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Criatividade, destruição criativa e inteligência artificial

Para Luiz Alberto Machado, a IA repetirá o mesmo fenômeno ocorrido nas revoluções tecnológicas anteriores, com ajustes e avanços para toda a sociedade

Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

Com a disseminação das diversas ramificações da inteligência artificial e suas inúmeras aplicações, ressurge a preocupação com a sobrevivência dos empregos diante da eminente ameaça de desaparecimento de algumas ocupações.

O tema não é novo e ganhou destaque sempre que ocorreu o surgimento de inovações que tiveram forte repercussão na atividade produtiva.

No presente artigo vou me referir a apenas alguns aspectos deste tema, ousando deixar explícita minha opinião no final.

Entendendo a inovação como um produto ou serviço resultante da ação criadora do homem, é possível identificar nomes consagrados que se dedicaram ao assunto.

No livro Economia + Criatividade = Economia Criativa (Scriptum Editorial, 2024), cuja segunda edição foi recém lançada pelo Espaço Democrático, os autores enfatizam dois aspectos da relação entre criatividade e inovação. A primeira delas diz respeito à precedência da primeira em relação à segunda. Essa anterioridade da criatividade à inovação não passou despercebida pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi. Em Gestão qualificada: a conexão entre felicidade e negócio (Bookman, 2004, p. 148), observa:

Na verdade, a criatividade é uma fonte interminável de inovação – sempre surge uma maneira melhor de fazer algo tradicional. É igualmente um processo muito democrático: não é preciso ser abastado, rico, bem relacionado ou nem mesmo bem educado para destacar-se com base numa boa ideia. Seja com uma franquia de pizza ou em uma companhia de biotecnologia, o potencial de crescimento está sempre presente. Construir uma visão de excelência é uma possibilidade sempre aberta a qualquer um que pretenda fazer bons negócios.

A segunda refere-se às formas de transformar uma ideia criativa num negócio concreto, seja ele um produto, um serviço ou um processo criativo. Para os autores, embora existam incontáveis formas, pode-se dizer que duas são básicas e resumem bem as possibilidades. Uma delas seria a inovação; a outra, a adaptação. A diferença entre as duas não é difícil de ser entendida. Transformar uma ideia criativa num produto ou processo inovador significa criar algo totalmente diferente do que já existe, numa verdadeira mudança de paradigma, de acordo com o livro clássico de Thomas KuhnA estrutura das revoluções científicas (Perspectiva, 1982). Apesar de difícil de ocorrer, é algo que tem grande impacto mercadológico e que costuma provocar um grande alvoroço no segmento de atividade do referido processo ou produto. Os pesquisadores contemporâneos costumam chamar as mudanças radicais que caracterizam as inovações de disruptivas. Entre eles, merece especial ênfase o nome de Clayton Christensen, autor de O dilema da inovação (Makron Books, 2001), considerado, no ano de sua publicação, um dos mais importantes livros do segmento de negócios.

Transformar uma ideia criativa numa adaptação, por sua vez, significa incorporar algum tipo de aperfeiçoamento a um produto ou processo já existente, diferenciando-o da concorrência, tornando-o mais atrativo para o consumidor e garantindo, dessa forma, a sua fidelização. Seria uma transformação realizada por meio de mudanças incrementais, aquilo que os japoneses chamam de kaizen. Para quem não sabe, foi exatamente assim que o Japão conseguiu se transformar numa das maiores potências industriais do mundo, a ponto de pôr em risco a fantástica supremacia americana. O “milagre” japonês, conseguido apenas três décadas depois de o país sair arrasado da Segunda Guerra, não se deu por meio de um salto, através do qual o país dormiu num estágio atrasado e, de repente, acordou no dia seguinte super desenvolvido. A transformação do Japão em um dos mais produtivos países do mundo foi resultado de amplo processo de mudanças, que teve, como um de seus principais ingredientes, a conscientização de cada habitante – estudante, trabalhador, executivo ou empresário – para a necessidade de fazer melhor, a cada dia, a tarefa de sua responsabilidade.

Muito antes de Clayton Christensen, porém, outro nome tornou-se referência ao examinar a importância da inovação e do empreendedorismo, não apenas como fatores de obtenção de vantagem competitiva, mas como forças determinantes para o desenvolvimento e, por extensão, para a própria sobrevivência do capitalismo. Seu nome: Joseph Schumpeter.

