
Posse do presidente José Sarney completa 40 anos
Edição Scriptum com Agência Senado
Em 15 de março de 1985, José Sarney tomou posse como presidente da República. A data, que está completando 40 anos, é um dos pontos de maior destaque da redemocratização do Brasil e irrigou a esperança de novos tempos, após 21 anos de ditadura militar.
A transição do regime militar para o governo dos civis foi um processo longo e marcado por importantes eventos políticos e sociais. Desde a vitória da oposição nas eleições legislativas de 1974 até a posse de um presidente eleito pelo voto popular em 1990, o Brasil passou por intensos debates, manifestações populares e reformas institucionais que pavimentaram o caminho para as eleições diretas.
Veja os marcos fundamentais que simbolizam a luta do povo brasileiro pela reconstrução da sua democracia.
- 1974: Vitória da oposição na eleição para o Congresso
A eleição de 1974 é considerada um marco importante para o início da redemocratização do País. Foram escolhidos, por voto direto, um senador por Estado, além de deputados federais e estaduais. Na ocasião, apenas dois partidos estavam na disputa: a Arena, governista, e o MDB, de oposição.
Os emedebistas conseguiram aumentar consideravelmente suas bancadas. No Senado, venceram 16 das 22 cadeiras em disputa e passaram a ter 20 dos 66 senadores — antes da eleição, eram apenas sete. Aquele pleito trouxe para o Senado nomes que marcariam a política brasileira, como Itamar Franco (MG), Paulo Brossard (RS), Roberto Saturnino (RJ) e Mauro Benevides (CE). Na Câmara, o MDB elegeu 160 dos 364 deputados — na legislatura anterior, tinha 87.
O número de parlamentares eleitos pelo MDB alterou a correlação de forças no Congresso Nacional. A oposição agora podia propor comissões parlamentares de inquérito (CPIs) e dificultar a aprovação de proposições que exigissem maioria qualificada, como as propostas de emenda à Constituição (PECs) — que, na época, precisavam de dois terços dos votos para serem aprovadas.
- 1977: Pacote de Abril
No dia 1º de abril de 1977, o presidente da República, general Ernesto Geisel, usou o Ato Institucional nº 5 (AI-5) para colocar o Parlamento em recesso. Duas semanas depois, Geisel anunciou um conjunto de medidas que ficou conhecido como “Pacote de Abril”, composto por uma emenda constitucional e seis decretos, e reabriu o Congresso.
O pacote foi uma reação ao bom desempenho eleitoral do MDB em 1974, e seu objetivo era impedir que o regime perdesse o controle sobre a transição política que o País começava a experimentar. Uma das providências foi o alongamento do mandato presidencial seguinte ao de Geisel, que passaria de cinco para seis anos e terminaria em 1985.
Com outras medidas, o governo buscava manter a sua maioria no Legislativo — e, consequentemente, no Colégio Eleitoral. O pacote aumentou as bancadas de estados do Norte e do Nordeste (regiões onde a Arena era forte) na Câmara dos Deputados. Também instituiu a eleição indireta de um terço dos senadores, que seriam escolhidos por colégios eleitorais dominados pela Arena. Eles ficaram conhecidos como “senadores biônicos”.
O principal efeito do Pacote de Abril foi evitar que o MDB conquistasse a maioria no Senado nas eleições seguintes. Na Câmara, o aumento do número de deputados teve um impacto reduzido, com apenas quatro vagas a mais para a Arena.

