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Taxonomy - Destacão

Prometer pouco e cumprir muito pode transformar o País

Que saudade de Juscelino, que cumpriu mais de 82% do seu plano de metas, escreve Samuel Hanan

  Samuel Hanan, ex-vice-governador do Amazonas, engenheiro especializado em economia e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum   A proximidade das eleições municipais é um momento propício para uma reflexão necessária dos brasileiros. Porque em todas as esferas – federal, estadual e municipal – o Brasil vive uma tradição muito nefasta dos candidatos: prometer muito e cumprir pouco. Tomemos como exemplo as promessas e propostas dos candidatos à presidência da República nas últimas eleições. Em geral, prometeu-se unir o povo brasileiro – portanto um governo de unidade nacional –, governar para todos, não aumentar impostos, reduzir as desigualdades regionais e sociais, melhorar a educação (pois sem ela não há salvação), e combater a corrupção. Chegou-se a falar que os corruptos seriam sumariamente afastados de seus cargos e seus malfeitos encaminhados ao Ministério Público e à Justiça. Prometeu-se, ainda, ampliar os programas sociais, especialmente o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continua (BCP), e respeitar as conquistas das aposentadorias e pensões. Tudo soou maravilhoso, no entanto o que se vê na prática são comportamentos iguais, promessas iguais e com data de vencimento: a data da eleição. Nossos políticos levam ao pé da letra o que escreveu o austríaco Sigmund Freud (1856-1939), criador da psicanálise: “As massas nunca tiveram sede de verdade. Elas querem ilusões e não vivem sem elas”. Fechadas as urnas, apurados os votos e empossados os eleitos, tudo muda. Não se vê nenhuma ação efetiva no sentido de unir a classe política e o povo brasileiro. Pelo contrário: a prática comum é eleger vilões, imputando a eles todas as dificuldades do governo. A “herança maldita” é a desculpa recorrente. Quem está no cargo jamais admite qualquer parcela de responsabilidade pelo insucesso da gestão ou pelo não cumprimento do que foi distribuído por sua fábrica de ilusões. Não quer enxergar que não se une um país retirando os direitos de muitos para manter – e, se possível, ampliar – os privilégios de poucos. O governo federal atual, por exemplo, escolheu como primeiro vilão o presidente do Banco Central – que possui autonomia – e os banqueiros controladores dos maiores conglomerados do sistema financeiro nacional, acusados de serem os grandes responsáveis pelas elevadíssimas taxas de juros, responsáveis por tirar do caixa do governo cerca de R$ 800 bilhões por ano. São apontados como inimigos do povo. O governo também elegeu dentre os vilões preferidos os cidadãos ricos e super ricos que não gostam e nem querem pagar tributos. São tratados como egoístas e insensíveis às necessidades da população, apesar de o governo ter aumentado tributos em mais de 50% nos últimos 35 anos, elevando a carga tributária de 22,3% para o patamar de 33,5% e 34% do Produto Interno Bruto (PIB), o que dá ao Brasil a 14ª posição dentre os maiores cobradores de impostos do mundo. Porém, não bastou. São igualmente vilanizados os empresários que vivem reclamando do governo, mas gozam dos benefícios fiscais concedidos pelo mesmo governo que criticam. São personalidades sempre muito ativas no Congresso Nacional e frequentadores de gabinetes de ministros, buscando por mais privilégios e reclamando novas renúncias fiscais – benefícios que retiram recursos do governo na ordem de 4,8% do PIB, o correspondente a R$ 550 bilhões por ano. O Brasil precisa, urgentemente, aprender a desmitificar as mentiras propagadas amiúde pelos maus governantes. Não é real que o presidente do Banco Central, o Comitê de Política Econômica (Copom) e os grandes banqueiros são os responsáveis pelas elevadas taxas básicas de juros (Selic). Essa situação é consequência da má gestão dos governos dos últimos 25 anos, que optaram pela farra de financiar o gigantismo do Estado nacional com privilégios insuportáveis e com gastos superiores às receitas, gerando déficits nominais da ordem de 8,89% do PIB, ou R$ 967 bilhões/ano, conforme dados de 2023 do Banco Central do Brasil. Vale lembrar que um ano antes, em 2022, o déficit foi de R$ 480 bilhões. Ou seja, o governo atual dobrou o déficit nominal, revelando pouca preocupação com o tamanho do rombo e ignorando suas consequências. Nem é necessário ser um prêmio Nobel de Economia para saber