Em O essencial de Joseph SchumpeterRussel S. Sobel e Jason Clemens observam (Faro Editorial, 2021, p. 26):

Para Joseph Schumpeter, o desenvolvimento econômico é o resultado da inovação realizada pelos empreendedores que descobrem combinações novas e mais valiosas de recursos. Essa busca é incentivada e guiada pelo sistema de lucros e prejuízos. Além de satisfazer melhor os desejos dos consumidores a um custo menor, os empreendedores também os ajudam a descobrir novos desejos e preferências. Mas esse processo é disruptivo. Novos bens e serviços entram no mercado e competem com os existentes, às vezes, fazendo desaparecer a velha forma de fazer as coisas.

Prosseguem Sobel e Clemens (2021, p. 26):

Inovações como o automóvel e o avião foram mais do que simplesmente novas combinações de recursos para satisfazer desejos existentes dos consumidores; foram saltos em direção ao progresso econômico. Tais saltos são a chave do desenvolvimento econômico, mas também ameaçam indústrias existentes, como milhares de negócios e seus trabalhadores no ramo de charretes logo descobriram − e esse processo pelo qual o empreendedorismo [e a inovação] ameaça produtores existentes, e as consequências dessa ameaça constituem-se na destruição criativa.

Para Schumpeter, a destruição criativa significa uma incessante tempestade essencial para entender o dinamismo do sistema capitalista. No seu livro mais conhecido, Capitalismo, socialismo e democracia, publicado em 1942, ele faz as seguintes colocações (Zahar, 1984, pp. 112-113):

O impulso fundamental que inicia e mantém o movimento da máquina capitalista decorre dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados, das novas formas de organização industrial que a empresa capitalista cria [...] que incessantemente revoluciona a estrutura econômica a partir de dentro, incessantemente destruindo a velha, incessantemente criando uma nova. Esse processo de destruição criativa é o fato essencial acerca do capitalismo. É nisso que consiste o capitalismo e é aí que têm de viver todas as empresas capitalistas.

Escrevendo sobre o tema no final da primeira metade do século 20, é natural que Schumpeter tenha ilustrado seu argumento com exemplos anteriores a essa época. Efetivamente, em seus livros, ele utiliza o exemplo do automóvel e da iluminação elétrica que tiveram impacto brutal nos proprietários e trabalhadores − e suas famílias − da indústria de charretes, dos criadores de cavalos, dos cortadores de árvores que utilizavam a madeira para construir charretes, dos ferreiros que colocavam ferraduras nos cavalos, das selarias que produziam arreios e equipamentos, da indústria de velas e dos acendedores de lampiões responsáveis pela iluminação pública.

Trazendo o argumento para tempos mais recentes, verificamos outros exemplos de destruição criativa que significaram enorme progresso, por um lado, mas o desaparecimento − ou acentuada redução − de uma série de negócios, profissões e ocupações. Basta lembrar do que ocorreu com produtos e serviços que de uma hora para outra testemunharam mudanças abruptas como ocorreu com a indústria de filmes fotográficos dominada pela Kodak, com as locadoras de filmes dominada pela Blockbuster ou no segmento musical, em que os discos de vinil foram substituídos por fitas-cassete e CDs, e esses, por downloads de músicas e, hoje, por serviços populares de streaming.

Fazendo um pequeno esforço de memória, constataremos que as revoluções tecnológicas (ou revoluções industriais) tiveram o mesmo efeito: na primeira revolução industrial, iniciada na Inglaterra na segunda metade do século 18, simbolizada pela máquina a vapor; na segunda, que teve como símbolos a eletricidade e o uso do petróleo e de seus derivados, na passagem do século 19 para o século 20; na terceira, simbolizada pelo uso dos computadores de grande porte, em meados do século 20; e na quarta, simbolizada pela miniaturização dos computadores e pelo aparecimento da internet no final do século 20. Em todos esses casos, os impactos propiciados pelas novas formas de produção provocaram o temor do desemprego em massa, com terríveis consequências sociais.

Para muitos analistas, a Inteligência Artificial é um dos símbolos de uma nova revolução tecnológica, agora com efeitos mais devastadores. Seu argumento está relacionado às novas possibilidades criativas e inovadoras abertas pela maior eficiência gerada pela integração da inteligência artificial na indústria de softwares.

Nesse particular, merece especial atenção o rápido crescimento da popularidade de um ramo específico da inteligência artificial chamado de Inteligência Artificial Generativa (IAGen), que parece ter potencial ainda mais significativo no contexto que vem sendo explorado neste artigo, por oferecer novas formas de criar conteúdo, inovação e experiências únicas.

