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Menos casamentos, mais divórcios

O cientista político Rubens Figueiredo comenta as novas tendências da sociedade e a importância do casamento para a saúde

Rubens Figueiredo, cientista político e colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
Definições bem humoradas não faltam. “Casamento é quando você descobre que tem a incrível habilidade de irritar alguém para o resto da vida”. Dizem também que “é uma relação na qual uma pessoa está sempre certa e a outra é o marido”.  E tem o segredo do casamento feliz: aceitar que você vai adorar muitas coisas na outra pessoa, mas o controle remoto não será uma delas.
Brincadeiras à parte, pesquisas revelam que as pessoas casadas vivem mais e são mais felizes. O Centro Médico da Universidade de Duke, nos EUA, fez um estudo com 4.802 indivíduos na faixa dos 70 anos com o objetivo de verificar a relação entre a taxa de mortalidade e o estado civil dos participantes. Os adultos solteiros tinham risco 2,3 vezes maior de morrer precocemente.
Há 85 anos a Universidade de Harvard faz um estudo sobre felicidade. Um dos fatores mais importantes para ter uma vida feliz e mais saudável é o casamento, que tem a ver com a diminuição do stress. Robert Waldinger, psiquiatra do grupo que coordena o trabalho, diz que “relacionamentos são como analgésicos”.
Recentemente, o IBGE divulgou o resultado de um levantamento mostrando que caiu o número de casamentos e aumentou a quantidade de divórcios no Brasil em 2022. Desde 2015, os registros de casamentos estão em queda: foram cerca de 167 mil casamentos a menos em sete anos. Outro achado é que, na união de pessoas de sexos distintos,  os cônjuges estão com idade mais elevada. Em 2022, 24,1% das mulheres que se casaram tinham mais de 40 anos. Entre os homens, o número bate 30,4%.
Já o número de divórcios tem aumentado, exatamente 8,1% em 2022 ante 2021. O tempo médio da duração do casamento também vem caindo. Em 2010, era de cerca de 16 anos. Agora, são 13,8 anos. Outros dados do levantamento é que o número de filhos por mulher caiu 13%, por um lado, e a maternidade tem aumentado mais na faixa etária acima dos 40 anos.
O quadro, então, é de casamentos em queda e durando menos, aumento do número de uniões de pessoas do mesmo sexo (11.022 registros em 2022, quase 20% a mais do que no ano anterior), maior número de divórcios e mulheres tendo filhos mais velhas. E mais casais se unindo depois dos 40 anos. São as novas tendências da sociedade moderna. Que a vida não fique mais curta e menos feliz por conta disso.
Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Daniel Kahneman, a economia e a psicologia

Luiz Alberto Machado destaca a contribuição do recentemente falecido psicólogo Daniel Kahneman, ganhador do Nobel de Economia de 2002, para estreitar o relacionamento entre psicologia e economia

  Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático   Faleceu no dia 27 de março, aos 90 anos, o psicólogo Daniel Kahneman, ganhador do Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel de Economia1  de 2002 "por ter integrado insights de pesquisa psicológica em ciência econômica, especialmente sobre o julgamento humano e tomada de decisão sob incerteza". Na ocasião, ele dividiu o Prêmio com Vernon Smith, "por ter estabelecido experimentos de laboratório como uma ferramenta na análise econômica empírica, especialmente no estudo de mecanismos alternativos de mercado". Os dois são expoentes da economia comportamental, um ramo da teoria econômica que teve também como ganhadores do Prêmio Nobel de Economia: Herbert Simon, em 1978, "por sua pesquisa pioneira sobre o processo de tomada de decisão dentro de organizações econômicas"; e Richard Thaler, em 2018, "por suas contribuições para a economia comportamental"2 . Além deles, merece destaque o nome de Amos Tversky, com quem Kahneman trabalhou em estreita colaboração. Tverski faleceu em 1996, seis anos antes de Kahneman receber o Prêmio Nobel de Economia. Caso estivesse vivo, Tversky provavelmente partilharia a láurea com Kahneman, uma vez que foi premiado o trabalho que ambos realizaram em conjunto durante mais de uma década na área de julgamento e tomada de decisão. O trabalho de Kahneman - e, de certa forma, o dos outros adeptos da economia comportamental - serviu para derrubar a suposição de que a racionalidade é sempre responsável pela tomada de decisões por parte dos agentes econômicos, hipótese dominante na economia por muitas décadas. Kahneman foi capaz de mostrar a lógica (ou falta de) por trás de uma série de comportamentos intrigantes. Por exemplo: por que as pessoas vão de carro até uma loja distante para economizar dinheiro em um item de pequeno valor, mas não pensam em fazer a mesma economia com o carro? Steven Pinker, professor da Harvard University, afirmou em 2014 ao jornal britânico The Guardian que "o trabalho de Kahneman é realmente monumental na história do pensamento". Em entrevista concedida em 2012 à Associação Americana de Psicologia, Kahneman afirmou: "O cérebro reage rapidamente e com base em informações incompletas, muitas vezes com resultados infelizes. Não perdemos muito tempo dizendo: 'Bem, há muita coisa que não sabemos'. Nós nos contentamos com o que sabemos". Em 2011, Kahneman publicou o livro Thinking, Fast and Slow, que se tornou best-seller. Publicado no Brasil em 2012 pela Editora Objetiva com o título Rápido e devagar: duas formas de pensar, apresenta uma visão abrangente da mente como contendo dois sistemas, um rápido e intuitivo, outro lento e mais racional. Entre os conselhos fornecidos no livro para tomar melhores decisões, um dos primeiros é: "Reconheça os sinais de que você é um campo minado cognitivo". O campo da economia comportamental ganhou espaço perto do final do século XX, quando um grupo de jovens economistas utilizou essas ideias para desafiar as noções clássicas de "homo economicus", o ator racional. De acordo com Flávia Ávila e Ana Maria Bianchi, organizadoras do Guia de economia comportamental e experimental (São Paulo: Economia Comportamental.org, 2015, "a economia comportamental enxerga uma realidade formada por pessoas que decidem com base em hábitos, experiências pessoais e regras práticas simplificadas; aceitam soluções apenas satisfatórias; tomam decisões rapidamente; têm dificuldade de conciliar interesses de curto e longo prazo; e são fortemente influenciadas por fatores emocionais e pelas decisões daqueles com os quais interagem". A recente divulgação de inúmeras matérias versando sobre economia comportamental, motivadas pelo falecimento de Daniel Kahneman, deve ter conduzido muita gente a imaginar, erroneamente, que a proximidade entre psicologia e economia surgiu há apenas algumas décadas. Ledo engano. O estreito relacionamento entre a psicologia e a economia pode ser identificado em diversas correntes de pensamento do passado, tanto pela ótica da psicologia3 , como pela ótica da economia. Pela ótica da economia vou me ater a dois exemplos significativos. O primeiro exemplo é de Adam Smith, chamado por muitos de "pai da economia". Embora tenha escrito apenas dois livros, ele refletiu sobre uma série de temas, questões, eventos, países, culturas e ideias, transformando-se, por isso, num dos maiores pensadores da humanidade. No livro O essencial de Adam Smith: os fundamentos da economia (São Paulo: Faro Editorial, 2021), James Otteson dá ênfase à combinação da psicologia, predominante em A Teoria dos Sentimentos Morais (São Paulo: Martins Fontes, 1999), e da economia, predominante em A Riqueza das Nações (São Paulo: Abril Cultural, 1983 - Os Economistas)4. Como observa Otteson (2021, pp. 27-28):

O primeiro ponto a se notar é que o objetivo de Smith com Teoria [dos Sentimentos Morais] não era recomendar comportamentos; sua preocupação principal não era dizer às pessoas como deveriam ou não se comportar. Portanto, não era uma obra sobre moralismo, mas algo mais próximo de um exercício naquilo que hoje chamaríamos de psicologia moral. Smith desejava entender como os seres humanos construíam seus sentimentos morais. Quase todos os seres humanos possuem sentimentos morais, e formar - e expressar - julgamentos morais é uma das principais atividades que realizamos.

