Edição Scriptum com Folha de S.Paulo
O governo provavelmente conseguirá fechar as contas dentro da meta em 2024, mas atingir o déficit zero este ano vai exigir um grande aperto. “Será necessário o contingenciamento de cerca de R$ 40 bilhões”, avalia Felipe Salto, ex-diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, ex-secretário de Fazenda do Estado de São Paulo e atualmente economista-chefe da Warren Investimentos e colaborador do Espaço Democrático. Em entrevista a Julio Wiziack, editor do Painel S.A., da Folha de S. Paulo, Salto disse que a economia deve sofrer desaceleração este ano, devido ao aperto forte dos juros. Leia a íntegra da entrevista, publicada na edição de 10 de janeiro da Folha.
O déficit fiscal de 2024 ficará acima do limite previsto no arcabouço fiscal?
A meta fiscal foi cumprida porque os gastos com o Rio Grande do Sul devem ser descontados, pois foram feitos a título de crédito extraordinário, como prevê a Constituição. O governo conseguiu um feito importante, porque o déficit melhorou significativamente após ter encerrado em mais de 2% do PIB em 2023.
Mas, para a dívida pública, os gastos extraordinários são importantes, não?
Sim. Foram enviados R$ 21,8 bilhões para o RS. Para a dívida pública, o que importa é o déficit de 0,4% do PIB. Mas, para a meta, tem de descontar esse valor.
Qual sua projeção para o resultado primário deste ano?
Estimamos atualmente que o déficit deva ficar em torno de 0,8% do PIB. Mas o governo não escapará de um contingenciamento orçamentário relevante após a aprovação do orçamento. Alguns têm falado sobre a execução limitada neste começo de ano em razão da não aprovação do Projeto de Lei Orçamentária Anual, mas o mais importante é ver a disposição de cortes após a aprovação. Entendo que, para cumprir a meta será preciso contingenciar algo como R$ 40 bilhões em 2025. É desafiador.
Com mais um déficit em 2025, serão três anos da atual gestão no negativo. Na sua visão, essa será a tônica do terceiro mandato de Lula?
O erro do governo atual foi abrir muito a mão em 2023. O déficit foi grande e a PEC da Transição viabilizou isso. Em 2024, houve uma política mais rigorosa. O desafio agora é retomar a geração de superávits primários. Com a economia desacelerando, isso fica mais difícil porque o PIB também ajudou a receita em 2023 e 2024.
Afinal, no ano passado, o mercado exagerou na reação às medidas anunciadas por Haddad?
O mercado e o Estado têm de respeitar um ao outro e ler corretamente as ações do outro. O governo errou ao comunicar-se mal, misturando a questão do Imposto de Renda com o anúncio do pacote de cortes de gastos. Já o mercado exagerou nas avaliações sobre o rumo da política fiscal. Não estamos em uma crise de solvência.
Mas a situação é preocupante?
A economia deve sofrer alguma desaceleração devido ao aperto forte dos juros. O problema do país está no déficit nominal grande, de 9,5% do PIB, quando incluídos os juros. Isso vai mudar quando promovermos uma reforma orçamentária de maior fôlego. Até 2026, não vejo espaço para isso. Devemos seguir um certo padrão de política do feijão com arroz.
O que o governo pode fazer para passar mais confiança para o mercado?
Tem de reforçar o pacote fiscal e avançar sobre os gastos tributários, revisando um por um. É preciso também rediscutir a vinculação orçamentária da Saúde, além de reverter essa subida dos percentuais de contribuição do Fundeb [Fundo da Educação Básica]. As emendas parlamentares constituem outro flanco. O ministro [do STF] Flávio Dino deu uma colaboração fundamental ao colocar o mínimo de ordem nas emendas, mas ainda há muito por ser feito. O Congresso precisa entender que o dinheiro acabou.
A arrecadação federal atingiu níveis recordes no ano passado. Ainda tem como levantar mais receitas?
O maior acerto do Haddad foi na arrecadação. Mas é preciso mexer mais nas renúncias fiscais. Os gastos tributários superam meio trilhão de reais. Não dá para ter ajuste fiscal sem modificar a sério essa questão.