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Trens

José Paulo Cavalcanti Filho conta histórias do fracasso da privatização da Rede Ferroviária Federal no Norte-Nordeste

José Paulo Cavalcanti Filho, jurista e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras

Edição Scriptum

 

No Jornal do Commercio, mestre Castilho estampou, em sua coluna (JC Negócios), essa manchete: “Transnordestina quer devolver antiga malha ferroviária do Nordeste”. Não será fácil. E volto ao passado.

O BNDES abriu, no Governo FHC, concorrência para escolher instituição que definisse um modelo de privatização para a Rede Ferroviária Nacional (RFN), estatal que controlava todo o tráfego ferroviário do País. Ganhou o consórcio que integrávamos, liderado pelas duas maiores ferrovias do planeta – uma do Canadá, outra da Austrália. Eram necessários dois currículos de nosso escritório, para o julgamento. Juntei o que já tinha pronto para situações como essas, então com 77 páginas, e pedi a meu pai que preparasse o dele. Na hora de enviar, fui conferir. Escreveu, apenas,

– José Paulo Cavalcanti, advogado no Recife.

– Pai, é uma concorrência, por favor diga mais.

– Profissão e Destino, meu filho. É tudo.

E não admitiu alterar nada. Saudades do Velho. Sem que soubesse, completei seu (mini) currículo com a relação dos 34 trabalhos jurídicos (alguns livros, entre eles) que publicou. E, mais tarde, reduzi meu próprio currículo para seis linhas, prova de que ainda não cheguei no ponto.

A nosso escritório coube examinar o cenário do Nordeste. Num tempo, bom lembrar, em que as estatais eram todas loteadas e dirigidas por políticos, ou gente indicada por eles. Como hoje, “a história se repete” (Maquiavel, O Príncipe), e não “apenas como farsa” (Marx, 18 Brumário). Lembro aqui parte do que descobrimos nesse estudo. Alguns pontos, apenas:

1. Total de todos os tributos pagos pela RFN na sua história – 0 (zero). Inclusive impostos de terceiros em suas mãos e contribuições previdenciárias, do empregador ou retidas de seus empregados.

2. Total de ações trabalhistas, com resultados invariavelmente em favor aos trabalhadores (talvez por desídia dos advogados da RFN), calculados por funcionário: 5.6. Pode acreditar, amigo leitor. Cada funcionário era autor de, na média, 5.6 ações contra seu empregador, a RFN. E, coincidência, ganhavam sempre.

3. Total de imóveis pertencentes à RFN: resposta, “entre 11 e 22 mil”. Perguntamos quais, até hoje sem resposta. A empresa, simplesmente, não sabia quantos imóveis tinha. Nem quais seriam.

4. Num Estado que fiscalizamos (Maranhão), diferente dos outros, havia computador. Com todas as informações necessárias, é de se presumir, a uma boa administração. Assim nos disseram. Alvissaras. Primeira pergunta, óbvia, “quantos imóveis vocês têm aqui?”. Resposta, “129”. Segunda pergunta, “e quantos estão alugados?”. Resposta, “280”. Dissemos não parecer razoável. Que, se são apenas 129, como podem existir 280 alugados? Resposta, “o computador está com problemas, melhor esquecer”. E desapareceram com ele.

A conclusão de nosso estudo, para o BNDES, é que permanecer com esse tipo de administração seria inviável. Melhor privatizar o que fosse possível. Só que haveria mercado apenas para a rede ferroviária do Sul. Como aconteceu, de fato. E, não, para a do Nordeste.

Em nossa região, até que houvesse algum interessado deveria o governo continuar investindo. Por não ser razoável abandonar, à sua sorte, um pedaço tão grande do País. E, dada sua importância para a economia brasileira, ir progressivamente substituindo a malha rodoviária (matriz de nosso transporte, ainda hoje é assim) por ferrovias. Só que pouco foi feito, no Nordeste, desde essa época. E agora temos um problema específico, em Pernambuco; posto que a escolha do porto de Pecém (Ceará) como destino final do modal Nordeste, exclui a transnordestina, que viabilizaria Suape. Seja como for, a simples referência no governo à importância do transporte ferroviário, e que ele volta a ser considerado, já é uma boa notícia. Vamos rezar para que não pare por aí. Nem que seja porque, assim cremos, Deus é nordestino. E torcedor do Timba.

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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