Além disso, continua Otteson (p. 29):

Em Teoria, Smith busca ser um cientista empírico nos moldes de Isaac Newton, cujo método, como Smith o entendia, seguia o processo de, primeiro, observar os fenômenos a serem explicados; segundo, formular a hipótese que confirma seus padrões em leis e regras; terceiro, fazer previsões sobre os possíveis resultados em casos novos ou futuros; quarto, realizar mais observações para ver se as previsões de mantinham. e, por fim, revisar, reformular ou rejeitar hipóteses, como indicado ou exigido pelos novos dados observados. A ideia revolucionária de Smith era aplicar esse método newtoniano não apenas a objetos que se moviam no espaço, mas também ao comportamento humano.

  Trazendo as ideias psicológicas de Smith na Teoria dos Sentimentos Morais para a economia, observa Otteman (P. 19):

A disciplina que hoje conhecemos como "economia" começou como "economia política" no século XVIII. Os primeiros economistas políticos, incluindo Adam Smith e David Hume, desejavam adaptar uma metodologia científica newtoniana ao estudo do comportamento humano e da sociedade humana por dois motivos principais e relacionados: primeiro, descobrir, através da história e da observação empírica, padrões regulares de comportamento que pudessem ser sistematizados e, portanto, explicados e entendidos; e, segundo, para utilizar esses padrões como bases empíricas pelas quais fazer recomendações sobre reforma institucional. Eles argumentavam que, se pudéssemos entender o funcionamento das instituições sociais humanas, talvez pudéssemos entender quais instituições morais, políticas, econômicas e culturais conduziam - e, é claro, as que não conduziam - à prosperidade humana.

  Ora, atingir a prosperidade humana é exatamente o objetivo primordial da visão econômica de Smith, o que é evidenciado pelo título de sua obra: Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. O segundo exemplo do estreito relacionamento entre psicologia e economia pode ser encontrado nos autores da Escola Austríaca. No livro Viagem pela economia (São Paulo: Scriptum, 2018), afirmo que a Escola Austríaca surgiu em meados do século XX, utilizando-se de conceitos e métodos que vieram à tona na revolução marginalista, cujos principais expoentes, William Stanley Jevons, Carl Menger e León Walras, publicaram suas obras entre 1871 e 1874. O universo da teoria econômica da Escola Austríaca é sintetizada pelo Prof. Ubiratan Iorio, no livro Ação, tempo e conhecimento (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2011), na frase "economia é ação humana ao longo do tempo, nos mercados, sob condições de incerteza genuína" (p. 61). No mesmo livro, ele afirma (p. 19):

Como não é possível quantificar todo o nosso conhecimento, a Escola Austríaca não analisa os mercados como estados de equilíbrio, mas como processos de descoberta e articulação de conhecimentos que, normalmente, na economia do mundo real, permanecem calados, silenciosos, escondidos, espalhados e desarticulados, à espera da inteligência humana subjetiva exatamente para despertá-los, exibi-los, organizá-los e articulá-los.

