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{ ARTIGO }

Portugal e os deuses

Um bolinho de bacalhau crocante com uma taça de Pêra Manca branco gelado só pode ser obra de uma nação conectada com os deuses, escreve Rubens Figueiredo

Rubens Figueiredo, cientista político e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum                                     

 

Ainda bem que fomos descobertos e colonizados por Portugal. Se outra potência da época viesse ciscar com sucesso por nossas bandas, tudo seria muito diferente. Se melhores ou piores, impossível saber. Mas, certamente, o Brasil seria um país mais chato sob influência de outros colonizadores. Os holandeses andaram por aqui e Maurício de Nassau até que fez um belo trabalho no Nordeste, com uma administração moderna e realizadora. Esquisito pensar nos De Jong, Jansen, De Vries, Van den Berg e De Boer nos lugares dos Silva, Souza e Santos. Teríamos Ronaldinho Gaúcho e Zeca Pagodinho num país disciplinado e avesso à improvisação?

Portugal dá o que pensar. A cidade de Fátima tem uma energia que atinge nossos leucócitos, hemácias e plaquetas. E interfere, feito barbitúrico do bem, nas sinapses esgotadas pelo excesso de coachs e dancinhas. Aquela atmosfera adentra a alma – nos faz sentir verdadeiros insetos perante o mistério da fé, mas oferece uma perspectiva generosa de nossa insignificância.

Lisboa. Ao contrário do Amazonas, o oceano aceita as águas do Tejo. Aquele rio se abre para o desconhecido, insinuando a nossa pequenez e falta de ousadia. Os descobridores misturavam na mesma nau os mais habilidosos e nobres navegantes – uma espécie de presidentes de clube de golfe da época – embarcados com delinquentes de altíssimo padrão de criminalidade. Poucas vezes na história da humanidade uma jornada épica teve a elite e a ralé tão próximas.

Quando os portugueses chegaram aqui, depois de meses sacolejando sem saber direito onde iriam dar, imaginaram uma ilha boba perdida no oceano. Encontraram índios, para quem aquelas caravelas seriam algo tão estranho como uma postagem de TikTok inteligente nos dias de hoje. Cada um fez aquilo que o nível de vivência oferecia em termos de aparato civilizatório. Um era conquistador, queria riqueza – no começo, foi o pau brasil – e sexo. O outro demonstrava alegria, sem ter a mínima ideia do que estava acontecendo.

E o que dizer de D. João VI, o único homem que enganou Napoleão Bonaparte e conseguiu exportar, em caravelas, nada menos do que o governo português inteiro para o Brasil? E D. Pedro I, nosso intrépido Imperador, tão corajoso com a espada quanto imprudente nas alcovas? Disse que ficava (e ficou), declarou nossa independência e partiu para reparar o que julgava ser uma injustiça na sua terra natal, lutando contra seu irmão usurpador.

Tenho dúvidas se, em algum país do mundo, a população local veja com bons olhos a ação de seus colonizadores. A história das colonizações é marcada por violência, exploração econômica e escravidão.  Mas, além de contar piadas sobre nossos irmãos do além-mar, precisamos dar um crédito aos portugueses. Afinal, foi um deles que proclamou a “nossa” independência. Vamos ser condescendentes com o fado, gênero musical preferido da indústria farmacêutica, pois grande acelerador de vendas de remédios antidepressivos. Mas um bolinho de bacalhau crocante com uma taça de Pêra Manca branco gelado só pode ser obra de uma nação conectada com os deuses…

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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