Sem sombra de dúvida, já é possível afirmar que a integração da Inteligência Artificial Generativa na economia criativa disponibiliza ferramentas poderosas para ampliar a capacidade criativa, explorar novas direções e agregar valor aos processos criativos. No entanto, é importante considerar questões éticas, como a autoria e a responsabilidade, ao usar algoritmos e softwares especializados para gerar esse conteúdo “criativo”.

Uma preocupação, certamente, está presente na cabeça de muita gente: será possível a IAGen substituir a criatividade humana em algum momento?

Em seu depoimento no livro Economia + Criatividade = Economia Criativa, Maurício Andrade de Paula, um dos autores, afirma que "a resposta não é simples, pois a comparação entre a Inteligência Artificial Generativa e a criatividade humana é complexa, uma vez que envolve diferentes aspectos da expressão criativa" (2024, p. 135).

Evidentemente, a preocupação envolvendo a substituição do homem pela máquina, com implicações óbvias na trabalhabilidade e empregabilidade1, persistirá ocupando a mente de muita gente.

Mauricio Andrade de Paula acredita que ainda não estamos diante dessa possibilidade (2024, p. 136):

Embora a IAGen venha fazendo avanços significativos na simulação da criatividade de forma geral e genérica, a criatividade humana continua a ser única em sua complexidade, profundidade emocional e capacidade de criar significado. Certamente, a colaboração entre humanos e sistemas de IAGen resultará em sinergias poderosas, aproveitando o melhor de ambas as abordagens para alcançar resultados criativos notáveis. Seguiremos acompanhando!

De minha parte, acredito que haverá a repetição do mesmo fenômeno ocorrido nas revoluções tecnológicas anteriores. Teremos uma fase de transição em que as preocupações assumirão grandes proporções, um verdadeiro rodamoinho que tomará conta de parcela significativa da sociedade. Passada essa fase, constataremos que houve evolução e não retrocesso. O padrão de vida médio será superior e as novas oportunidades abertas pela evolução tecnológica serão maiores do que as perdas daqueles que serão prejudicados no processo.

Em outras palavras, confio no vigor do capitalismo alimentado pela destruição criativa de Joseph Schumpeter.

Espero estar certo!

   

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Governar não é negar direitos para distribuir favores

Para Samuel Hanan, as maldades, a insensibilidade e a incapacidade de governar para todos bloqueiam a verdadeira cidadania e corroem o respeito e a dignidade humana