  Friedrich Hayek, laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 1974 e principal expoente da Escola Austríaca, baseia-se claramente na explicação oferecida por Smith para o desenvolvimento de padrões morais seguindo um processo de criação que hoje chamamos de 'ordem espontânea", um sistema ordenado que surge das ações descentralizadas de indivíduos, mas sem a intenção de projetar um sistema geral. Encerro com outro exemplo ilustrativo do estreito relacionamento entre psicologia e economia. O principal livro de Ludwig von Mises, também um baluarte da Escola Austríaca, tem por título Ação humana: um tratado de economia (Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990). Nele, Mises mostra que tudo que procuramos estudar em economia origina-se na escolha individual. O homem não escolhe apenas entre diversos bens e serviços, todos os valores humanos lhe são oferecidos como opção e submetidos às decisões individuais.   NOTAS 1 Só a partir de 1968 o Nobel foi concedido na categoria de ciências econômicas. Ao contrário dos demais, concedidos pela Academia Real de Ciências da Suécia, o de ciências econômicas é concedido pelo Sveriges Riksbank (Banco Central da Suécia). Embora não seja um Prêmio Nobel, tem sido comumente conhecido como o Prêmio Nobel de Economia, denominação que será usada neste artigo. 2 Todas essas justificativas entre aspas foram utilizadas pela Academia Real de Ciências da Suécia por ocasião da concessão da láurea aos respectivos ganhadores. 3 Recomendo a leitura dos livros Psicologia econômica (Rio de Janeiro: Elsevier, 2008) e Decisões econômicas: Você já parou para pensar? (São Paulo: Évora, 2011), da Profª Vera Rita de Mello Ferreira, nos quais ela examina esse relacionamento pelo ângulo da psicologia econômica. Recomendo também o Guia de Economia Comportamental e Experimental, organizado por Flávia Ávila e Ana Maria Bianchi (São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015). 4 O título completo é An Inquire into the Nature and Causes of the Wealth of Nations (Liberty Fund, 1981).       Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Desaprovação de Lula cresceu entre os mais pobres

Em apresentação na reunião semanal de consultores do Espaço Democrático, o cientista político Rubens Figueiredo analisou as razões da queda na aprovação do governo Lula

[caption id="attachment_38052" align="aligncenter" width="560"] Para Rubens Figueiredo, principal causa para a queda está nas dificuldades enfrentadas pela faixa mais pobre da população, sufocada pelo aumento dos preços dos alimentos.[/caption]     Redação Scriptum   A persistente queda na aprovação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, observada em várias pesquisas de caráter nacional, foi o tema da reunião semanal dos consultores do Espaço Democrático – fundação do PSD para estudos e formação política –, na terça-feira (2). Em palestra do cientista político Rubens Figueiredo, foram apresentados números que, para ele, comprovam que a crescente desaprovação da atual gestão tem força maior nas classes de menor poder aquisitivo. Figueiredo mostrou, por exemplo, que os resultados de pesquisas realizadas em março indicam que Lula tem 35% de aprovação (ótimo e bom), avaliação muito próxima da que o ex-presidente Jair Bolsonaro tinha na mesma altura de seu governo (abril de 2020), quando 33% dos eleitores consideravam sua gestão ótima e boa. O cientista político relacionou fatores que podem ter contribuído para a desaprovação do governo, mas disse acreditar que a principal causa para a queda dos índices de aprovação está nas dificuldades enfrentadas pela faixa mais pobre da população, sufocada pelo aumento dos preços dos alimentos. De acordo com ele, independentemente da inflação para as famílias de menor renda, Lula teria mesmo de enfrentar uma situação mais difícil do que a encarada em seus dois primeiros mandatos.   [caption id="attachment_38053" align="aligncenter" width="560"] Reunião semanal de colaboradores do Espaço Democrático[/caption]   “Pesquisas como a Ipsos internacional indicam que há um maior oposicionismo no mundo, com a sociedade demonstrando ter menos paciência com as ações de governo. Além disso, o próprio Lula já não é o mesmo, depois de ter passado 580 dias na cadeia, e seu governo já nasceu velho, sem novas pautas, batendo nas mesmas teclas do passado, a exemplo do Minha Casa Minha Vida e da Bolsa Família. Há que considerar ainda que, na eleição de 2022, metade dos eleitores não votaram em Lula, mostrando que houve uma mudança qualitativa e quantitativa na sociedade”, explicou. Tudo isso, prosseguiu Figueiredo, leva à situação atual, na qual, em seu terceiro mandato, Lula tem contra si um expressivo movimento de direita (no qual o fator anti-Lula é um eixo fundamental), com grande capacidade de mobilização (que sempre foi um diferencial da esquerda), e um Congresso mais complexo, graças ao crescimento da oposição, e com mais força, em razão de conquistas obtidas na gestão de Bolsonaro, como o orçamento impositivo. O fato, porém, destacou o cientista político, é que dos 160 milhões de adultos brasileiros, cerca de 44 milhões vivem com menos de um salário mínimo por mês e têm de enfrentar uma inflação de alimentos maior do que a inflação geral. “No IPCA-15 (IBGE) de março (0,36%), chamaram a atenção o aumento da cebola (16,64%), ovos (6,24%), frutas (5,81%) e leite longa vida (3,66%)”, lembrou. Assim, disse, “embora pareça que a economia vai bem, com 2,9% crescimento do PIB no ano passado, desemprego mais baixo, inflação controlada e massa salarial de rendimentos do trabalho com aumento real de 11,7% (melhor resultado desde 1995), o consumo das famílias caiu – 0,2% no último trimestre”. Nesse quadro, afirmou Figueiredo, apesar de terem surgido diversas explicações para a queda na aprovação de Lula, a exemplo de suas declarações sobre a situação na Faixa de Gaza, do apoio ao governo Maduro na Venezuela e até da questão do não pagamento de dividendos pela Petrobras, o que está pesando mais no aumento da desaprovação do governo é a opinião dos mais pobres. “Houve queda expressiva na aprovação entre os evangélicos, mas é preciso lembrar que este segmento da população é formado principalmente por famílias de baixa renda. Além disso, as pesquisas mostram que a desaprovação é ainda maior quando se considera a faixa de eleitores com renda de até dois salários mínimos por mês. No caso dos evangélicos, a queda na aprovação entre março de 2023 e março de 2024 foi de -3%. Entre os mais pobres, no mesmo período, a aprovação diminuiu 5%”, concluiu Figueiredo. Participaram da reunião semanal do Espaço Democrático e debateram o tema com Rubens Figueiredo o superintendente da fundação, João Francisco Aprá, a secretária nacional do PSD Mulher, Ivani Boscolo, o cientista político Rogério Schmitt, os economistas Roberto Macedo e Luiz Alberto Machado, o sociólogo Túlio Kahn e os jornalistas Sérgio Rondino e Marcos Garcia de Oliveira.