que todo déficit precisa ser coberto por meio de refinanciamento junto ao sistema bancário e que a simples incorporação dos juros ao estoque da dívida implicará em mais dívida e mais juros a serem pagos. Também fica claro que o gigantesco déficit não foi originado do crescimento de investimentos públicos, tampouco em melhor remuneração dos professores, dos profissionais da saúde, e dos membros da segurança pública, merecedores de proventos mais dignos. A origem, sem dúvida, está na gastança com os privilégios dos donos do poder. Há outro aspecto a ser considerado. Hoje a taxa básica de juros da Selic é de 10,50% ao ano (em reais). Já a taxa de juros preferenciais dos títulos do tesouro norte-americano está no patamar de 5,50% ao ano (em dólar). A taxa de juros no Brasil também é agravada pela taxa do risco Brasil, estabelecida pelos credores e investidores internacionais. No caso brasileiro, essa taxa flutua entre 1,35 p.p. e 1,45 p.p.. E ainda existe um terceiro componente considerado na fixação da taxa de juros: a inflação interna, de 3,8% a 4% ao ano. Fácil concluir, portanto, que não existe nenhum ato hostil, nem do BC, nem dos bancos. Existe, sim, um descontrole dos gastos do governo que tem superado em muito as receitas. Isso gera um aumento do endividamento, com a colaboração das expectativas futuras em relação ao País e ao cenário mundial, ambas avaliadas como não favoráveis. Sobre o falso argumento de ricos e super-ricos não gostam e não querem pagar tributos, é necessário ponderação. É fato que esses não gostam, porém pagam tudo o que a legislação estabelece. Não há no Brasil desobediência fiscal. Questão mais grave está nos governos que tributam muito e preferem cobrar mais do consumo e do emprego do que dos rendimentos do trabalho e do capital, bem como dos dividendos recebidos pelos investidores. A reforma tributária, em fase de regulamentação no Congresso, apesar de aplaudida por muitos, repete parcialmente os mesmos vícios do passado. O tempo mostrará que teremos uma das duas maiores alíquotas do mundo em tributos sobre consumo – o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – que devem ficar na faixa de 26% a 28% do bem ou produto. Uma aberração para um país com população majoritariamente de baixa renda (60% da população tem renda inferior a um salário mínimo). Olhando para trás, vemos que, até a Constituição Federal de 1988, a carga tributária brasileira era da ordem de 22% a 23% do PIB, depois majorada para 27,28% em 2001 e hoje já próxima de 34% do PIB. Ou seja, em apenas 35 anos os tributos foram elevados em mais de 50%. Conclui-se, portanto, que os verdadeiros culpados são os governos, porque cobram muito (34% do PIB) e cobram mal (tributos regressivos sobre consumo de 25% a 28% do valor do produto comercializado) e sobre o emprego, uma vez que o Brasil tem encargos previdenciários e trabalhistas entre os mais elevados do mundo. Cobram muito para manter privilégios absolutamente condenáveis e para assegurar o gigantismo da ineficiente máquina pública. Sobre a terceira inverdade citada, vemos que empresários com presença atuante no Congresso Nacional e nos gabinetes dos ministros de Estado – alguns até no gabinete do Palácio do Planalto – têm conseguido obter do governo central benefícios fiscais e renúncias fiscais (hoje chamados de gastos tributários da União) concedidos sem nenhuma correlação com a redução das desigualdades regionais e sociais, que é seu verdadeiro papel constitucional (arts 43 e 151 da CF/88). Recentemente, o presidente da República disse em pronunciamento estar chocado com o tamanho da renúncia fiscal da União, cujo valor supera R$ 520 bilhões (em valores de 2023) e sufoca o caixa do governo. É, de fato, motivo de choque para qualquer gestor público que se preze. É inadmissível o governo federal renunciar a cerca de 4,8% do PIB, retirando, com isso, recursos que poderiam ser direcionados para a redução do déficit público anual e para a melhoria dos serviços públicos essenciais à população. Esse erro não é novo, mas segue se agravando. Em 2002 (último ano de governo de FHC), a renúncia fiscal era de 1,47% do PIB. No ano seguinte, mais que dobrou, atingindo 3,60% em 2015, no final do governo Dilma Roussef, já chegava a 4,33% do PIB. Hoje, está perto de 4,80% do PIB. O governo federal tem, portanto, motivos de sobra para se espantar com esses números. No entanto, se fizesse o mea-culpa partidário concluiria que os governos Lula e Dilma muito contribuíram para a inadmissível