmante de 221% na taxa de suicídio entre meninas de 10 a 14 anos no período de 2000 a 2021.
Em meio à crise, é possível construir caminhos promissores, com pequenas mudanças: promover espaços de escuta, formar professores para identificar sinais de alerta, criar equipes de apoio multidisciplinares volantes para apoiar as escolas e estabelecer parcerias com serviços de saúde locais.
Em escolas com programas semelhantes, pesquisas do Early Intervention in Psychiatry mostram uma melhora significativa não apenas na saúde mental dos alunos, mas também em seu desempenho acadêmico, uma vez que quando os alunos se sentem emocionalmente seguros, aprendem melhor.
Transformar experiências isoladas em política pública requer esforço e coordenação, não só da área de Educação. Estudos do Psychiatric Services indicam que intervenções precoces podem prevenir o agravamento de condições mentais e reduzir custos futuros com tratamentos mais complexos. No entanto, apenas 24,7% das escolas brasileiras contam com algum tipo de programa estruturado de saúde mental.
Em minhas visitas a escolas em outros países, incluindo durante meu período como professor visitante em Columbia, observei que as instituições mais bem-sucedidas tratam a saúde mental de forma integrada ao processo educacional, não como uma atividade extracurricular. É urgente replicar essa abordagem no Brasil.
Na rede estadual de Pernambuco iniciaremos um programa em parceria com o Instituto de Estudos para Política de Saúde (IEPS), que envolverá diagnósticos, intervenções estruturadas e avaliação de políticas públicas na área.
Enquanto isso, de volta à sala de aula de Marina, Júlia começou a receber ajuda profissional e aos poucos retoma sua rotina escolar. “Cada aluno que conseguimos ajudar é uma vitória”, diz Marina. “Mas quantos outros ainda precisam de ajuda?” É uma pergunta que deveria nos manter todos acordados. O mesmo vale para o crescente avanço dos problemas relacionados à saúde mental de nossos professores.
Se há algo que minhas décadas na educação me ensinaram é que as escolas podem ser muito mais do que lugares de aprendizado acadêmico —elas podem ser espaços de acolhimento, cura, crescimento e transformação. Não podemos mais esperar que nossos jovens lutem sozinhos com seus demônios invisíveis.
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