O presidente Ernesto Geisel usou o Ato Institucional nº 5 (AI-5) para colocar o Parlamento em recesso.
- 1978: Fim dos Atos Institucionais
Um dos maiores símbolos do autoritarismo durante a ditadura foram os Atos Institucionais. Os governos militares se valeram deles para tomar decisões sem a participação do Congresso Nacional e sem o respaldo da Constituição. Em outubro de 1978, após articulação liderada pelo presidente do Senado, Petrônio Portella, os parlamentares aprovaram a Emenda Constitucional nº 11, revogando todos os 17 Atos Institucionais do regime militar.
O fim dos Atos restabeleceu o direito ao habeas corpus, limitou o estado de sítio e aboliu a pena de morte, a prisão perpétua e a pena de banimento. Além disso, a emenda reenquadrou a presidência da República dentro dos limites da Constituição, retirando os poderes do presidente para cassar mandatos, suspender direitos políticos e interromper as atividades do Congresso Nacional.
O relator da emenda, senador José Sarney, destacou em seu parecer que o texto não extinguia o autoritarismo, mas representava “o início de um longo processo”.

O presidente do Senado, Petrônio Portella, liderou articulação pela aprovação da Emenda Constitucional nº 11, que revogava todos os 17 Atos Institucionais do regime militar.
- 1979: Lei da Anistia
A anistia era uma das grandes reivindicações da sociedade civil durante a ditadura. Em 1975, mães, mulheres e filhas de presos e desaparecidos criaram o Movimento Feminino pela Anistia (MFPA). Em 1978, surgiu o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), com representações em diversos estados e até em Paris, onde viviam muitos dos exilados.
A pressão desses e de outros grupos, e também da classe política, forçou a mão do regime. Em 28 de agosto de 1979, o presidente João Figueiredo — sucessor de Geisel — concedeu perdão aos perseguidos políticos, pavimentando o caminho para sua reincorporação à vida pública no Brasil. Por outro lado, a lei também concedeu anistia aos militares que cometeram abusos em nome do Estado desde o golpe de 1964, incluindo crimes como tortura e execução.
O projeto que deu origem à Lei da Anistia foi redigido pela equipe de Figueiredo e aprovado pelo Congresso Nacional em apenas três semanas. Um senador teve papel crucial nas negociações: Teotônio Vilela, presidente da comissão encarregada de analisar o projeto, visitou presos políticos e defendeu-os perante a opinião pública.
Foram anistiados tanto aqueles que simplesmente haviam feito críticas públicas aos militares quanto os que haviam pegado em armas contra o regime. Graças à lei, exilados e banidos puderam retornar ao Brasil, clandestinos deixaram de se esconder da polícia, réus tiveram seus processos nos tribunais militares anulados e presos políticos foram libertados.

Sociedade civil se mobilizou pela anistia em 1979
- 1982: Eleições estaduais
Em junho de 1982, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional nº 22, que retomava as eleições diretas para os governos estaduais e prefeituras (exceto em capitais). Os pleitos foram realizados em 15 de novembro daquele ano. O Brasil escolheu senadores, deputados federais e estaduais, prefeitos e vereadores. Vários anistiados, inclusive alguns que retornaram do exílio, participaram da disputa, como Leonel Brizola, Miguel Arraes e Mário Covas.
Aquelas foram também as primeiras eleições após o fim das regras que impunham um bipartidarismo ao Brasil. A Arena e o MDB se reorganizaram como PDS e PMDB. Novas legendas emergiram, com destaque para o PDT de Brizola, que tentava arregimentar a herança política de Getúlio Vargas e João Goulart; e o PT, fundado por sindicalistas.
O PDS venceu as disputas em mais Estados, mas o PMDB, ainda o principal partido de oposição à ditadura, prevaleceu em vários centros importantes de poder. Entre os governadores eleitos pela legenda estavam Tancredo Neves em Minas Gerais, Franco Montoro em São Paulo, Iris Rezende em Goiás e Jader Barbalho no Pará. Leonel Brizola, no Rio de Janeiro, foi o único eleito de fora dos dois maiores partidos.
Como os governadores tinham a prerrogativa de indicar os prefeitos das capitais, a oposição também passaria a governar algumas das principais cidades do Brasil.

