Pesquisar

tempo de leitura: 3 min salvar no browser

{ ARTIGO }

Onde a democracia brasileira precisa de reforma?

Rogério Schmitt analisa a mais recente edição do ‘Democracy Index’; o Brasil está na 57ª posição 

Rogério Schmitt, cientista político e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

 

Recentemente veio a público o relatório anual Democracy Index, elaborado pela Economist Intelligence Unit (EIU). Trata-se de uma bem conhecida pesquisa que avalia os graus de democracia e de autoritarismo nos regimes políticos pelo mundo afora. Os dados se referem ao ano de 2024, e desta vez compararam um total de 167 países.

Na prática, o relatório da EIU classifica os regimes políticos numa escala que vai de 0 (menos democracia) até 10 (mais democracia). No ano passado, o ranking foi liderado pela Noruega (nota 9,81), com o Afeganistão (nota 0,25) na lanterna.

Há dois elementos analíticos fundamentais para o entendimento do ranking da EIU. O primeiro é que a nota final é a média aritmética simples das notas atribuídas a cinco conjuntos de variáveis: 1) processo eleitoral e pluralismo; 2) funcionamento do governo; 3) participação política; 4) cultura política; e 5) liberdades civis.

O segundo aspecto relevante é o fato de que a pesquisa agrupa todos os regimes políticos analisados em quatro grandes “famílias” (ou zonas de pontuação): 1) as democracias plenas (notas acima de 8); 2) as democracias falhas (notas entre 6 e 8); 3) os regimes híbridos (notas entre 4 e 6); e 4) os regimes autoritários (notas abaixo de 4).

A nota do Brasil foi de 6,49, correspondente à 57ª posição na tabela. Seguimos bem acima da média global, que foi de 5,17. Como já apontei em artigos anteriores, o desempenho brasileiro nesse ranking é sistematicamente melhor do que em outros rankings célebres, como os do IDH, de percepção da corrupção ou de ambiente econômico.

Mas as boas notícias param por aí. Como podemos ver no gráfico abaixo, a nota brasileira atingiu em 2024 o patamar mais baixo desde 2010 (quando o ranking passou a ser calculado anualmente). Pior do que isso – e de forma inédita – a qualidade da democracia no Brasil piorou pelo quarto ano consecutivo.

 

 

É fato que a chamada “recessão democrática” é um fenômeno universal, como destacado pela própria EIU (a média global do índice apresenta tendência de queda desde 2018). Também é fato que as oscilações da nota brasileira sempre se deram dentro da zona dos países classificados como democracias falhas.

Mas é impossível não reconhecer como preocupante a trajetória percorrida pelo Brasil nesses últimos anos (correspondentes à segunda metade do governo Bolsonaro e à primeira metade do governo Lula). Não foi à toa que o relatório dedicou ao País uma seção intitulada “A democracia brasileira em risco“, atribuindo à polarização política a responsabilidade pela erosão da democracia representativa no País.

Curiosamente, dentre todos os indicadores que compõem o nosso índice de democracia, há somente um que não é afetado pela polarização política. Na variável “Processo eleitoral e pluralismo” a nota brasileira (9,58) não só tem sido constante ao longo dos anos, como é também comparável à dos países de democracia consolidada.

Claramente, as nossas instituições eleitorais e representativas vão muito bem, obrigado, e não precisam de reforma.

Me parece, portanto, que as imprescindíveis iniciativas para combater a polarização política no Brasil – e para aperfeiçoar a nossa democracia como um todo – deveriam principalmente se concentrar (para usar a terminologia da EIU) nas dimensões “funcionamento do governo” e “cultura política”, nas quais tiramos as nossas piores notas (5 em ambos os casos). Secundariamente, as propostas de reforma deveriam também envolver as variáveis relacionadas à participação política (nota 6,11) e às liberdades civis (6,76).

Bons diagnósticos daquilo que de fato não está funcionando bem são o primeiro passo para a adoção de boas terapias de restauração. O resto é cortina de fumaça.

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


ˇ

Atenção!

Esta versão de navegador foi descontinuada e por isso não oferece suporte a todas as funcionalidades deste site.

Nós recomendamos a utilização dos navegadores Google Chrome, Mozilla Firefox ou Microsoft Edge.

Agradecemos a sua compreensão!