Samuel Hanan, ex-vice-governador do Amazonas, engenheiro especializado em economia e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum Ao se referir a governos, o economista e escritor norte-americano Harry Browne (1917/1986) disse que o governo é bom em uma coisa. “Ele sabe como quebrar as suas pernas, apenas para depois lhe dar uma muleta e dizer: se não fosse pelo governo você não seria capaz de andar”. Esse ponto de vista pode parecer raivoso ou exagerado, porém nos faz pensar e analisar a questão sob a ótica do Brasil. Observando o resultado do governo brasileiro nos últimos 34 anos – período em que o povo elegeu de forma democrática, por meio do voto direto, cinco presidentes da República de diferentes partidos políticos e matizes ideológicas (do PT, do PSBD, do extinto PRN e do PL) além de governadores, prefeitos e membros do Congresso Nacional –, constata-se que nenhum dos eleitos teve a preocupação de enviar projetos de lei visando justiça tributária, fundamental num país em que o Executivo arrecada muito em impostos pagos pela população e devolve pouquíssimo em bem-estar social a esses contribuintes. Não houve, nessas três décadas, leis que obrigassem o chefe do Poder Executivo a fazer a correção anual (pelo índice inflacionário acumulado nos 12 meses anteriores) das tabelas de Imposto de Renda, das aposentadorias e das pensões concedidas pelo Regime Geral da Previdência Social. Tributar a inflação significa penalizar duplamente o contribuinte, porque a não-correção retira renda efetiva, enquanto a inflação enfraquece o poder de compra. São milhões de brasileiros que dependem desse pagamento para viver e que perdem o poder de compra ano a ano em razão do crescimento da inflação. O Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), em matéria publicada pelo site Globo.com em janeiro de 2024, mostrou que a defasagem das tabelas do IR era da ordem de 149,56%. Agora, com a correção feita pelo Senado, essa defasagem caiu para 99,65%, percentual que se fosse corrigido elevaria a isenção do Imposto de Renda para pessoas com remuneração de até R$ 5.638,11/mês. Ou seja, alcançaria 95% da população brasileira. Esse sim seria o maior projeto social do Brasil – superior ao Bolsa-Família – e garantido por lei. Nesse período de pouco mais de três décadas, os governos brasileiros tampouco foram sensíveis à agonia diária de 122 milhões de cidadãos cuja renda mensal não ultrapassa um salário mínimo (hoje R$ 1.412,00/mês bruto e R$ 1.306,10/mês líquidos, equivalente apenas e tão somente US$ 126,00/mês) de modo a preservar e aumentar um pouco o valor de sua forma de sobrevivência. A falta de receita não pode ser usada como causa impeditiva porque nesse período a carga tributária aumentou 50% (passou de 22,5% para 33,5% do PIB). Os governos também tiveram tempo de sobra (mais de 30 anos) para elaborar soluções e se tivessem apresentado propostas legislativas para entrar em vigor em cinco, dez ou até 20 anos, hoje tudo já estaria resolvido. A situação perdura, mas uma nova oportunidade se abriu agora, com a reforma tributária a ser enviada ao Congresso Nacional ainda este ano e já amplamente debatida. Mas por que nada foi feito? Insensibilidade? Incompetência? Talvez nada disso. A resposta passa pelo pensamento de Harry Browne sobre o governo. O fato é que os governantes “quebraram as pernas” da imensa maioria da população ao não corrigirem as tabelas do IR, das aposentadorias e das pensões e ao não praticarem justo reajuste de salário-mínimo para garantir a esses cidadãos brasileiros maior poder de compra e para tornar um pouco mais leve aos ombros dos trabalhadores o peso dos aumentos da carga tributária e dos preços. Basta lembrar que após a promulgação da Constituição Federal de 1988, poderiam ter reduzido (ou até excluído) a incidência de impostos sobre os gêneros de primeira necessidade, de maior impacto sobre os mais pobres. No entanto, a opção foi outra: a de entregar “muletas” por meio de “benefícios sociais” como o Bolsa-Família, vale-gás, vale-dignidade menstrual e outros, que apenas mantêm os mais pobres sob dependência, sem dar solução definitiva ao problema. São medidas de caráter paliativo, que não resolvem o problema e escravizam a população, além de não possuírem garantia alguma – vez que dependem da decisão do governante de plantão – e que não são capazes de dar dignidade à vida das pessoas. Nesse caso, é bom lembrar o que escreveu o filósofo norte-americano John Kenneth Galbraith (1908-2006): “Nada estabelece limites tão rígidos à liberdade de uma pessoa quanto a falta de dinheiro”. Os governos também falharam inapelavelmente na questão da redução das desigualdades regionais e sociais. A questão é igualmente grave, como apontam os dados oficiais. A renda anual per capita dos habitantes dos 16 Estados das regiões Norte e Nordeste até hoje é 36% inferior à média nacional. Temos, portanto, dois Brasis dentro de um só território. Uma das consequências diretas disso é que no Norte e Nordeste o número de beneficiários do Bolsa-Família ultrapassa o número de trabalhadores com carteira assinada em mais de 4 milhões de pessoas. Naqueles Estados, o número de brasileiros que têm emprego ou exercem outras atividades econômicas com carteira de trabalho assinada é também muito díspar (para menos) em relação aos moradores de outros Estados. A grave anomalia é ainda evidenciada pela discrepância do posicionamento do Brasil no ranking das maiores economias do mundo (9º lugar) e no ranking per capita/ano (69ª posição) o que evidencia a má distribuição de renda. Tudo a demonstrar que as riquezas produzidas pelo País estão longe de refletir na qualidade de vida da sua população. A situação está a exigir maior transparência e garantia da dignidade dos cidadãos, assegurando-lhes mais direitos e menos favores oficiais. Um exemplo bastante singelo comprova essa assertiva. Basta perguntar a um pai de família o que lhe dá mais satisfação: chegar em casa com uma bola ou uma boneca de presente para seu filho ou filha e dizer “papai comprou com a economia do salário” ou afirmar que “papai ganhou do prefeito/governador/deputado”? Qual das situações o fará se sentir mais digno? As maldades, a insensibilidade e a incapacidade de governar para todos bloqueiam a verdadeira cidadania e corroem o respeito e a dignidade humana. As “muletas” podem trazer algum alívio momentâneo, porém simbolizam fracasso e falta de perspectiva. Tudo o que o brasileiro não merece. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Sessões do Congresso são uma aula de política

Cientista político Rogério Schmitt fala sobre as sessões conjuntas da Câmara Federal e do Senado

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Mudanças no perfil das armas apreendidas pelas polícias

O crescimento da apreensão de pistolas e armas automáticas e semiautomáticas de grosso calibre pode ser uma tendência preocupante, segundo Tulio Kahn

