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Brasil registra por hora 5 estupros de crianças de até 13 anos

Quadro dramático foi tema de palestra da presidente do Instituto Liberta, Luciana Temer, no Espaço Democrático

 

A advogada Luciana Temer: números mostram que são as crianças e adolescentes as maiores vítimas do estupro no Brasil

 

 

Redação Scriptum

 

A mais recente edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que compila dados de 2024, revela a tendência de crescimento dos registros oficiais de estupro de vulnerável, como a lei define qualquer tipo de relação sexual, consentida ou não, com crianças de até 13 anos. Presidente do Instituto Liberta, organização não-governamental que se dedica ao enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, a advogada e doutora em Direito Constitucional Luciana Temer alerta para um quadro dramático: hoje, são registrados cinco estupros por hora contra menores de até 13 anos no Brasil. Há oito anos à frente do Liberta, criado pelo empresário Elie Horn, em 2017, Luciana falou sobre o tema nesta segunda-feira (28), na reunião semanal do Espaço Democrático – a fundação para estudos e formação política do PSD.

Segundo a edição do Anuário que acaba de ser publicada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2024 foram registrados 87.545 estupros no Brasil, dos quais 67.204 contra vulneráveis, o equivalente a 76,76% dos registros em boletins de ocorrência. “E o estupro de vulnerável subiu proporcionalmente mais do que o índice de estupro em geral”, aponta Luciana, que lembra uma particularidade importante nos dados: “Embora a tipificação do estupro de vulnerável seja de 2009, só dez anos depois, em 2019, foi possível separar nos registros do total de estupros, pela primeira vez, aqueles das vítimas que eram vulneráveis, pois os boletins de ocorrência não faziam esta distinção”. Na época, constatou-se que do total de ocorrências, 57% eram contra menores de 14 anos.

Esses levantamentos, segundo Luciana são reveladores. “Mostram que apesar da gravidade da violência contra a mulher, do feminicídio, são as crianças e adolescentes as maiores vítimas do estupro no Brasil”. Do total de vítimas vulneráveis, 83,22% são meninas e 16,78%, meninos. A maioria dos registros de meninas, aponta ela, está entre os 10 e 13 anos de idade; dos meninos, entre os 5 e 9 anos. “E a subnotificação é grande, estimamos que só há registro de 10% do que de fato acontece”.

Para a presidente do Liberta, há dois mitos que precisam cair. “O primeiro deles é que a violência sexual contra crianças e adolescentes está concentrada só nas classes de alta vulnerabilidade social; não é assim, está em todas as classes”, aponta. O segundo é entender o que é a pedofilia e a sua relação com a violência sexual. “É um transtorno reconhecido inclusive pela OMS (Organização Mundial da Saúde), é a atração irresistível por menores impúberes, doença que deve ser tratada, medicada, mas não podemos deixar de destacar que o pedófilo, o doente, pode praticar um crime”.

Ela cita um estudo conduzido pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (SP), com homens presos por abuso sexual em São Paulo, segundo o qual menos de 20% dos que praticaram violência sexual contra crianças podiam ser diagnosticados com o transtorno mental da pedofilia. “Menos de 20%, significa que não estamos falando de uma doença, mas de uma cultura; significa que, de alguma maneira, a sociedade permite essa prática, seja com o silêncio, seja em desacreditar o que aconteceu em certos âmbitos”, diz. “Quando o ex-presidiário é acusado de abusar da sobrinha, todos acreditam, mas quando um médico ou advogado é acusado, ninguém acredita; parece haver um estereótipo sobre quem é capaz ou não de cometer”.

Ela explica que parte da violência cometida contra vulneráveis é praticada por pessoas que estão totalmente inseridas no meio social. “Não são pedófilos, mas se sentem autorizados inclusive pelo poder que exercem, seja na relação interfamiliar, religiosa, como professor, e embora a maioria dos casos seja de homens, há mulheres também, e a violência praticada por elas não é enxergada na sociedade”.

Exploração sexual

Luciana analisou também a questão da exploração sexual de crianças e adolescentes. Segundo ela, não é um fenômeno que pode ser justificado apenas pela miséria. “Se dá também por meio de uma sociedade capitalista, que gera o desejo de consumo”, diz. A exploração sexual é definida legalmente como qualquer relação entre um adulto e um adolescente entre 14 anos e 18 anos em troca de algo.

Os números são muito subnotificados no Brasil. Ela relatou que a Polícia Rodoviária Federal tem um projeto que mapeia pontos vulneráveis de exploração sexual em rodovias brasileiras. “O último levantamento mapeou mais de 17 mil pontos, 9 mil dos quais classificados como extremamente vulneráveis, mas no último Anuário há registro de apenas 1.200 ocorrências no Brasil todo em 2024”.

A gravidez precoce, segundo Luciana responsável por 18% dos casos de evasão escolar, é um vetor da exploração sexual. “A menina engravida, sai da escola, não tem inserção no mercado de trabalho e fica sujeita à violência”, explica. “E não é só a miséria, há ainda o desejo de consumo despertado nos adolescentes: meninas querem trocar o celular, meninos que vão para o tráfico para comprar um tênis novo”.

Associada a esse quadro há a violência sexual on-line, intensificada depois da pandemia do Coronavírus. “Quanto maior a privacidade das crianças, mais fácil alcançá-las”, diz ela. “E a sociedade só começou a falar de violência on-line porque ela chegou às classes mais altas”. Para Luciana, o caminho é a educação nas escolas. “Prevenção não resolve tudo, mas uma boa parte, sim; é preciso falar, a partir da adolescência, de sexualidade responsável e saudável”, defende. “E precisamos discutir essa cultura que vem sendo construída coletivamente ao longo dos anos”.

Participaram da reunião semanal do Espaço Democrático, coordenada pelo jornalista Sérgio Rondino, o gestor público e empresário Andrea Matarazzo, o superintendente da fundação, João Francisco Aprá, os economistas Luiz Alberto Machado e Roberto Macedo, o cientista político Rogério Schmitt, o sociólogo Tulio Kahn, o gestor público Mário Pardini, o professor pós-doc da USP José Luiz Portella, o médico sanitarista e ambientalista Eduardo Jorge, o advogado Roberto Ordine, a secretária do PSD Mulher nacional, Ivani Boscolo, o coordenador nacional de Relações Institucionais da fundação, Vilmar Rocha, e o jornalista Eduardo Mattos.


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