
Reunião semanal de colaboradores do Espaço Democrático
Redação Scriptum
A guerra comercial deflagrada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode ser uma oportunidade para o Brasil aumentar o seu apetite por acordos comerciais bilaterais com o resto do mundo. A avaliação foi feita pelo professor e coordenador do núcleo de Estudos Globais da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, Lucas Ferraz, na reunião semanal do Espaço Democrático – a fundação para estudos e formação política do PSD – nesta segunda-feira (14). O tarifaço de Trump voltou a dominar os debates da fundação, desta vez com foco no impacto e nas perspectivas para o Brasil.
O cenário é de crise, mas há oportunidades. Segundo Ferraz, o apetite por novos acordos aumentou no mundo em função do tarifaço. “Observamos a União Europeia negociando novas frentes com Índia, Indonésia e Vietnã, por exemplo; há muitos movimentos no xadrez internacional do comércio”, disse. Assim, o professor da FGV considera que se o Mercosul fosse um bloco mais dinâmico poderia aproveitar essas oportunidades. “O Mercosul tem um acordo com o Canadá paralisado; outro com o México também parado; o Brasil precisa se movimentar”. Ele considera, porém, que com Luiz Inácio Lula da Silva de um lado e Javier Milei de outro, tudo fica mais complicado. “Falta alinhamento político entre os dois, e nós sabemos que o Mercosul só anda quando há alinhamento entre Brasil e Argentina”, afirma.
Ferraz considera que há um problema estrutural grave na política de comércio exterior do Brasil: os poucos acordos comerciais que temos travam a diversificação. “É um problema estrutural, do governo e também do setor privado”, disse. Ele lembrou que só recentemente o País parece ter acordado para a necessidade de maior inserção. “O presidente Lula foi para a Ásia e falou em acordos com o Japão, o Vietnã e a Índia, que é o país que mais cresce no mundo há alguns anos”. Ele destacou que o Brasil tem hoje um acordo de 400 linhas tarifárias com a Índia, “mas há mais de 10.300”.
Para ele, falta visão estratégica para a Ásia. “O Ocidente desenvolvido, Estados Unidos e União Europeia, são muito protecionistas no agronegócio, por isso, quando falamos de diversificar riscos e aumentar a gama de países de destino dos nossos produtos, precisamos olhar para a Ásia”. O professor da FGV enxerga, porém, um entrave que precisa ser superado neste processo. “Exportamos commodities para a Ásia e importamos produtos manufaturados e isso gera um problema de economia política nas negociações: a indústria brasileira não gosta de acordos comerciais com a Ásia porque teme a competitividade dos produtos manufaturados de lá, que são baratos”. Para ele, se o caminho for a diversificação do destino para os produtos do nosso agronegócio, o caminho é a Ásia. “Ainda que um ou outro setor se sinta desconfortável”.
E a necessidade de diversificação é grande. Ferraz apontou que a concentração da pauta brasileira para a China pode ser um risco para o País – hoje, mais de 70% de tudo o que exportamos para o país asiático é de soja, petróleo e minério de ferro. “Seria importante que mesmo para a China o Brasil tivesse uma pauta mais diversificada”, defendeu.
No contexto das oportunidades trazidas pela guerra comercial americana, Ferraz, que em 2019 participou das primeiras reuniões de negociação do acordo Mercosul-União Europeia como secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, acredita que as possibilidades de sucesso aumentaram. “Desde 2019 a França se opunha ao acordo e hoje, mesmo que seja resistente, não terá quórum para bloquear, o que significa que as chances aumentaram muito”.
Outro ponto citado por Ferraz, no qual o Brasil pode se destacar, é a agenda verde, que não vai parar apesar da oposição de Donald Trump. “É uma agenda permanente e o Brasil tem claras vantagens comparativas, mas precisamos investir nas oportunidades que temos porque nos vendemos muito mal lá fora”, pontuou. “O Brasil não é bom em promoção comercial, em promoção da atração de investimentos; o Chile tem 19 milhões de habitantes e metade do PIB do Estado de São Paulo, mas tem 55 escritórios internacionais de promoção, enquanto São Paulo tem quatro e a APEX (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) só 12”.
O economista Felipe Salto afirmou que o Brasil pode se beneficiar do tarifaço de Trump, mas lembrou que o desafio interno é imenso. “Crescemos quase 7% no acumulado de dois anos, mesmo com o monte de bobagens da política econômica, então imaginem se tivéssemos organizado as contas públicas, retomado a política de superávits primários e se a dívida pública estivesse estacionada em relação ao PIB”. Segundo ele, “vários governos brasileiros deixaram de lado o desenvolvimento acreditando que a estabilização seria suficiente, e assim as atividades de planejamento orçamentário e fiscal foram deixadas de lado”. Relembrando uma frase do também economista Andrea Calabi, inspirada no filósofo estoico Sêneca, disse: “Não há vento bom para nau sem rumo”.
Participaram da reunião semanal do Espaço Democrático os economistas Felipe Salto, Luiz Alberto Machado e Roberto Macedo, os cientistas políticos Rubens Figueiredo e Rogério Schmitt, o sociólogo Tulio Kahn, os gestores públicos Mário Pardini, Januario Montone e José Luiz Portella, o médico sanitarista e ambientalista Eduardo Jorge, o advogado Roberto Ordine, a secretária do PSD Mulher nacional, Ivani Boscolo, e os jornalistas Eduardo Mattos e Sérgio Rondino, coordenador de comunicação da fundação do PSD.