Pesquisar

tempo de leitura: 6 min salvar no browser

{ ARTIGO }

Violência urbana aterroriza a população e mina a economia

A população continuará sofrendo e chorando seus mortos se o Brasil não tratar a criminalidade com a prioridade que merece, escreve Samuel Hanan

Samuel Hanan, ex-vice-governador do Amazonas, engenheiro especializado em economia e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

A questão da violência urbana no Brasil merece ser discutida de forma mais ampla e profunda do que se vê hoje porque o problema não se resume somente às estatísticas criminais, mas também às consequências que se estendem à economia, sem perder de vista, é claro, a dor das famílias que choram a perda de seus entes queridos.

Os efeitos nocivos da violência endêmica registrada no País são grandiosos, afetam o bem-estar da população, afastam investidores e comprometem o futuro da nação. Basta olhar os números.

Estima-se que a soma dos gastos com segurança e com o que o Brasil deixa de produzir em consequência direta e indireta da violência urbana atinja cerca de R$ 1 trilhão por ano, o equivalente entre 8,6% a 9% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Os dados constam do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 e dos levantamentos estatísticos de instituições renomadas como IPEA, IBGE, FGV-Ibre, CNI e Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Isso porque as estatísticas são alarmantes. Em 2023, o Brasil registrou 46.328 mortes violentas intencionais, média de 22,8 homicídios por grupo de 100 mil habitantes. Na Argentina, essa média foi de seis homicídios por 100 mil habitantes e, na França, de apenas um por 100 mil habitantes, no mesmo período. A média brasileira foi também muito superior à dos Estados Unidos (5,4) e à do Chile (6,3). Isso faz do Brasil, em números absolutos, o recordista mundial de homicídios intencionais. A magnitude dessa tragédia pode ser mensurada com o fato de que 86% (3.935 cidades) dos municípios brasileiros possuem população inferior a 46 mil habitantes. Então, é como se a violência eliminasse todos os moradores de uma cidade inteira a cada ano.

Segundo estudo que envolveu o Instituto Igarapé, a América Latina é a região mais violenta do planeta, pois embora tenha apenas 9% da população mundial, responde por 39% dos homicídios no mundo. A região, segundo o estudo, é a única do mundo onde a principal causa externa da morte é o homicídio, somando 52% dos falecimentos. Ao lado do México (31 casos por grupo de 100 mil habitantes), o Brasil é um dos maiores responsáveis por essa macabra situação.

O mesmo estudo também revela que a taxa de roubo na América Latina (321,7 por grupo de 100 mil habitantes) é o triplo da média mundial (108 para cada 100 mil habitantes) e concentra 41 das 50 metrópoles mais perigosas do mundo.

No caso específico do Brasil, os índices são igualmente estarrecedores quando se trata da violência no trânsito. Em 2022, o País registrou mais de 1 milhão de acidentes de trânsito, resultando em mais de 33.800 mortes, uma média superior a 92 mortes diárias, de acordo com a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt). É praticamente um óbito a cada 15 minutos e um ferido e um sequelado a cada dois.

O impacto de tudo isso no sistema de saúde pública e na economia são devastadores, configurando-se verdadeiro flagelo nacional a exigir a atenção urgente e ações conjuntas por parte do governo federal, governos estaduais e municipais.

Estimativas de especialistas apontam que cada homicídio (morte violenta intencional) custa cerca de R$ 1 milhão aos cofres públicos, considerando-se os gastos com saúde, justiça, segurança e perda de produtividade. Significa que o impacto direto dos 46.328 homicídios anuais para o setor público é superior a R$ 46 bilhões anualmente.

O sistema atual não se mostra eficiente, resultado também da falta de investimentos. Hoje, o setor público brasileiro gasta cerca de R$ 125 bilhões por ano em segurança pública, dos quais mais de 85% saem dos cofres dos Estados, algo superior a R$ 105 bilhões/ano. O orçamento da União aprovado para 2025 para essa área aponta valor irrisório de R$ 17 bilhões no universo do orçamento anual, que totaliza R$ 5,8 trilhões. Ou seja, o governo federal destina para questão tão importante apenas 0,3% do total dos gastos previstos para 2025.

Os R$ 125 bilhões investidos anualmente em segurança pública correspondem a pouco mais de 1% do PIB nacional. Isso equivale a 3,28% das receitas tributárias do País, que tem uma das maiores cargas de imposto do mundo. Em outras palavras, o brasileiro paga muito imposto, porém vê o governo investir uma parcela mínima do que arrecada com tributos para oferecer à população maior proteção de sua vida e do seu patrimônio. Não há hoje nenhum brasileiro, principalmente nas grandes cidades, que possa sair tranquilamente à rua sem o medo de que tenha o seu celular roubado por uma dupla em uma moto ou sua aliança de casamento arrancada, um símbolo de amor e fidelidade que não pode mais sair às ruas por causa da violência.

