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Supremo: uma proposta

O que fazer para retomar o mínimo de funcionalidade no Supremo Tribunal Federal? Jurista e escritor José Paulo Cavalcanti Filho sugere

José Paulo Cavalcanti Filho, escritor, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e colaborador do Espaço Democrático

Edição: Scriptum

 

O primeiro problema (entre muitos) do Supremo Tribunal Federal é o excesso de processos. As cortes constitucionais importantes do Primeiro Mundo têm números entre si próximos e muito diferentes dos nossos. Nas últimas estatísticas anuais disponíveis julgaram, Estados Unidos, 80 casos; França, 80; Inglaterra, 82; Alemanha, 90. No Canadá, a Suprema Corte se reúne em janeiro, abril e outubro, para julgar apenas causas revestidas de “public importance” ‒ segundo Gentili (Protective Rights in a Worldwide Rights Culture), na faixa de 60 por ano. Enquanto nós tivemos, apenas em 2022, o total de 89.738 casos julgados, ainda com um estoque de 21.899 processos em tramitação – segundo o CNJ, números agora de dezembro. É insensato.

Outro problema sério é que, por conta deste cenário, o Supremo acaba com seus ministros decidindo (quase) sempre sozinhos. Não se trata de algo transitório, que possa vir a se ajustar com o tempo. Medidas paliativas até vem sendo tentadas; como anúncio feito neste fim de ano pela presidente do Supremo, Rosa Weber, de que vai editar Emenda Regimental estabelecendo limites temporais à permanência de processos com vista para ministros. Além de outras medidas. Não vai resolver, perdão. Que se trata de algo mais profundo, estrutural. Veja-se a última estatística que divulgou o Supremo, em fins de 2020, com 81.356 decisões monocráticas em 99.569 processos julgados. Quase o mesmo dos anos anteriores. São números pantagruélicos. Inaceitáveis.

Pior é que o Supremo deseja ir ainda mais longe. Faz pouco, por exemplo, via ofício encaminhado a todos os tribunais, recomendou que, nos feitos representativos de controvérsia, ainda que se vislumbre questão meramente infraconstitucional, seja admitido o Recurso Extraordinário. A fim de permitir o pronunciamento do Supremo sobre a existência, ou não, de matéria constitucional em cada caso. Eventualmente, de repercussão geral.

Fosse pouco, há também outros problemas. Como o espiral de um poder supremo que passou a habitar o mais íntimo dos ministros, convertendo o tribunal a ser um conglomerado formado por 11 capitanias hereditárias independentes, com cada ministro decidindo o que quiser, como quiser e sem nenhum limite. Até invadindo, e faz isso cada vez mais, a competência privativa dos outros poderes. Num crescendo. Virou regra. Com todos protegidos pelo corporativismo, onde nenhum ministro admite questionar decisões dos demais. Garantindo, assim, que suas próprias decisões também não o sejam.

Mas o que fazer para retomar mínimos de funcionalidade no Supremo?, eis a questão. Antes de seguir no tema é preciso recusar, veementemente, proposta (que vem sendo apresentada por alguns grupos) de fechar o órgão, recorrendo à força, o que nenhum espírito democrático deve admitir. Pois nada pode ser pior que a volta da ditadura. A questão, então, é buscar uma solução adequada, madura e democrática, para o Brasil de hoje. E o curioso é que ela existe ‒ fazer com que o Supremo seja semelhante a todas as demais cortes constitucionais. Simples assim. O que nos remete somente a dois pontos que deveriam ser alterados:

1. O Supremo passa a ser apenas uma corte constitucional. Como os demais tribunais similares, no mundo. Julgando menos casos, por deixar de ser instância revisora de outros tribunais. Convertido em uma corte assim, última instância das causas infraconstitucionais passa a ser o STJ. Inclusive nos habeas corpus. Com enormes vantagens para o funcionamento da Justiça, no País. Inclusive reduzindo uma instância, para início do cumprimento das penas. E, sobretudo, tornando mais rápidos os processos. Permitindo que o Supremo passe a se ocupar apenas da Constituição, função típica de uma corte constitucional.

2. Não mais serão aceitas decisões monocráticas, no Supremo. Para lembrar, ditas decisões monocráticas, em tribunais constitucionais como os que conhecemos no mundo, simplesmente não existem. Só no Brasil. Nesse campo, cumpre apenas lembrar um ponto que vale a pena explicar. Nos Estados Unidos e na Grã Bretanha, em situações de extrema gravidade, quando não esteja reunida a corte, até pode um ministro decidir. Mas essa decisão fica suspensa, requerendo seja convocado o plenário, em regime de urgência, para deliberar a respeito. E, para valer, a maioria (ou a totalidade) da Corte deve aprovar. Ninguém decide sozinho, pois, essa é a regra de ouro com todos os tribunais (menos em nosso Supremo). Por não fazer sentido, numa democracia moderna, tanto poder concentrado em apenas uma pessoa. Devendo as decisões serem todas, sempre, coletivas. Não de um ministro, apenas, mas do tribunal.

Agora, em 2023, teremos um novo Congresso. E mudanças como essas aqui propostas, para funcionar, requerem apenas alteração da Constituição (PEC). Com vontade política, pode ser feita sem maiores problemas. Ainda quando os poderosos ministros do Supremo não gostem, e tentem trazer para seu curul (aquela poltrona em que sentam) alguns partidos políticos que se acostumaram a lhes usar nas suas demandas. Que, contra egos, o interesse coletivo deve prevalecer. Em resumo, pode ser feita. E deve. Por ser o melhor, para nosso Brasil.

* * *

Fernando Lyra, ministro da Justiça. Essa historinha foi contada pelo próprio. E segue agora porque tem relação com o momento atual do Brasil, com levas de pretendentes (nem sempre qualificados) a cargos públicos. Nomeado presidente da Fundação Joaquim Nabuco, já no dia seguinte à posse o presidente do PT de Pernambuco foi visitá-lo. Trazia, com ele, relação de 77 sindicalistas que deveriam ocupar todos os 77 cargos em comissão da FUNDAJ. Político experiente, o amigo Lyra concordou. E, dia seguinte, mandou especificações para cada um dos cargos pretendidos. A partir dos nomes que ele próprio escolhera, para cada um desses cargos. Só um exemplo, no mais cobiçado (por ser o de maior remuneração):

– Para Museólogo Chefe é necessário: 1. Ser formado em museologia. 2. Ter mestrado. 3. Ter doutorado, de preferência em Paris. 4. Ter, pelo menos, oito anos de estágio no Museu do Vaticano.

E por aí foi, com todos os outros cargos. Uma semana depois, nada, e ele mandou esse bilhete:

– Como ainda não indicaram os companheiros, vou nomear ocupantes provisórios. Só até chegar as indicações de vocês.

Resultado, acabou sua gestão e nenhum dos cabos eleitorais da relação original chegou a ser nomeado. Saudades de um tempo em que a política, longe da selvageria de hoje, ainda se fazia com engenho e arte.

 

PS. A todos e cada um desejo um futuro esplendoroso. Feliz Ano Novo, pois. E agora os netos, o “mar salgado” (Pessoa, em Mensagem), a rede e os livros me esperam. Razão pela qual encerro, por breve tempo, essa participação aqui. Para voltar a escrever só depois do Carnaval, se Deus quiser.

 

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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