Washington Luís Campos Cunha, psicólogo, advogado e mestre em Direito Político e Econômico
Num curto espaço de tempo o mundo experimentou não apenas uma crise sanitária, mas algo muito além, ou seja, uma transformação drástica e histórica nos modos de trabalho. O que antes se tratava de exceção tornou-se regra: o home office emergiu como solução viável, eficiente e, em muitos casos, mais produtiva do que o tradicional expediente presencial. Mas à medida que o período pandêmico recuou, o debate ressurgiu com força: devemos voltar ao trabalho presencial ou adotar o modelo híbrido como novo paradigma?
O home office ofereceu respostas rápidas e eficazes às restrições sanitárias, demonstrando que boa parte das atividades profissionais poderia ser realizada com igual — ou até maior — efetividade fora do ambiente corporativo.
Em uma análise do ponto de vista neurocientífico, o trabalho remoto reduz estímulos estressantes do cotidiano urbano, como deslocamentos longos, trânsito caótico e ambiente de pressão excessiva. Isso impacta diretamente o sistema límbico, especialmente a amígdala, responsável pela regulação das emoções, acionada em situações de estresse crônico o que causa alterações conforme artigo publicado na revista Frontiers de Neurociência.[1]
Contudo, a ausência prolongada do ambiente físico de trabalho trouxe outros alertas para aspectos fundamentais da psicologia social e organizacional. Trata-se da evidência e sabido conhecimento de que o ser humano é um animal social. A interação, o olhar, gestos, diálogos e conversas espontâneas no ambiente laboral e até mesmo no intervalo para um café ativam estruturas cerebrais como o córtex pré-frontal medial e o córtex cingulado anterior, áreas envolvidas na empatia, no reconhecimento de emoções alheias e na construção de laços sociais. Tais vínculos, além de promoverem pertencimento, são potentes reguladores emocionais que previnem quadros como depressão e burnout.
Ao analisar a visão empresarial da questão, o trabalho remoto representou uma economia substancial: redução no valor dos aluguéis de grandes espaços, contas de energia, água, transporte corporativo, manutenção predial, tudo isso foi consideravelmente reduzido. Em muitos casos, custos operacionais caíram até 60%, o que reconfigurou os orçamentos e a gestão de recursos.
O meio ambiente, por sua vez, também foi significativamente afetado. Com menos veículos nas vias, diminuição das emissões de CO₂, o que impactou positivamente o clima e a qualidade do ar nas grandes cidades e nitidamente na maior metrópole da América do Sul. Formas de produção mais sustentáveis e eficazes surgiram em uma circunstância em confronto com os modelos tradicionais anteriormente utilizados.
Do ponto de vista da produtividade, relatos de aumento no desempenho individual e melhor concentração foram constantes. Quando bem implementado, com metas claras e ferramentas digitais adequadas, o home office pode ser uma solução inteligente, moderna e altamente funcional.
O trabalho híbrido trouxe à tona uma verdade muitas vezes esquecida: a essencialidade de enxergar os trabalhadores para além de ‘funcionários’ — com filhos, pais idosos, animais de estimação, contas, dores, alegrias, rotinas e cansaços. A possibilidade de estar mais próximo do núcleo familiar representa uma proteção emocional muito poderosa, um eixo de estabilidade psíquica e afetiva que afeta, também, positivamente, o ambiente e a capacidade funcional.
Neuropsicologicamente, essa proximidade afeta diretamente os níveis de oxitocina e dopamina, hormônios associados ao vínculo, ao bem-estar e à motivação.[2] O lar não deve ser apenas um espaço de descanso, mas também pode ser uma base segura para a produtividade, quando respeitado e bem gerido.
Infelizmente, mesmo diante de todos os avanços e dados concretos, ainda se percebe em muitos gestores uma espécie de fetiche pelo controle presencial. Uma cultura baseada em visibilidade e subserviência, e não em entrega e resultados. Trata-se de um poder masoquista, alimentado por uma insegurança institucional e por modelos ultrapassados de liderança.
Ao obrigar o retorno integral ao presencial, sem justificativas técnicas, psicológicas ou operacionais, revela-se uma resistência arcaica ao progresso. E o que é ainda mais grave: ignora completamente os ganhos que o trabalhador teve em qualidade de vida e saúde mental durante o trabalho remoto.
O futuro do trabalho não pode – e não deve – ser um retorno a um modelo retrógrado. A realidade exige modelos híbridos, flexíveis, que considerem a natureza humana, a neurodiversidade, as demandas familiares, o planeta e a saúde mental.
O desafio está em romper com estruturas inadequadas de poder e abrir espaço para uma gestão baseada em confiança, resultado, empatia e ciência. O trabalhador do século 21 não precisa estar sob vigilância constante — ele precisa de condições adequadas para produzir com excelência e dignidade.
Como neurocientista e psicólogo, afirmo: a produtividade humana floresce onde há respeito, liberdade e conexão verdadeira — seja presencial, híbrido ou remoto. O trabalho deve evoluir junto com a humanidade. E esta, felizmente, já começou a mudar. Esperemos que os gestores atuais que fazem parte desta sociedade, também.
2 Ocitocina: O Hormônio do Vínculo e Suas Múltiplas Funções
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