Rogério Schmitt, cientista político e colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
Neste janeiro já fui entrevistado por dois jornalistas diferentes a respeito das eleições para a Prefeitura de São Paulo, que ocorrerão no próximo mês de outubro. A fim de me preparar devidamente para aquelas duas “sabatinas” e evitar dar palpites desprovidos de qualquer evidência objetiva, coletei uma série de dados históricos que considero ser relevantes para este tipo de análise.
Deu um trabalhão, mas valeu a pena! Ao longo do caminho, fui constatando a existência de vários “cacoetes” analíticos que costumam aparecer em boa parte dos textos jornalísticos – e dos comentários dos especialistas – sobre o voto dos paulistanos nas eleições para prefeito da capital. Assim, resolvi comentar neste meu artigo dois destes cacoetes. Como veremos, eles são mitos sem amparo nas evidências, e que podem ser facilmente refutados.
O primeiro mito é o de que o pleito municipal de São Paulo – talvez por conta do tamanho e da importância da cidade – seria uma eleição determinada pela política nacional. O apoio do presidente da República seria, portanto, decisivo na definição do candidato vencedor. Nada mais falso. Nas seis eleições municipais realizadas entre 2000 e 2020 em São Paulo, somente em uma o prefeito eleito era apoiado pelo governo federal desde o início da campanha (Fernando Haddad, em 2012, sob o patrocínio de Dilma Rousseff). Nas outras cinco eleições, o vitorioso não era o candidato do Palácio do Planalto.
Mesmo assim, agora em 2024, surgiu novamente a narrativa de que os apoios de Lula ou de Bolsonaro serão decisivos na corrida sucessória que está em curso. É claro que tal hipótese não pode ser descartada a priori. Mas as evidências indicam que, historicamente, o apoio do governador do Estado é bem mais decisivo do que o apoio do presidente. Em quatro das últimas seis eleições para a prefeitura de São Paulo, o candidato eleito era explicitamente apoiado pelo Palácio dos Bandeirantes.
O segundo mito facilmente refutável é o de que os candidatos a prefeito lançados por partidos de esquerda (como o PT ou o PSOL) seriam hegemônicos nos bairros periféricos da cidade, ao passo que os candidatos de centro ou de direita seriam dominantes nos bairros do chamado centro expandido. De fato, este até foi um padrão geográfico observado em algumas eleições do passado, mas já não tem sido mais assim há um bom tempo.
A dicotomia entre a “periferia progressista” e o “centro conservador” foi rompida desde a eleição municipal de 2016. Naquele ano, o tucano João Doria não só se elegeu no primeiro turno, como também venceu a disputa em 56 das 58 zonas eleitorais da cidade. E a ex-prefeita Marta Suplicy (então no PMDB), quarta colocada no cômputo geral, foi a mais votada nas duas zonas remanescentes (Parelheiros e Grajaú), ambas localizadas no extremo sul da cidade.
Por sua vez, no pleito de 2020, o mapa do voto em São Paulo no primeiro turno já foi totalmente uniforme: o tucano Bruno Covas foi o candidato mais votado em TODAS as 58 zonas eleitorais paulistanas, inclusive nas duas onde Marta Suplicy vencera quatro anos antes. Os candidatos do PSOL (Guilherme Boulos) e do PT (Jilmar Tatto) foram derrotados mesmo nos bairros do extremo sul da cidade. A narrativa tradicional que opunha o centro à periferia foi, assim, novamente fulminada.
Naturalmente, nem sempre os padrões do passado têm poder preditivo sobre o que acontecerá no futuro. Mas pelo menos eles nos ajudam a contextualizar a eleição que se aproxima, evitando que reproduzamos acriticamente clichês e cacoetes que já foram superados pelos fatos.
Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.