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{ ARTIGO }

Uma leitura obrigatória

Para Rubens Figueiredo, biografia de Galileu Galilei é leitura imprescindível nessa sociedade tão cheia de convicções e certezas

Rubens Figueiredo, cientista político e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

O que ele fez, qualquer um poderia ter feito. Observação tão simples, mas coisa de gênio. Não foram necessários conhecimentos mais elaborados, instrumentos, nada. O jovem estava na Catedral de Pisa. Do seu banco na Igreja, percebeu um lustre que balançava de um lado para outro. E notou: o tempo que duravam as oscilações era constante e sem relação com a distância que a lâmpada oscilava. Nascia ali a base para a criação do relógio de pêndulo.

Quando menino, tinha múltiplos talentos. Iria se provar um grande escritor, era musical, sabia desenhar e pintar, tinha facilidade com a matemática, uma capacidade de observação absurda. E de criar hipóteses, maior ainda. Seu pai, Vincenzo, era músico e intelectual, o que significava uma escolha deliberada pela pobreza. Algo parecido com ser cientista político no Brasil de hoje, só que mais divertido.

Galileu Galilei lutou contra muitas dificuldades. Sofreu ao morar com a família da mãe em Pisa enquanto o pai se apresentava em Florença. Assumiu o papel paterno ao pagar o dote da irmã que se casara, colocou suas duas filhas, a quem não deu seu sobrenome, no Convento (uma viria a falecer) e não se entendeu com o filho durante longos anos. As condições de vida não justificam a enorme produtividade do cientista.

Galileu tinha uma inesgotável disposição para a briga e uma teimosia de fazer inveja ao espanhol mais primitivo. Muitas vezes, esses traços de caráter o levavam a avaliar mal as situações e momentos de apresentar suas teses, fatores temerários numa Itália dividida e com uma Igreja impositora de verdades. Formulou a “lei dos corpos em queda”, base do moderno ensino dos movimentos, ramo da física conhecido como cinemática.

O grande embate de Galileu foi contra a Igreja. O toscano defendia a teoria heliocêntrica, associando-se ao pensamento de Copérnico. Também explicava que nosso planeta girava no seu próprio eixo, uma ideia absolutamente contraintuitiva e que irritava seus adversários. Se o planeta gira, por que eu não sinto nada girar?, era a pergunta. Já Deus e a Igreja avaliavam esse posicionamento como uma heresia, pois a Terra seria o centro fixo do mundo ao redor da qual orbitavam os demais astros.

A desavença culminou com o julgamento pela Inquisição, no qual um Galileu doente e exausto pronunciou a seguinte frase: “…abjuro, amaldiçoo, abomino os erros e heresias acima mencionados e de forma geral todo outro erro, heresia ou seita de algum modo contrário à Santa Igreja”. E, mito ou não, consta que ainda de joelhos, no salão dos dominicanos, teria dito “e, no entanto, ela se move” (a Terra).

Imaginemos o cenário: alguém, pela observação e a inteligência, descobre simplesmente que o entendimento do mundo estava equivocado. E tem a prova disso. E, no lugar de reconhecimento (que Galileu até conseguiu em certo período) e homenagens, teve que dizer, alquebrado e de joelhos, que estava equivocado, flertando com a heresia. Infeliz de uma época na qual a verdade tinha dono.

Colocado em semiliberdade depois do julgamento, um Galileu com decrescente capacidade visual e cada vez mais vigorosa admiração pelo vinho escreveu obras importantíssimas, entre elas Duas novas ciências. Deixou sua marca na história da humanidade. Por essas e por outras que o livro Galileu Galilei – um revolucionário e seu tempo, de Atle Naess (Zahar Editores), é uma leitura imprescindível nessa sociedade tão cheia de convicções e certezas.

 

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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