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{ ARTIGO }

Os vanguardistas de anteontem

Rubens Figueiredo volta 30 anos no passado para analisar uma entrevista histórica do programa Roda Viva com Paulo Maluf

Rubens Figueiredo, cientista político e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

Nada nasce do nada. O interesse comanda a ação e cada um tem o algoritmo que merece. Há muita porcaria, muito lixo, nessa monumental e desumana oferta de “conteúdos” que o mundo digital nos proporciona. Tem também coisa boa. Trechos de shows, entrevistas que jamais veríamos, pessoas muito interessantes contando passagens das suas vidas, que nos cativam pela criatividade, emoção ou graça.

A disputa pela atenção é feroz e há espaço para todos os gostos. Os justiceiros entram em êxtase com assassinatos, cenas violentas e agressões. Os que têm doçura de espírito admiram crianças, velhinhos e cachorros fazendo as suas estripulias. Os saudosistas assistem gols que jamais veriam e torcem para que os deuses de antes, hoje comentaristas, encaixem uma frase que esteja longinquamente à altura da magia que produziam em campo.

Outro dia recebi um pequeno vídeo no Instagram. O algoritmo sabe pescar a gente. Eram imagens do programa Roda Viva, da TV Cultura, realizado em 1995. O entrevistado era o prefeito Paulo Maluf, considerado autoritário, que aparecia como representante das forças do mal. Para chamá-lo a colação e mostrar aos telespectadores com quem o prefeito estava se metendo, lá estava a nata do jornalismo “gourmet” da época, representantes de alguns dos mais importantes órgãos de comunicação.

Um dos assuntos do debate era a proibição de fumar em restaurantes. Os jornalistas, com a faca entre os dentes e acreditando representar a infantaria da vanguarda da sociedade, tentaram encurralar o prefeito. “Essa lei não é radical demais?” “Isso poderia ser resolvido com garçons tabagistas servindo consumidores tabagistas” (sic). “Parece que o senhor tem prazer em proibir as coisas. O cinto de segurança, por exemplo: por que eu tenho que andar amarrado naquilo?”. “Eu prefiro, por exemplo, num avião, sentar ao lado de fumantes, pois são pessoas mais agradáveis”.

A certa altura, Maluf argumenta: “Mas Matinas (Suzuki): o seu jornal (Folha de S.Paulo, através do Datafolha) mostrou que 75% dos paulistanos são contra que se fume em restaurantes”. O que provocou uma resposta agressiva e desconexa: “A pesquisa mede a intenção (sic), mas não mede realmente, concretamente, o que está acontecendo, como toda pesquisa de opinião (sic de novo)”. Nirlando Beirão intervém, com ares de superioridade: “Com tanta coisa importante, por que nós estamos discutindo isso?” Maluf responde: “Nós estamos discutindo isso porque vocês estão perguntando”.

Pois é. De 1995 a 2025 são 30 anos. Esse Roda Vida nos ensina muita coisa. Primeiro, o revolucionário, quem enxergava o futuro, o visionário que sabia como melhorar a sociedade, era o representante do conservadorismo, da direita, aquele que desumanizava as relações entre as pessoas, Paulo Maluf. Já os raivosos moderninhos opacos e pretensiosos da época, que se acreditavam guardiões da sociedade esclarecida, eram contra medidas civilizatórias, tais como a proibição de fumo em restaurantes e obrigatoriedade do uso do cinto de segurança.

Alguém já disse que o maior inimigo da verdade não é a mentira, é a convicção. A certeza imobiliza, espanta o raciocínio, tortura o diálogo. Roberto Campos argumentava que “a História é uma juíza imparcial, mas tem a mania de chegar tarde”. Não se concebe, hoje, uma pessoa soltando baforadas de fumaça de cigarro na mesa ao lado da sua em um restaurante, enquanto você saboreia um belo prato. E motoristas e crianças não saem mais voando através do para brisa quando se acidentam, mas estão usando cinto de segurança. Bom seria se fosse sempre assim: a razão e o bom senso derrotando a ideologia demagógica.

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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