Guilherme Afif Domingos, presidente do Conselho Consultivo do Espaço Democrático e Secretário Especial de Projetos Estratégicos do Governo de São Paulo
Edição Scriptum
Ao contrário do que muitos acreditam, o Simples não é uma renúncia ou benefício fiscal, mas um modelo simplificado de recolhimento de tributos. A Receita Federal, de forma equivocada, inclui sua receita nas contas de renúncia fiscal, ignorando que se trata de um tratamento diferenciado consagrado na Constituição.
Outro equívoco comum é pensar que extinguir ou inviabilizar o Simples aumentaria a arrecadação de tributos. Esquece-se que sua criação permitiu a formalização de milhões de empresas e o surgimento de muitas outras, além de estimular o empreendedorismo, especialmente entre mulheres, jovens e na área tecnológica, ao reduzir o custo da inovação.
Essa visão distorcida tem gerado propostas para reduzir a abrangência do Simples com o intuito de arrecadar mais, dificultando, ainda, a correção de problemas enfrentados pelas empresas — especialmente a não correção, há muito tempo, de seus limites, e a criação de um mecanismo gradativo de saída do sistema.
No momento, discute-se no Senado a proposta de reforma tributária, já aprovada na Câmara, que prejudica as empresas que utilizam o Simples, pois reduz sua competitividade. Isto porque, ficando no Simples, ela não aproveita o crédito do IVA pago nas fases anteriores, tendo que absorver esses custos, que aumentarão com a alíquota do Imposto sobre Valor Agregado. Transferirão créditos apenas sobre o percentual efetivamente recolhido, o que reduz duplamente sua capacidade de competir. Perde, também, em relação aos produtos que têm isenção ou redução de alíquotas, como cesta básica e outros, o que afeta fortemente suas condições para competir no mercado desses produtos.
O split payment (pagamento parcelado) também pressionará o capital de giro das empresas do Simples, que atualmente recolhem tributos no mês seguinte à venda, sem contar a burocracia dele resultante. Outra desvantagem é que as empresas do Simples gerarão menor cashback para o consumidor, impactando negativamente o varejo de menor porte.
A solução proposta é simples: basta essas empresas saírem do Simples e adotarem o regime comum. Contudo, o mecanismo criado para o IVA é burocrático e oneroso, acessível apenas às grandes empresas. Os custos em termos de pessoal, tecnologia e financeiros para aderir ao novo sistema são extremamente elevados para as empresas menores. A alegação de que o fisco cuidará da parte burocrática parece frágil, pois, mesmo com uma plataforma pública para notas fiscais, as empresas precisam de controles internos robustos.
A reforma tributária não considera que o sistema simplificado é um dispositivo constitucional, que deveria ser aprimorado e não inviabilizado. A questão central é saber se a sociedade quer manter o Simples ou aceita sua extinção em nome de um sistema que afetará menos de 5% das empresas, mas que provocará maior concentração econômica.
As consequências da inviabilização do Simples seriam graves: muitas empresas voltariam à informalidade, outras reduziriam suas atividades ou fechariam, impactando diretamente o emprego formal e a arrecadação. A perda seria ainda maior pelo desestímulo ao empreendedorismo, com reflexos negativos na inovação, na complementaridade econômica e na função social desse segmento da classe média.
Será essa a reforma que os empresários e a sociedade tanto esperam? Será para isso que o governo pretende criar quatro fundos com valores extremamente elevados, que, certamente, serão financiados por todos os contribuintes brasileiros?
Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 3 de setembro de 2024.
Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.