A título de comparação, o Orçamento da União para 2025 reserva R$ 39 bilhões para emendas parlamentares impositivas e outros R$ 12 bilhões para emendas não impositivas, sem transparência e destinadas a agradar deputados e senadores. Além disso, gasta com o Poder Judiciário mais de 1,3% do PIB, ou seja, cerca de R$ 150 bilhões por ano, valor que garante aos integrantes das cortes  judiciais salários muito acima do teto constitucional, graças a uma série de penduricalhos e privilégios acumulados ao longo dos anos, conforme vem sendo denunciado com frequência cada vez maior pela imprensa.

Isso tudo, somando, é maior do que o custo da violência urbana no País, estimado em cerca de 9% do PIB, ou R$ 1 trilhão. Compõem esse custo os valores gastos com escoltas armadas para a proteção do transporte de insumos e produtos industriais, aquisição de carros blindados, transporte de valores, compra de coletes à prova de balas, instalação de equipamentos contra invasão e de sistemas de alarme e rastreadores eletrônicos, contratação de apólices de seguro, vigilância privada armada e outras despesas do gênero, além dos gastos com a população carcerária.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI), calcula que as empresas brasileiras gastam 1,7% do PIB nacional com segurança privada, o equivalente, em valores de hoje, a quase R$ 200 bilhões/ano, soma que poderia estar sendo canalizada para investimentos em tecnologia e na melhoria da sofrível posição nacional no ranking de competitividade industrial. Tudo isso, estima-se, chega a 6% do PIB. O restante (3%), é o custo relacionado a afastamento laboral, queda na produtividade dos trabalhadores, problemas emocionais e tratamentos de saúde das vítimas da violência.

É evidente que, além do pânico causado no cotidiano da população, a violência ainda compromete a atração de investimentos internos e externos, a geração de novos empregos e melhores salários. Seria salutar que a imprensa mostrasse que a violência urbana já deixou de ser um problema criminal para se tornar também um grande problema econômico e de desgaste da imagem do País no exterior.

Estamos perdendo esta guerra. Os governos falham e o silêncio sobre a situação está matando mais do que o conflito no Oriente Médio ou a guerra na Ucrânia. É inaceitável.

Interromper a banalização da violência urbana tornou-se inadiável. O patamar atual exige uma campanha urgente de conscientização nacional sobre a gravidade da situação e suas consequências ainda não perceptíveis à população, como uma prévia de formação de uma robusta a apartidária força-tarefa a favor do Brasil. Um grande concerto nacional constituído pelos governos da União, Estados e municípios e pelos três poderes da República, válido por um período longo e abastecido por recursos financeiros com fontes asseguradas e impositivas, assim como é a marca de 76% dos valores das emendas parlamentares.

O cenário atual, desastroso, não mudará enquanto houver criminosos nas ruas e tolerância dentro dos governos, além de buracos gigantes nos controles das contas públicas e brechas que possibilitam a ministros de Estado e membros do Judiciário receberem remuneração mensal muito superior ao teto constitucional. Merecendo especial destaque o assalto à Previdência Social e INSS, nos últimos anos, já da ordem de R$ 8 bilhões de reais. Que coisa feia, estão roubando velhinhos indefesos.

Recursos financeiros para esse enfrentamento existem, assim como existem pessoas competentes, experientes e bem-intencionadas para ocupar cargos públicos. O que falta é indignação. E atitude. É preciso discutir soluções como a implantação de regras mais restritivas para evitar golpes no PIX; medidas para combater o uso de motos em assaltos, e mudanças legislativas para alterar a pena de crimes praticados por menores – incluindo a transferência para penitenciárias uma vez atingida a maioridade penal – e para alcançar laranjas utilizados na prática de crimes, contingente expressivo das forças armadas e Polícia Federal precisa estar lotado nas fronteiras, portos e aeroportos, com recursos disponíveis para tanto.

Enquanto a violência urbana – crescente e com o crime organizado cada vez mais fortalecido e com ações diversificadas – não for tratada como uma questão prioritária, a população continuará sofrendo e chorando seus mortos, impotente e amedrontada.

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


ˇ

Atenção!

Esta versão de navegador foi descontinuada e por isso não oferece suporte a todas as funcionalidades deste site.

Nós recomendamos a utilização dos navegadores Google Chrome, Mozilla Firefox ou Microsoft Edge.

Agradecemos a sua compreensão!