Roberto Macedo, economista e colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
Mas por que constituem um problema e qual a natureza desse agravamento? O principal problema é de natureza política. Já fui candidato a deputado federal e aprendi que o voto de opinião sobre um candidato é prejudicado pela existência de muitos deles. Quando isso ocorre é difícil escolher, e em economia houve quem ponderou e chamou essa situação de “quando mais é menos”. A pessoa faz a escolha e fica insegura quanto à conveniência dela. O ideal seria o voto distrital, em que em cada distrito haveria, se tanto, meia dúzia de candidatos viáveis nas eleições para o Legislativo, e não centenas deles, como ocorre hoje. O debate entre eles contribuiria para esclarecer suas qualidades.
Aprendi também que os prefeitos e vereadores municipais têm grande influência nos resultados das eleições estaduais e federais, dada a sua relação com os eleitores locais, em torno dos quais passam a atuar como cabos eleitorais. Certa vez, conversando sobre minha candidatura com o ex-governador de São Paulo Mário Covas, ele disse que “iria me arranjar uns prefeitos”, mas faleceu logo depois.
Aí é que entram as emendas, pois os parlamentares procuram destiná-las às suas bases eleitorais, cativando prefeitos e vereadores em busca de apoio para a reeleição. Garantidas as emendas, os candidatos incumbentes – os que já exercem o mandato – passam a alardear o seu papel, à cata de votos futuros. Ainda recentemente vi num jornal foto de um deputado federal ostentando um grande cartaz formatado como um cheque, em que constava o valor da emenda, a prefeitura a que se destinava e o parlamentar como emitente.
Entendo que as emendas parlamentares são inconstitucionais, pois o artigo 5º da Constituição tem estes termos: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Note-se que o texto acima fala de igualdade, mas o candidato incumbente tem o privilégio das emendas relativamente a outros, com o que também faz propaganda fora do período eleitoral e no processo recebe indiretamente um financiamento de campanha por parte do governo. Onde está a igualdade constitucional relativamente aos candidatos não incumbentes?
Passando ao agravamento do problema, ele vem do seu crescente tamanho em quantidade, valores e influência do Congresso nessa ampliação. O jornal Valor de 29 de dezembro publicou artigo dos economistas Alexandre Manoel e Lucas Barbosa mostrando um gráfico das emendas parlamentares totais e obrigatórias como proporção das despesas discricionárias, de 2015 a 2023, preparado pelo economista Marcos Mendes. A proporção dessas despesas totais com as emendas, relativamente às despesas discricionárias, aumentou de 1,9% em 2015 para 20,6% em 2023 (!), aumento esse que foi bem mais forte desde 2020. Também segundo o texto, o gráfico mostra transferência de parte do poder do Executivo para o Legislativo e a influência crescente deste no Orçamento.
Ou seja, é evidente o agravamento do problema das emendas. E há também a desigualdade entre os próprios incumbentes, pois alguns têm maior poder sobre a alocação das emendas. Com isso, há os que são chamados de “campeões de emendas”.
Quanto à destinação delas nos seus objetivos, é pulverizada. Podem ir para educação, saúde e saneamento, por exemplo, mas fala-se que muitos projetos são mal formulados e executados, e vi até referência à contratação de artistas para shows, mas não conheço um levantamento abrangente e detalhado do impacto das emendas em termos de políticas públicas. Vez por outra há também denúncias de aplicações irregulares. A última denúncia que vi foi publicada em reportagem de página inteira de O Estado de S.Paulo no dia 23 de dezembro, com o título Senador envia R$ 38,2 mi para obra de construtora de sua família.
Passando a valores das emendas em reais, ou, pior, em bilhões deles, o avanço delas fez com que sua previsão para o Orçamento de 2024 seja de um total de R$ 53 bilhões, uma dinheirama. A última mordida para ampliar o valor foi o Congresso cortar R$ 7 bilhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Com isso, o valor desse programa foi reduzido para R$ 54 bilhões, e assim está bem próximo da cifra do pacote das emendas, citada acima. Vale notar, também, que ao falar dessas emendas estamos tratando de recursos federais que deveriam ser aplicados em obras de maior porte e serviços de envergadura ligados às políticas públicas federais. Municípios deveriam usar seus próprios recursos para levar adiante suas políticas municipais, e os que vêm das emendas federais podem deixá-los mal-acostumados a contar com eles.
Quem pode arrumar esse mau estado das emendas seria o Supremo Tribunal Federal (STF). Não sou jurista, mas pelos argumentos que apresentei acima continuo e continuarei entendendo que são inconstitucionais.
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