Redação Scriptum
A legislação que regulamenta a operação das empresas de apostas on-line no Brasil, que se tornou conhecida como a Lei das Bets e entra em vigor no mês de janeiro, parece ter se preocupado mais com os aspectos financeiros e econômicos da questão que com o impacto sobre a saúde das pessoas, especialmente aquelas das faixas socioeconômicas mais baixas. A avaliação é do doutor em Psiquiatria Hermano Tavares em entrevista para o programa Diálogos no Espaço Democrático, produzido pela fundação de estudos e formação política do PSD e disponível em seu canal de YouTube.
Criador do Programa Ambulatorial do Jogo Patológico (PRO-AMJO), do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), Tavares dá uma razão muito objetiva para explicar a sua análise: “A lei destina 1% do recolhimento para o Ministério da Saúde e este 1%, que é insuficiente e irrisório, vai cair no Ministério da Saúde e sabe-se lá se vai ser usado especificamente para tratamento do jogador compulsivo, ou para prevenção, ou para a capacitação da rede”, diz. “A demanda de tratamento nunca encontrará a oferta que precisa”.
Entrevistado pelo gestor em saúde Januario Montone e pelos jornalistas Eduardo Mattos e Sérgio Rondino, coordenador de comunicação do Espaço Democrático e âncora do programa de entrevistas, o psiquiatra lembrou que esta não é a primeira vez que o Brasil passa por um surto como este. Nos anos 1990 havia muitas pessoas jogando demais e o País teve uma epidemia de transtorno do jogo. “Houve o acesso amplo e facilitado ao jogo, sobretudo às máquinas caça-níqueis, que foram incluídas indevidamente na lei do bingo através da definição de máquinas de vídeo bingo”, lembrou ele, destacando que a criação do PRO-AMJO se deu naquele período, quando não havia serviços especializados. “A história está se repetindo: estamos soterrados pela demanda de pessoas com problemas com o jogo; a demanda não vai aumentar, ela já aumentou e estamos lidando com o problema”.
Uma das muitas críticas que Tavares faz à legislação refere-se à propaganda. Segundo ele, há estudos que embasam a tese segundo a qual a limitação da publicidade tem efeito positivo na regulação e no controle. “Em países que limitaram a publicidade vemos algum controle da situação”, disse. “Sabemos que indivíduos mais jovens tem vulnerabilidade maior, por isso proibimos a publicidade para menores de idade”. Segundo ele, esta proibição é feita no mundo todo para tabaco e álcool, que são conhecidos formadores de hábito, como acontece com as apostas. “E os produtos formadores de hábito, em combinação com pessoas vulneráveis, são muito difíceis de controlar, causam compulsão, dependência, vício”.
Tavares defende que a questão seja discutida de maneira técnica, responsável e multidisciplinar. “É preciso discutir com profissionais de várias áreas: juristas, economistas, técnicos de computação e profissionais da saúde especializados na área de compulsividade para o jogo”, afirma. “Com esse conhecimento reunido será possível montar os mecanismos de identificação das atividades estranhas, que fogem a um simples ato recreativo de fazer apostas esporadicamente”.