No dia seguinte ao pleito de 1982, o jornal Tribuna da Imprensa noticiava a vitória de governadores da oposição
- 1984: Movimento Diretas Já
O ano de 1984 foi marcado por uma série de manifestações populares a favor da aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC 5/1983) que tinha o objetivo de restabelecer as eleições diretas para a Presidência da República. A proposta foi popularmente batizada como Emenda Dante de Oliveira, nome do deputado federal que a apresentou.
O movimento, batizado como Diretas Já, uniu a população brasileira em torno do mesmo objetivo: o retorno de eleições livres e democráticas. Líderes políticos e sociais e personalidades da cultura nacional organizaram grandes comícios que levaram milhões de pessoas às ruas.
Após meses de mobilizações em todo o País, a proposta foi à pauta da Câmara dos Deputados e conquistou uma maioria estrondosa de votos — mas não o suficiente para prevalecer. Por se tratar de uma mudança na Constituição, a Emenda Dante de Oliveira precisava de 320 votos. Teve 298. Derrotada na Câmara, ela não chegou a ser votada pelo Senado.
A rejeição da proposta, e por uma margem tão estreita, provocou grande frustração popular. Apesar da derrota, a campanha enfraqueceu a ditadura militar e deu ânimo ao projeto de transição democrática.

Proposta por Dante de Oliveira (em discurso na Câmara), a emenda que estabelecia eleições diretas para presidente contou com mobilizações em todo o país
- 1985: Eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral
Em 15 de janeiro de 1985, o Colégio Eleitoral, composto por deputados, senadores e delegados das assembleias legislativas dos Estados, se reuniu para eleger o sucessor de João Figueiredo. Conforme o plano da abertura, o governo não indicou um candidato militar dessa vez. O próximo presidente seria necessariamente um civil. A escolha se deu entre Tancredo Neves, do PMDB, e o deputado Paulo Maluf, do PDS.
Graças às manobras políticas e legais dos anos anteriores e aos resquícios do seu poder autoritário, o governo tinha a maioria no Colégio Eleitoral. Mas a erosão da ditadura já era irreversível. Tancredo conseguiu atrair para seu campo a Frente Liberal, uma dissidência do PDS descontente com a indicação de Maluf como candidato. A união formou a Aliança Democrática e deu a Tancredo seu vice, o senador José Sarney, que havia sido presidente da antiga Arena. Sarney migrou para o PMDB, enquanto a Frente Liberal formou seu próprio partido, o PFL.
A Aliança Democrática levou Tancredo e Sarney a uma vitória inapelável. Foram 480 votos contra 180 de Maluf e seu vice, Flávio Marcílio, presidente da Câmara dos Deputados. O resultado marcou o fim do ciclo militar, levando um presidente civil ao governo do Brasil pela primeira vez desde 1964, e pelas mãos da oposição. O 15 de janeiro trouxe esperança renovada para a conclusão da transição democrática do país.

Vitória da chapa Tancredo e Sarney no Colégio Eleitoral encerrou duas décadas de governos militares
- 1985: Morte de Tancredo e posse de Sarney
Na noite de 14 de março de 1985, véspera de sua posse, Tancredo Neves foi internado devido a problemas de saúde e ficou impedido de assumir o cargo. Coube ao vice-presidente eleito, José Sarney, tomar posse como presidente da República em exercício. Uma articulação política delicada garantiu a transição de poder, uma vez que a Constituição não era clara sobre aquela situação, e temia-se uma investida da linha dura militar.
Depois de uma longa internação, sete cirurgias, 42 boletins médicos e muitas informações desencontradas sobre seu estado de saúde, Tancredo de Almeida Neves faleceu em 21 de abril no Instituto do Coração, em São Paulo. Apesar de nunca tomar posse do cargo para o qual foi eleito, ele é considerado pelos registros oficiais como um dos presidentes do Brasil.
Com a morte de Tancredo, Sarney assumiu definitivamente a Presidência, o que criou um arranjo inusitado: apesar de eleito pelo partido da oposição, o novo presidente havia sido um dos principais líderes do governo no Congresso durante a ditadura militar, antes do rompimento de seu grupo político no Colégio Eleitoral.
Sarney foi fiel a Tancredo, manteve o gabinete de ministros que o companheiro de chapa havia montado e seguiu em frente com a missão de completar a transição democrática. Ecoavam, como lema, as palavras proferidas por Tancredo durante seu último discurso à nação, na data em que foi eleito: “Não vamos nos dispersar”.

