Rogério Schmitt, cientista político e colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
Entre políticos e economistas, a convivência raramente é tranquila. Ainda que ambos estejam, em tese, a serviço do interesse público, partem de lógicas e linguagens muito distintas. Quando o diálogo se torna difícil — como tantas vezes ocorre no Brasil — é comum que um lado busque desqualificar o outro. Muitos economistas acusam os políticos de “populistas”, “demagógicos” ou “eleitoreiros”, enquanto os políticos replicam chamando os economistas de “tecnocráticos”, “elitistas” ou “cabeças de planilha”. Esses rótulos, no fundo, expressam uma tensão permanente entre a racionalidade técnica e a racionalidade política, ambas indispensáveis, mas raramente conciliadas.
O economista, por formação, tende a privilegiar a coerência lógica, a eficiência dos meios e o equilíbrio de longo prazo. Sua preocupação é com a sustentabilidade fiscal, a consistência dos incentivos e o impacto agregado das políticas públicas. Já o político, por vocação, precisa lidar com as demandas concretas e imediatas da sociedade: o desemprego, a inflação, o preço dos alimentos, o humor dos eleitores. Quando o economista condena uma decisão política por “populismo”, normalmente está julgando-a a partir de critérios técnicos. Quando o político acusa o economista de “elitismo”, está reagindo ao que percebe como insensibilidade social. Ambos têm razão em parte — e ambos erram quando ignoram o ponto de vista do outro.
A tensão entre técnica e política não é nova. O célebre sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) já havia refletido sobre ela há mais de um século, ao distinguir entre a “ética da convicção” e a “ética da responsabilidade”. A primeira orienta-se por princípios fixos — o que é certo deve ser feito, independentemente das consequências. A segunda, mais próxima da lógica política, reconhece que toda ação tem efeitos colaterais e que o governante precisa ponderar resultados, riscos e custos. Em outras palavras, o político vive no mundo das consequências, não apenas no das intenções. O economista, por sua vez, costuma operar no plano das convicções — dos modelos ideais, das curvas de equilíbrio, das teorias de bem-estar.
A boa política, contudo, exige a ética da responsabilidade. Não porque despreze princípios, mas porque reconhece que eles só ganham sentido quando aplicados a contextos reais. Governar é fazer escolhas imperfeitas sob condições de incerteza. É possível que uma medida tecnicamente “correta” seja politicamente inviável, e que uma decisão “eleitoreira” produza efeitos sociais positivos. A sabedoria democrática está em encontrar o ponto de equilíbrio entre essas dimensões — não na supremacia de uma sobre a outra.
Para isso, o diálogo entre políticos e economistas precisa deixar de ser uma disputa de adjetivos e voltar a ser uma troca de perspectivas. A técnica sem política é cega; a política sem técnica é temerária. O desafio contemporâneo está em construir pontes entre essas racionalidades, de modo que as escolhas públicas possam ser ao mesmo tempo responsáveis e compreensíveis para a sociedade. A ética da responsabilidade, nesse sentido, não é uma abdicação moral, mas uma exigência de maturidade democrática.
Se quisermos aperfeiçoar o processo decisório no Brasil, precisamos resgatar essa lição de Weber. Nem os economistas são inimigos do povo, nem os políticos são inimigos da razão. São apenas agentes de esferas diferentes de racionalidade, chamados a cooperar na tarefa comum de governar uma sociedade complexa. O verdadeiro desafio não está em eliminar as tensões entre eles, mas em transformá-las em diálogo produtivo — aquele que reconhece que convicção e responsabilidade, técnica e política, são complementares, e não excludentes, na construção de uma democracia sólida.
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