ampliação das renúncias que, se cortadas pela metade, dariam ao governo uma folga superior a R$ 260 bilhões/ano. Parte dessa renúncia, aliás, é ilegítima e contrária a comando constitucional estatuído nos artigos 3º, 43, 151 e 165 (parágrafos 6º e 7º). Isso porque de 60% a 65% do valor renunciado anualmente tem como favorecidos os contribuintes-empresários estabelecidos nas duas regiões mais desenvolvidas do País, contribuindo para aumentar o fosso existente entre as regiões Sul e Sudeste e as regiões Norte e Nordeste. Isso também não tem contribuído em nada para melhorar a distribuição de renda no País, vez que o Coeficiente Gini em 2023 mostrou o Brasil ocupando apenas a 30ª colocação entre os 30 países com maior carga tributária no planeta, o lanterna. Também não encontra respaldo na realidade o discurso de que o governo está melhorando a qualidade de vida e aumentando a renda das classes menos favorecidas, exceto, nesse caso, pela concessão de benefícios sociais de caráter efêmero. Da mesma forma, não se pode dizer que há atuação para a redução da disparidade absurda na renda dos cidadãos do Norte e Nordeste comparados com os brasileiros do Sul e Sudeste. Diferentemente das promessas, até agora não se vê nenhuma ação governamental concreta na direção prometida. Assim, permanece a dura realidade da renda média dos trabalhadores das regiões Norte e Nordeste ser de 30% a 36% menor que a média nacional, segundo dados oficiais. O Brasil continua sendo um país de cidadãos pobres. Mais de 60% das pessoas vivem com renda média mensal inferior a um salário-mínimo (R$ 1.412,00, brutos) e cerca de 92% a 94% dos brasileiros têm renda média mensal bruta inferior a três salários-mínimos, ou R$ 4.236,00. Em outra questão nevrálgica para a população, a violência urbana, os recursos financeiros e as ações anunciadas desde 2023 ainda não produziram resultado prático. Segundo estudo do IEP – Institute for Economic and Peace (em português, Instituto para Economia e Paz), mesmo não estando em guerra com outros países, é visto como uma das nações mais perigosas do mundo. Isso porque vivemos uma guerra civil, graças à criminalidade acentuada pelo tráfico de drogas e armas e por cerca de 70 organizações criminosas que o Estado não consegue combater. O IEP analisou dados de 163 países e colocou o Brasil na indesejável posição nº 131 no ranking de segurança pública. Na América do Sul, somente Venezuela e Colômbia são vistos como menos seguras que o Brasil, recordista mundial em números absolutos de homicídios (dados de 2023). Isso é um grande obstáculo para o desenvolvimento do País. Recente estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) revela que se a taxa nacional de homicídios convergisse para a média global, a economia brasileira poderia experimentar crescimento adicional de 0,6% do PIB, equivalente a R$ 70 bilhões. O mito da competitividade alardeada pelo vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços ainda não se concretizou. Nada se verificou de ações eficazes em relação a programas de melhoria de competitividade nos setores produtivos nacionais. Há cinco anos consecutivos o Brasil permanece entre os 10 países menos competitivos no ranking global. Matéria da revista Exame mostrou que, segundo o I.M.D. – Instituto for Management and Development (em português Instituto de Gestão e Desenvolvimento), sediado na Suíça, em 2024 o Brasil caiu duas posições em relação à colocação de 2023. Nesse ranking, o País ocupa apenas a 62ª posição, seguido de Gana (65º), Argentina (66º) e Venezuela (67º). Definitivamente, não temos do que nos orgulhar. As promessas de campanha vão se acumulando sem serem cumpridas. Enquanto isso, o Brasil vai somando derrotas mundiais em indicadores importantes. Apesar disso, é preciso ser otimista porque não faltam recursos financeiros e a honestidade ainda é o maior legado que um pai pode deixar para sua família e um governante, ao seu país. Foi o que ensinou o dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616): “Nenhuma herança é tão rica quanto a honestidade”. Para transformar o País, nossos governantes precisam, antes de tudo, mudar o comportamento. Os brasileiros terão um país muito melhor se os governos aprenderem a prometer pouco e cumprir muito. Que saudade de Juscelino que cumpriu mais de 82% do seu plano de metas.   Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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As quatro polarizações nas eleições de São Paulo