Com Tancredo internado na véspera, coube a Sarney tomar posse como presidente em exercício. Tancredo faleceu pouco mais de um mês depois
- 1987 e 1988: Assembleia Constituinte
Em junho, três meses depois da sua posse, Sarney cumpriu a principal promessa do mandato e enviou ao Congresso Nacional a convocação de uma assembleia que reescreveria a Constituição do Brasil. A proposta foi aceita e promulgada em novembro, na forma da Emenda Constitucional nº 26.
No dia 2 de fevereiro de 1987, foi instalada a Assembleia Nacional Constituinte, composta pelos próprios membros do Congresso Nacional. Eram 559 parlamentares, sob a presidência do deputado Ulysses Guimarães.
A Assembleia teve a opção de ratificar um texto pronto, elaborado por uma comissão de intelectuais. Ela rejeitou a ideia em favor de um processo com a participação de todos os seus membros, distribuídos em comissões temáticas, e aberto às sugestões da sociedade. No final, uma comissão de redação organizaria o texto final, com relatoria do senador Bernardo Cabral.
As regras mudaram no meio do caminho, tirando o texto final das mãos da comissão de redação e levando as decisões para o Plenário, mas a Constituinte cumpriu o seu trabalho. A população levou aos constituintes 122 emendas, que foram apoiadas por mais de 12 milhões de pessoas, além de enviar quase 73 mil cartas manifestando seus anseios, desejos e reivindicações.
Depois de um ano e meio de atividade, a nova Constituição foi promulgada em 5 de outubro de 1988.

Após um ano e meio de trabalhos e intensa participação popular, o país tinha uma nova Constituição
- 1989: Eleições diretas para presidente
O texto da Constituição trazia a data para o evento mais esperado de todo o processo de redemocratização: a eleição presidencial pelo voto direto, pela primeira vez desde 1960. Os brasileiros voltaram às urnas para escolher o seu presidente no dia 15 de novembro de 1989, centenário da Proclamação da República.
O tamanho do eleitorado dava uma medida da nova fase democrática em que o país embarcava. Na última eleição presidencial aberta, o Brasil tinha 15,5 milhões de eleitores. Em 1989, esse número mais que quintuplicou — eram 82 milhões aptos a votar, graças à Constituição, que garantiu o sufrágio universal.
Outra grande novidade era a possibilidade do segundo turno, caso nenhum dos candidatos obtivesse mais da metade dos votos. Com 22 candidatos no páreo, essa perspectiva era quase certa. Seriam 23, mas o apresentador Silvio Santos teve a sua candidatura indeferida a seis dias do pleito.
O governador de Alagoas, Fernando Collor de Mello, candidato pelo pequeno PRN, despontou como favorito durante a campanha e terminou em primeiro lugar. Seu adversário no segundo turno foi o líder sindical e deputado constituinte Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. Lula superou por pouco o ex-governador Leonel Brizola, do PDT, que finalmente estreava em uma disputa presidencial. Em quarto lugar apareceu o senador constituinte Mário Covas, pelo recém-criado PSDB.
Os maiores partidos do País tiveram resultados tímidos. O PDS ficou em quinto lugar, com Paulo Maluf; o PMDB foi sétimo, com Ulysses Guimarães; e o PFL, nono, com o ex-vice-presidente Aureliano Chaves.
A campanha do segundo turno foi longa, durou mais de um mês. Em 17 de dezembro de 1989, Fernando Collor reuniu 53% dos votos e foi eleito o primeiro presidente por voto direto, após 21 anos de ditadura militar. Sua eleição e, em 15 de março do ano seguinte, sua posse completaram a lenta caminhada do Brasil de volta para o poder civil e democrático.

rimeira eleição direta para presidente após o regime militar teve 22 candidatos; Fernando Collor foi eleito no segundo turno