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Gastos públicos, uma máquina sem controle

Para Samuel Hanan, ex-vice-governador do Amazonas, sem austeridade e equilíbrio fiscal é impossível desenvolver um projeto social sério e eficiente

Samuel Hanan, engenheiro especializado em economia e colaborador do Espaço Democrático Edição: Scriptum   Quando o cidadão brasileiro pergunta por que o Brasil, um país tão cheio de riquezas, não consegue conferir ao seu povo uma vida mais digna, pode ouvir várias respostas que perpassam os campos político, administrativo, ético e econômico. Não há dúvidas de que o potencial econômico de uma nação pode ser anulado por gestões marcadas pela incompetência, pela omissão, pela corrupção ou por fatores imponderáveis, como grandes tragédias naturais ou conflitos armados. No caso específico do Brasil, uma das principais causas de o país ainda não ter retomado o caminho do desenvolvimento para criar as condições adequadas para a garantia do bem-estar de sua população está na irresponsabilidade com os gastos públicos e leniência com a corrupção. Essa falta de controle, que contraria os princípios da gestão eficiente, não é recente, porém vem se agravando. Dados publicados pelo Ministério da Fazenda em 13/12/2019 e atualizados em 23/01/2020, mostram que no período de 15 anos, entre janeiro de 2001 até dezembro de 2015 (predominantemente governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff), os gastos do governo saltaram de R$ 205 bilhões/ano para R$ 1,154 trilhão/ano. O incremento dessas despesas foi de extraordinários 463%, o correspondente a 2,77 vezes a inflação do período, medida pelo IPCA, de 166,9% (Exame – 13/12/2019 – Instituto Millenium). Esse excesso de gastos custou ao país nada menos que R$ 606,85 bilhões/ano, número que fala por si. Outra causa do crescimento dessa despesa foi o aumento do número de funcionários públicos federais, que chegou a 35% em 15 anos (de 2001 a 2015). É quase o dobro do que aumentou a população nesse período: 18,82%. O fato é que o país gasta cada vez mais para sustentar uma máquina de dimensões maiores ano após ano. Em 2001, o país gastou R$ 63,2 bilhões com o funcionalismo público. Esse número subiu para R$ 298 bilhões em 2018. Ou seja, a despesa cresceu R$ 106,38 bilhões/ano, o correspondente a 471,52%. Em valores nominais, foram R$ 234,80 bilhões a mais, e R$ 191,62 bilhões acima da inflação (IPCA) do período. Os efeitos disso são devastadores. Matéria publicada pelo jornal Folha de S. Paulo em 29 de janeiro de 2023 mostra que o déficit atuarial previdenciário atingiu R$ 6 trilhões, valor equivalente a 93% da dívida pública líquida. Uma hora a conta vai chegar, e vai custar caro. Conforme a reportagem, “os governos federal, estaduais e municipais têm dispensado valores crescentes de sua receita líquida para pagar servidores aposentados, além daqueles na ativa, sobrando cada vez menos para custear a máquina administrativa e investir”. Em pouco mais de três décadas, segundo cálculos do especialista em contas públicas Raul Velloso citados na matéria, a despesa previdenciária da União disparou de 19,2% do total do gasto para 51,8%. Por outro lado, caiu de 33,7% para apenas 3,1% o total que o governo federal dispõe para os gastos discricionários. Resultado: os investimentos relativos a 2023 foram reduzidos de 16% para 0,3%, conforme matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo (edição de 30/01/2024, pág. A16). A situação não é melhor quando se analisa a curva dos gastos primários da União. No período compreendido entre 1997 e 2002, portanto no governo Fernando Henrique Cardoso, os gastos primários cresceram 0,6 ponto percentual do PIB, o que hoje corresponderia a R$ 62,53 bilhões/ano. De 2002 até 2015, final do governo Dilma, já estávamos em 19,5% do PIB, o que hoje corresponderia a um aumento de R$ 260 bilhões/ano. Tivemos um decréscimo nos governos Michel Temer e Bolsonaro que reduziram para 18% do PIB. Agora, novamente entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2023, primeiro ano do terceiro mandato de Lula, o crescimento foi de 1,3 p.p. do PIB, ou R$ 135,46 bilhões/ano. Desde 1997 até hoje, os gastos primários da União cresceram de 14,1% do PIB naquele ano para 19,3% do PIB, agora em 2023. Em contrapartida, nas últimas quatro décadas o investimento público em infraestrutura teve bom desempenho apenas em 1983, caindo vertiginosamente depois, nesse período. Em 1983, correspondia a 5,7% do PIB. Em 2023, foi de apenas 2,1%, uma redução de 63% no investimento em 40 anos, inobstante o aumento da carga tributária em 50%. Ou seja: crescem os gastos com funcionalismo público e cresce a carga tributária sem que a máquina administrativa consiga dar a resposta adequada às necessidades da população porque não se investe, não tem capacidade de investir nas prioridades para garantir qualidade de vida às pessoas. Se desperdiça tanto dinheiro público que não sobram recursos para investimento onde deveria ser prioritário, por exemplo, investir em educação, segurança, saúde, saneamento e habitação. Sem austeridade nos gastos públicos e sem equilíbrio fiscal é impossível para o país desenvolver um projeto social sério e eficiente, a começar pela implantação de educação em tempo integral para todas as crianças e jovens. E, assim, o Brasil não caminha para ao menos diminuir as desigualdades sociais. Não se trata de nenhum preceito da economia moderna, mas de uma lição que remonta há mais de 2.000 anos, dada pelo senador romano Marco Túlio Cícero, no ano 55 a.C.: “O Orçamento deve ser equilibrado, o Tesouro Público deve ser reposto, a dívida pública deve ser reduzida, a arrogância dos funcionários públicos deve ser moderada e controlada, e a ajuda a outros países deve ser eliminada, para que Roma não vá à falência. As pessoas devem novamente aprender a trabalhar, em vez de viver às custas do Estado!”.       Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. 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