Cientista político Rubens Figueiredo analisa o cenário de campanha eleitoral na maior cidade do País

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Presentes

Um presidente, um ex e dois relógios. O que vai acontecer com eles? Para José Paulo Cavalcanti Filho, no Brasil de hoje tudo é possível

José Paulo Cavalcanti Filho, jurista e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras Edição Scriptum   1991. O primeiro Secretário da Câmara dos Deputados, Waldir Pires, pediu que redigisse um Código de Ética para a Casa. Estudei todos os similares no Primeiro Mundo. Com regras sobretudo em relação ao dinheiro público. No capítulo dos presentes, defini aquilo que era prática usual nesses países: 1. Como regra, parlamentares não podem receber presentes do público. Nem ver pagos, por terceiros, jantares ou eventos. 2. Exceções: 2.1. Presentes cujo valor não excedam 1/10 do salário básico do parlamentar. 2.2. Presentes de caráter pessoal, mesmo além desse valor, como quadros quando pintados por algum amigo. Mas só quando o autor não tiver interesse em qualquer matéria que esteja sendo votada no Congresso. O texto nem chegou a ser aprovado. E, creio, talvez apenas por ser avançado demais para a época. Seja como for, ao menos com relação a esses presentes, devemos nos inspirar hoje nessas regrinhas, para casos similares. Por sua dimensão ética. Sobretudo por não haver, ainda, lei sobre a matéria. Com a matéria sendo regulada em portarias, apenas. Temos, agora, dois presidentes da República na berlinda. Um que foi e voltou a ser, outro que também foi e quer voltar (quase impossível, que nossos tribunais não vão deixar ‒ o que ele parece não perceber). Diferentes, mas parecidos. E os dois receberam presentes. Segundo o TCU, Lula e Dilma (ignoro a razão, mas o tribunal trata os dois como um conjunto) receberam 9.037 presentes, dos quais 716 foram extraviados. Lula, especialmente, deveria devolver 434 deles, sem que saibamos quais são. Permanecendo todos, hoje, em 11 containers sob a guarda do Instituto Lula, ao custo até esse ano de R$ 1,3 milhão, bancado pela OAS (sem que se perceba por qual razão uma empreiteira, que confessou ter pago propina no Petrolão, assume esses custos). No meio dos presentes, “Obras de arte e joias”, inclusive um relógio PIAGET. Já Bolsonaro recebeu 9.158 mimos; todos descritos, na internet, em uma relação detalhada. A maioria sem valor. Como 448 jornais, revistas e livros; 2.600 camisetas, sobretudo de times de futebol ‒ inclusive uma, do Timba, que imagino seja a mais valiosa de todas. Mais 618 bonés, 165 terços, 83 Bíblias, 65 copos, 42 toalhas de banho, um kit de vacina, um ursinho de pelúcia, por aí vai. Quase tudo sem expressão econômica. E mais, segundo a Polícia Federal, 18 itens de “alto valor”. Entre esses um “kit Chopard”, se entendi já devolvido. Aparentemente, falta só um relógio. Os presentes de valor modesto poderiam, os dois presidentes, fazer deles o que quisessem; mas os tais dois relógios ainda estão nas suas posses, ainda hoje. Cada qual com o seu. E agora?, eis a questão. Devolvam, o que seria melhor; ou permaneçam, caso assim venha de ser determinado pelas autoridades. Mesmo sabendo que, hoje, ditas autoridades são compostas em grande parte por amigos, parceiros, a companheirada, ou nomeados pelo partido no Poder. Com tribunais que nem sempre obedecem às leis. Chegando Bolsonaro, não é piada, a ser processado por “importunar uma baleia”. Seja como for, cumpra-se o due processo of law. Em um olhar isento, estão os dois condenados a andar juntos. O que chega a ser engraçado. Como se casados fossem. Única solução que não pode se dar, por ofender o mais comesinho bom senso, é um ficar com seu relógio e o outro ser preso por estar com um relógio similar. Em resumo, pois: ou vão os dois juntos para a cadeia, se for considerado apropriação indébita de patrimônio público; ou nada acontecerá, a qualquer deles. Único problema é que o Brasil anda meio imprevisível. Em fins de 1968 fui à França. Como sabia que os militares não mais me permitiriam estudar no Brasil, pensei ir para a Sorbonne. Cheguei a falar com seu reitor, Jean Roche. Mas ele desaconselhou. Ainda por conta da revolução de maio daquele ano, liderada por Cohn-Bendit, Dany le Rouge. A Universidade iria demorar para voltar a suas rotinas. Melhor ir para outro lugar (acabei em Harvard). E lembro de um muro que então vi em Paris, descendo da igreja do Sacré-Coeur na direção da Place de Terte, que dizia: “Il est trop tard; mais, au moi de Mai, tout est possible” (é tarde demais; porém, no mês de maio, tudo é possível). Pois é. No Brasil de hoje, senhores, tudo é possível. E seja o que Deus quiser.   Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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A aventura de explicar a vida