Tulio Kahn, sociólogo e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum   Entre os novos indicadores divulgados pelo Ministério da Justiça a partir deste ano está a quantidade de armas apreendidas pelas polícias, por tipo, Estado e ano. Trata-se de um indicador relevante de monitorar, uma vez que armas de fogo estão envolvidas na maioria dos crimes violentos do País, como homicídios e roubos. Neste artigo fazemos uma breve análise de algumas tendências interessantes no período 2017 a 2023, que inclui a flexibilização do acesso a armas de fogo entre 2018 e 2022. O primeiro dado que chama a atenção é que a quantidade de apreensões variou pouco no período – caindo 3,2% – não obstante a flexibilização. Embora existam inconsistências nas séries enviadas por alguns Estados, a expectativa geral é de que veríamos um aumento explosivo nas apreensões, que refletem de algum modo a quantidade de armas em circulação. Outra constatação interessante é que o número de armas apreendidas em 2022 (101.950), último ano da gestão de Jair Bolsonaro, é praticamente igual ao número de armas apreendidas em 2023, primeiro ano da gestão Lula (102.456), quando novas regras restringiram expressivamente, desde janeiro, a concessão de novas armas. As apreensões, portanto, não parecem refletir de imediato as mudanças nas regras de concessão. Esta estabilidade nas apreensões pode refletir mudanças nas políticas dos Estados com relação às apreensões, mudanças no perfil dos proprietários, o fato de que as alterações na lei afetaram mais a posse do que o porte e outras variáveis ainda não compreendidas. De todo modo, esta estabilidade ajuda a entender em parte por que não vimos uma explosão no número de homicídios dolosos, mas antes uma queda de 30,3% quando comparamos 2017 a 2023. Essa relação entre armas e homicídios é complexa e mostramos em outro artigo, usando variáveis instrumentais e dados em painel (Cerqueira, Kahn, Bueno e Lins, 2022), como a queda poderia ter sido ainda maior.

Variação de armas apreendidas por tipo

2017 a 2023

    Se as apreensões estão estáveis, por outro lado os dados mostram que está ocorrendo uma mudança no tipo de arma apreendida pelas polícias. Revólveres e pistolas continuam a representar cerca de 60% das armas apreendidas, mas enquanto a apreensão de revólveres caiu 19,3%, a apreensão de pistolas cresceu impressionantes 60% no período. Observamos quedas também na quantidade de espingardas e “outras armas”. As armas longas – carabinas, fuzis, rifles, submetralhadoras e metralhadoras –, boa parte das quais em mãos das organizações criminosas, representam ainda uma pequena parte das apreensões e passaram de 3,9% para 5,5% do total de armas. Note-se, todavia, as elevadas variações deste tipo de arma, que cresceram em média 36,5%. Isto pode significar tanto um aumento deste tipo de arma em circulação quanto talvez uma melhoria nas investigações e foco no combate ao crime organizado. Seria interessante analisar em que contexto – por exemplo, em que tipos de naturezas criminais – estas apreensões se deram. É preciso ainda analisar em profundidade os efeitos da flexibilização de armas para a população civil e seu impacto sobre a criminalidade – entre outras estas mudanças no perfil das armas apreendidas pelas polícias, efeitos que muitas vezes só ficam claros em longo prazo. A disponibilização destas informações pelo Ministério da Justiça, em âmbito nacional, permite monitorar a questão desagregando as informações por mês e Estado, o que possibilita uma melhor compreensão do problema. A variação no volume e tipo de armas por Estado pode dar pistas importantes sobre estes efeitos, comparando, por exemplo, Estados com maior porcentagem de armas curtas (revólveres e pistolas) – mais frequentes nos crimes interpessoais – com Estado com maior porcentagem de armas longas – mais frequentes nas organizações criminosas. A porcentagem de armas curtas dentro do universo de armas apreendidas, por exemplo, é muito maior nos Estados urbanos como Rio, São Paulo, Distrito Federal e Rio Grande do Sul (média de 74,6%) e menor em Estados como Acre, Maranhão, Pará e Piauí (média de 37,2%), diferenças que podem ter implicações sobre o volume, tendências e tipos de crimes em cada Estado. Há uma correlação negativa de R -.17 entre taxa de homicídios e porcentagem de armas curtas no Estado. O crescimento da apreensão de pistolas e armas automáticas e semiautomáticas de grosso calibre pode ser uma tendência preocupante, se refletirem um aumento da quantidade destas armas em circulação nas mãos do crime. Implicam num aumento de risco para os policiais e para a sociedade em geral, devido ao ser maior poder letal. Acompanhar de perto estas tendências é crucial para traçar políticas de segurança mais eficazes.     Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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