José Paulo Cavalcanti Filho, jurista e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras
Edição Scriptum
Lisboa. Voar nos aviões da FAB é um privilégio aproveitado, à larga, por nossas “autoridades”. Quando nos países civilizados, por conta dos altos custos, podem fazer isso apenas chefes de poder. E sempre com moderação. Sandro Pertini, partizan na Segunda Guerra, foi eleito Presidente da Itália (com 82 anos) em 1978. E logo no domingo seguinte à posse, bem cedo, estava em um balcão de Alitalia, no aeroporto de Fiumicino (Itália), indo para Milão. Jornalistas o questionaram
‒ Mas o senhor é presidente e tem avião do governo à disposição.
‒ Quando viajar em missão oficial, usarei o tal avião. Mas, agora, é só uma pessoa comum que vai ver sua mulher doente (Carla Voltolina), no hospital.
E pagou, do próprio bolso, sua passagem. Saudades de homens públicos como Sandro Pertini. Aqui, a chance de ver o pessoal no poder copiando o italiano é só uma quimera. A midsummer night dream (Sonho de uma noite de verão), como no título da peça de Shakespeare.
Para lembrar, ano passado, foram 1.574 voos, usando 12 aeronaves, ainda mobilizando 1.300 militares e 90 veículos. Uma fortuna, para os contribuintes. E um luxo, para essa casta.
Quem pretender saber quais ministros usaram tais aviões, e quantos foram seus voos, não terá sucesso. Que o sistema é forte, na proteção dos seus. Razão pela qual o TCU já informou ter decretado sigilo sobre os voos dessas aeronaves. Sem que se perceba o fundamento, que o povo tem direito legítimo de saber como são gastos os impostos por ele pagos. Sem contar que não é esse o papel do tribunal. Basta ver no art. 71 da Constituição que o define como “órgão auxiliar do Congresso” no controle das contas públicas. Sem qualquer menção às tais aeronaves.
Fosse pouco, o Ministério da Justiça do atual governo também já proibiu qualquer informação que diga respeito aos ministros do Supremo, nos seus embarques. Novamente, sem razão decente para esse mistério. Mas era mesmo previsível. Estão juntos, eles todos, na preservação de seus privilégios. Um modelo imoral na gestão da res pública em que todos protegem todos.
Apesar de tantas proibições sabemos que o presidente do Supremo, só esse ano, já voou 45 vezes nas asas da FAB. Um espanto. Ignora-se é como a informação vazou, até chegar na Folha de S.Paulo. Inconfidência de algum funcionário talvez, acontece, nem tudo funciona sempre bem.
A empáfia, a petulância, a sensação de onipotência dos que exercem o poder absoluto se percebe no próprio rosto de cada um desses ministros. No olhar deles. Sentem-se como semideuses, acima do bem e do mal, exemplos de pureza e castidade, todos se considerando alucinadamente amados por seu povo. Serão mesmo?, eis a questão.
Por isso peço licença para propor aqui, modestamente, o “Teste do Avião”. Para qualquer ministro, começando pelos do Supremo. Escolham o voo que quiserem, na próxima viagem. Usando não aviões da FAB, como vem se dando, mas um comum de carreira. Da Gol ou da Azul, como preferirem. Entrem num desses voos, senhores ministros, por favor. É esse o “teste”. Só assim poderão ver como vão ser recebidos pelos outros passageiros.
Das duas, uma. Primeira hipótese é que deles terão os aplausos, os encômios e as honrarias que nos seus íntimos julgam merecer. Se for mesmo assim, parabéns.
Problema, dignos ministros, é que talvez tudo corra diferente. Sobretudo se os outros passageiros não forem muito educados. O risco, nesse caso, é de vocês nem poderem sentar nas poltronas das aeronaves. Porque teriam que voltar da porta, pelo furor de todos nessa recepção pouco educada. Então, se quiserem viajar sem usar a FAB, teriam que ir dentro de algum carro. Escondidos.
Por tudo então, senhores ministros, por favor aceitem esse “Teste”. Nem que seja para demonstrar que têm mesmo a coragem de que se consideram portadores e proclamam, sempre, aos quatro ventos.
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