Rubens Figueiredo escreve sobre “A viagem do Beagle”, livro que traz os diários do naturalista Charles Darwin em sua jornada por América do Sul, Oceania e África

  Rubens Figueiredo, cientista político e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum   Os ângulos são múltiplos. Mas, de qualquer perspectiva que se analise, ficam claras a grandiosidade e a importância da jornada. O primeiro capitão do Beagle, Pringles Stokes, entrou em depressão e acabou se suicidando. O jovem capitão-tenente Robert FitzRoy assumiu o comando do navio, que faria uma expedição de quase cinco anos (1832-1836) percorrendo a América do Sul, Oceania e África, com direito à parada na Ilha de Santa Helena, perdida no meio do Oceano Atlântico. FiytzRoy queria a companhia de alguém mais ilustrado, com quem pudesse conversar durante a longa viagem. Por esse motivo, o naturalista Charles Darwin, então com 22 anos, foi convidado para participar do projeto. A bordo, 69 pessoas. Nessa viagem, o jovem cientista pode colocar em prática sua espantosa capacidade de observação, fazendo reflexões sobre os aspectos da geologia, botânica, zoologia e da cultura das novas terras e sociedades que ia conhecendo. O livro A viagem do Beagle (São Paulo, Edipro, 2024, 640 pgs), que contém os diários de Charles Darwin, envolve e fascina. É claro que, para os não versados em ciências naturais as descrições minuciosas, como as afirmações de que “o Struthio rhea habita a região do Prata até um pouco ao sul do Rio Negro, na latitude 41 graus, e que o petise ocupa seu lugar na Patagônia Meridional” (pg 143) podem parecer um tanto enfadonhas. O livro ganha rica dimensão quando ficamos sabendo que, entre os passageiros, estavam três indígenas que haviam sido levados para a Inglaterra em expedição anterior. Darwin descreve com riqueza de detalhes o reencontro de um deles com seu povo, fazendo análises bem profundas sobre a diferença entre o mundo civilizado e a estrutura social dos povos primitivos. Também vê atributos muito positivos entre os indígenas, como a capacidade de repetir longas frases do idioma inglês, absolutamente desconhecido por eles. Darwin demonstra um bom humor elegante em certas passagens. Escrevendo sobre sua estada no Rio de Janeiro, um dos mais importantes cientistas de todos os tempos dá a estocada: “Os brasileiros são tão hábeis com a faca que podem jogá-la a alguma distância com precisão e com força suficiente para causar um ferimento fatal. Vi vários meninos praticando essa arte como estivessem brincando, e, pela habilidade com um pedaço de madeira vertical, suas tratativas mais sérias eram promissoras” (pg 71). O texto mostra um Darwin enfeitiçado pelas nossas belezas naturais e, ao mesmo tempo, já de olho nas nossas especificidades sociais, como o tratamento desumano aos escravos e uma certa malandragem. Sobre o primeiro ponto, uma passagem poética resume tudo: “O ruído dos insetos é tão alto que se pode ouvi-lo mesmo em um navio ancorado a várias centenas de metros da costa; e ainda assim parece reinar um silêncio universal no meio da floresta” (pg 51). O autor considerava essa viagem, “de longe”, o acontecimento mais importante de sua vida e que determinou toda sua carreira. O que o impressionou mais foi a visão de um selvagem nu em sua terra natal. Darwin descobriu um mundo e criou a teoria que brincava de discutir com Deus. Na luta pela vida, as características mais bem adaptadas à sobrevivência são mais eficientes na reprodução. Persistem os mais aptos. “Simples” assim.     Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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