Redação Scriptum
A comemoração dos 30 anos do Plano Real, experiência única no mundo e que corrigiu os rumos da economia brasileira, é o tema da mais recente edição da série Cadernos Democráticos, já disponível para download gratuito no site da fundação para estudos e formação política do PSD. A publicação traz a íntegra da entrevista do economista Persio Arida, um dos artífices do plano.
Na entrevista aos economistas Roberto Macedo e Luiz Alberto Machado, ao cientista político Rogério Schmitt, ao ex-deputado e coordenador de Relações Institucionais do Espaço Democrático, Vilmar Rocha, e ao jornalista Sérgio Rondino, âncora do programa de entrevistas, Arida contou não só como foi concebida a ideia do Plano Real, mas também algumas histórias de bastidores de alguns dos principais personagens envolvidos no projeto.
Economista formado pela USP, ele tem doutorado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), lecionou na própria USP e na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), período durante o qual ele e André Lara Rezende, a quem havia conhecido no MIT, estudaram profundamente a hiperinflação brasileira e desenvolveram a Teoria da Inflação Inercial.
Foi a partir dela que desenvolveram a ideia de uma reforma no sistema monetário por meio da criação de uma moeda nova, que circularia junto com a da época, o cruzeiro, que aos poucos seria abandonado. A ideia passou a ser conhecida como Plano Larida (acrônimo dos nomes dos dois economistas) e poderia ter sido colocada em prática oito anos antes, em 1986, no governo de José Sarney, quando foi criado o Plano Cruzado.
Inflação
Apesar do fracasso do Plano Cruzado, que parece ter incutido na classe política o conceito equivocado de que era necessário o congelamento de preços para segurar a inflação – foi assim em todos os planos de estabilização que vieram a seguir, Bresser, Verão, Collor 1 e Collor 2 – o economista acredita que a experiência parece ter fixado no imaginário coletivo a ideia de que era possível, ainda que temporariamente, estancar o processo inflacionário. “A inflação, entre os planos de estabilização, passou a ter uma dinâmica de expectativa pura: o empresário sabia que se ela subisse teria de enfrentar congelamento e aumentava os preços preventivamente – e sempre que a inflação subia os políticos queriam fazer outro congelamento, era a forma de manter a popularidade”, explicou.
Este cenário só foi alterado quando Marcílio Marques Moreira assumiu o Ministério da Fazenda, depois de Fernando Collor ter desistido dos planos de estabilização. “A gestão do Marcílio foi a do bom senso, anunciou que não haveria plano, nem congelamento, e assim a inflação deixou de ter esse caráter de expectativa para voltar a ser inercial, ou seja, as condições para a implementação do Plano Larida voltaram”.
Na entrevista, Arida falou sobre três dos principais personagens que estiveram envolvidos no processo de criação do Plano Real: o presidente Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e o embaixador Rubens Ricupero, que estava à frente do Ministério da Fazenda quando o plano foi implementado.
Fernando Henrique, segundo ele, tem um papel que define como “extraordinário” no processo. “Ele bancou a ideia que, se desse certo, lhe daria capital político excepcional, e se desse errado, seria o seu funeral político”, avalia. “O fato de ele ser um intelectual fez toda a diferença, mas Fernando Henrique também era um político, senador, tinha certa ascendência sobre o Itamar, que o respeitava muito, e muita sabedoria na conversa”, conta. “Fui com ele várias vezes conversar com o presidente, na Câmara, no Senado e ele conduzia a conversa com jeito único”.
Dos personagens que se colocaram contra o Plano Real, Arida rememorou uma conversa que teve com o então deputado federal em primeiro mandato Jair Bolsonaro. Ele quis saber se os salários dos militares teriam reajustes reais. “Eu respondi que não e, quando tentei explicar a razão, ele disse que aquilo era o suficiente: ia votar contra, e assim fez”.
Futuro
Olhando em perspectiva, Arida acredita que o controle da inflação no Brasil do século 21 está intrinsecamente ligado ao sistema democrático. “A inflação em 1970 (durante a ditadura) era de 12% ao ano e em 1980, 10 anos depois (ainda na ditadura) era de 100%; em um sistema democrático, se passasse de 12% para 100%, pode ter certeza de que o governo já teria caído”, diz. “O grande sustentáculo da estabilidade de preços é a opinião pública e no regime democrático, se o presidente deixar a inflação correr solta, não vai ser reeleito, o partido dele não vai se dar bem na eleição”.
Arida destaca, porém, outras inquietações que diz ter. “Há um processo de empoderamento do Legislativo, e um processo de judicialização da política que estão tornando o País muito disfuncional”, aponta. “Territórios viraram Estados, Estados foram divididos e com isto ocorreu uma disfuncionalidade de representação enorme – na prática, Norte e Nordeste controlam o Senado e pelo teto controlam a Câmara”. Segundo ele, “há situações institucionais que preocupam, além das econômicas, mas sobre a estabilidade de preços estamos bem porque é um valor público”.