Texto Estação do Autor com Folha de S.Paulo
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Até há pouco tempo era vista como uma prática inofensiva, uma brincadeira da qual qualquer pessoa poderia participar, as apostas on-line se tornaram um grave problema de saúde pública. Em artigo publicado nesta semana, a revista científica The Lancet Public Health mostra um quadro de risco crescente à saúde pública mundial provocado pelo advento das bets, apostas esportivas e cassinos digitais. A revista destaca que os danos associados às apostas são amplos, afetando não apenas a saúde e o bem-estar de uma pessoa, mas também suas finanças, relações pessoais, famílias e comunidades, com consequências para a vida toda, além de aumentar a desigualdade.
Reportagem de José Henrique Mariante para a Folha de S.Paulo (assinantes) trata do alerta de especialistas para que as bets sejam classificadas como produtos viciantes, semelhantes ao tabaco e ao álcool, e se tornem tema de uma campanha mundial.
Segundo o estudo, cerca de 46,2% dos adultos do planeta e 17,9% dos adolescentes fizeram alguma aposta no ano passado. A extrapolação dos dados leva a um universo de 450 milhões de pessoas apostando e 80 milhões apresentando algum tipo de distúrbio relacionado à prática. A análise de metadados da investigação, iniciativa da própria revista, mostra que entre apostadores de cassinos on-line, 15,8% dos adultos e 26,4% dos adolescentes apresentaram alguma modalidade de distúrbio relacionado à compulsão ao jogo; no caso das apostas esportivas, foram 8,9% dos adultos e 16,3% dos adolescentes.
As apostas atingem cada vez mais mulheres e crianças, já que aplicativos e sites de apostas são desenhados para viciá-las; e, no caso dos menores, ficam evidentes as falhas na fiscalização do acesso. “O setor de apostas promove seus produtos e protege seus interesses com práticas desenhadas para influenciar não apenas o comportamento do consumidor, mas a narrativa e o processo político em torno da regulação”, informa The Lancet em editorial. Como no caso da indústria do cigarro, que por décadas combateu legislações restritivas ao consumo e à publicidade de seus produtos, o argumento principal é o de que o direito individual não deveria ser tolhido por uma política abrangente.
“Nada disso é novidade, mas em um mundo digitalizado, interconectado e sem fronteiras como o atual, tal estratégia é uma ameaça crescente à saúde pública.”