Rubens Figueiredo, cientista político e colaborador do Espaço Democrático
Edição: Scriptum
Sem falar, as cidades conversam conosco, insinuando seus predicados. Rio de Janeiro é descontração e alegria, aventura de curvas, ondas, espuma e protuberâncias. Ali, “cada ribanceira é uma Nação”, diria Chico Buarque. São Paulo é pedra, cimento, asfalto e trabalho, num “tic-tac” desesperado de carros buscando ganhar alguns centímetros inexplicáveis no trânsito desvairado. E tem a “deselegância discreta de tuas meninas”, como nos lembra Caetano Veloso.
Algumas cidades têm aspectos históricos que saltam aos olhos, indicando o começo de tudo, como Salvador e seu Pelourinho. “Primeira missa, primeiro índio abatido também”, no verso sinteticamente instigante do genial Gilberto Gil. Outras nos remetem à ideia de organização criativa e ousadia, como Curitiba. E algumas focam suas formas e estacas a nos lembrar a presença marcante do Estado agigantado e do governo sem semáforos, como é o caso de Brasília.
Paris é história pura e grandiosa em cada esquina e palácio; Barcelona é arte atrevida que seduz; Amsterdam, Sísifo lutando eternamente para expulsar o mar, canais pintados por gênios. Mas existe uma cidade que nos incute a ideia de organização política sólida, reverenciando os fundadores de seus alicerces. Suavemente, sem grande ostentação, as ruas e monumentos de Washington DC nos conduz a uma experiência única.
Washington DC é ideia, concepção, perspectiva. De liberdade, democracia, justiça e luta. A Casa Branca, lugar onde fica o Executivo mais poderoso do planeta, é um prédio modesto comparado ao Capitólio, de onde emana a vontade do povo, ou da Suprema Corte, casa na qual se materializa a justiça. É como se estivessem contando para a gente, de forma lúdica, a maneira através da qual funciona o sistema de “check and balances”. O poder pode, mas tem limites. As calçadas são largas, propriedades da cidadania.
A homenagem aos pais fundadores da pátria é uma constante. Os monumentos não são, por assim dizer, monumentais, parecem mais lousas transmitindo ensinamentos. A estátua de Thomas Jefferson está no centro da construção e na parede trechos de seus escritos mais significativos. Você não admira o que você vê, antes é convencido pelo que entende. Jefferson não se impõe pelo gigantismo físico de sua estátua, mas pela capacidade intelectual de nos atrair pela força de seus argumentos.
O espaço de Abraham Lincoln é mais sagrado. Sentado em uma cadeira, o herói americano está ali para ser reverenciado. A construção tem uma suntuosidade discreta, se é que esse conceito faz sentido. À frente, um amplo parque nos oferece a liberdade. Por ali, o emocionante – e genialmente simples – monumento em homenagem aos soldados mortos no Vietnã: os nomes de todos que faleceram no conflito, gravados em pedra negra que se projeta numa curva acolhedora. Muitos cartões com flores se apoiam na pedra. Um deles dizia: “Um herói que eu costumava chamar de pai”.
Os Arquivos Nacionais guardam os originais da Constituição, com passagens corrigidas à mão, assinada pelos delegados da Convenção de Filadélfia, em 1787. É a bíblia da democracia, que tangencia o poético ao garantir o direito à busca da felicidade. Na Biblioteca do Congresso americano, uma ode ao domínio do conhecimento e a coleção particular de livros de Thomas Jefferson. Na galeria de ‘portraits’, a importância do grande George Washington, primeiro presidente americano que está, feito um farol, imortalizado também em um obelisco que parece ser referência para tudo. A gente sente a democracia na pele.
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