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A face pouco conhecida de Delfim Netto

Economistas Roberto Macedo e Luiz Alberto Machado contam histórias da convivência que tiveram com o ex-ministro

[caption id="attachment_38598" align="aligncenter" width="560"] O economista Roberto Macedo falou sobre a vida acadêmica de Delfim e o seu legado para a USP[/caption]     Redação Scriptum   O influente economista Antônio Delfim Netto, que morreu nesta semana, aos 96 anos, em São Paulo, foi o personagem da reunião semanal do Espaço Democrático – a fundação para estudos e formação política do PSD – nesta terça-feira (13). Dois consultores da fundação, os também economistas Roberto Macedo e Luiz Alberto Machado, que conviveram com ele, fizeram depoimentos pessoais que mostram uma faceta diferente daquela que é apresentada em geral pela mídia – a do superministro de governos da ditadura militar – que foi favorável à instalação do AI-5 – que se converteu em conselheiro da esquerda com a redemocratização. O economista Roberto Macedo falou sobre a vida acadêmica de Delfim e o seu legado para a Universidade de São Paulo (USP), onde, em 1963, se tornou o primeiro professor titular formado pela própria Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP). “A faculdade havia sido formada na segunda metade da década de 1940 por professores que vieram de outras unidades da USP, da Filosofia, Sociologia, História, Engenharia e Direito, era um saco de gatos do ponto de vista acadêmico, não havia integração articulada como existe hoje”, lembrou Macedo. “E quando se tornou titular ele começou a fazer seminários com os professores para apresentar os avanços da ciência econômica no exterior, coisas como a macroeconomia do John Keynes e a microeconomia do pessoal neoclássico, o que influenciou os professores e mudou o perfil do curso”. Macedo destacou que Delfim gostava muito da área de pesquisas. “Ele incorporou à teoria muita estatística e econometria (ferramentas que usam a estatística para obter relações entre variáveis econômicas a partir da aplicação de modelos matemáticos), o que não era comum no Brasil”. E lembrou de uma disputa célebre entre ele e economistas da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). “O Delfim pesquisou muito a agricultura brasileira e o pessoal da Cepal defendia a reforma agrária, dizia que a agricultura brasileira era atrasada, mas nos debates o grupo do Delfim levava vantagem por causa da fundamentação”. Ele conta que a partir dessas discussões, quando Delfim já estava no governo, foi constituída uma comissão para definir caminhos para a agricultura, da qual nasceu a ideia de diversificar a produção – que era muito concentrada no café –, adaptando os solos do cerrado, e incrementar as exportações. “Essas são as raízes do grande desenvolvimento do setor agropecuário brasileiro”, enfatizou. Segundo o economista, Delfim Netto mudou a estrutura da Faculdade de Economia. “Ele teve papel importante, também, na criação dos cursos de pós-graduação”. O consultor do Espaço Democrático lembra que sempre recebia comentários – às vezes por mensagens, outras por telefonemas – dos artigos que publica quinzenalmente no jornal O Estado de S. Paulo. Macedo participou de uma entrevista com Delfim Netto para o canal do Youtube do Espaço Democrático, ao lado do jornalista Sérgio Rondino, em maio de 2018, quando abordou vários problemas brasileiros.   [caption id="attachment_38599" align="aligncenter" width="560"] O economista Luiz Alberto Machado contou que a filha de Delfim queria doar a biblioteca do pai para a FAAP, embora Delfim quisesse que seus livros fossem para a USP.[/caption]   Luiz Alberto Machado, que publicou esta semana, no site do Espaço Democrático, um artigo sobre passagens pessoais com o ex-ministro, detalhou um episódio importante: o processo de doação de sua notável biblioteca, composta por mais de 250 mil volumes. Machado foi professor da filha de Delfim Netto, Fabiana, na Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), em São Paulo, e contou que ela queria doar a biblioteca para a instituição, embora Delfim quisesse que seus livros fossem para a USP. Em um almoço, ele deixou claro que estava atendendo a um pedido da filha, que por ele os livros iriam para a USP, mas que cederia desde que a FAAP atendesse a algumas condições para receber os volumes, dos quais cerca de 1 mil eram textos apostilados que foram encadernados e classificados, uma biblioteca de trabalho. “As condições eram: a adoção em bloco dos livros de economia, estatística, econometria, história e filosofia, sem partilhar em espaços diferentes, e tornar público o acervo”. A FAAP, então, pretendia adquirir um imóvel que era do próprio Delfim Neto, muito próximo da fundação, em São Paulo, para abrigar a biblioteca. “Só que naquele imóvel só caberiam 97 mil livros, o que acabou determinando que a coleção fosse para a USP”. Participaram da reunião semanal do Espaço Democrático, além dos economistas Roberto Macedo e Luiz Alberto Machado, os cientistas políticos Rubens Figueiredo e Rogério Schmitt, o sociólogo Tulio Kahn, o gestor público Januario Montone e os jornalistas Eduardo Mattos e Sérgio Rondino, coordenador de comunicação da fundação.

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Delfim Netto, o mais influente economista brasileiro de todos os tempos

Luiz Alberto Machado conta passagens de seu relacionamento com o ex-ministro, que morreu nesta segunda-feira

Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

A notícia do falecimento do professor Antônio Delfim Netto, aos 96 anos, me causou profunda tristeza. Independentemente das ações adotadas pelo mais influente economista brasileiro de todos os tempos, foi uma pessoa com quem tive inúmeras oportunidades de conviver e que sempre me tratou com enorme gentileza, atendendo prontamente minhas diferentes solicitações.

Conheci inicialmente o professor Delfim pelo noticiário. Como estudante de economia, sua atuação à frente dos ministérios da Fazenda e do Planejamento eram não apenas presença frequente no noticiário, mas também objeto de menções de meus próprios professores na Universidade Mackenzie, nem todas favoráveis diga-se de passagem.

Pouco depois de formado, fui convidado a participar de um curso de formação de professores no qual uma das aulas foi ministrada por ele. Foi a primeira vez que o vi pessoalmente e fiquei impressionado não apenas com seu conhecimento da teoria e da política econômica, mas, sobretudo, com a segurança que ele passava ao transmitir suas ideias.

Ao ingressar na carreira docente na FAAP e nas entidades representativas dos economistas, as oportunidades se multiplicaram, tornando-se muito mais próximas e frequentes quando sua filha ingressou no curso de economia da FAAP, ocupando eu o cargo de vice-diretor.

Lembro-me que, na ocasião, ele me perguntou se podia ir até seu escritório, pois precisava falar comigo. Fui até seu escritório de consultoria (muito próximo da FAAP) cheio de curiosidade. Lá chegando ele − que sempre me tratou de professor − me pediu duas coisas: 1ª) para não divulgar publicamente que a filha tinha lá entrado; e 2ª) para não convidá-lo para palestras ou conferências enquanto ela estivesse lá estudando.

Lembro-me de ter respondido. Quanto ao primeiro pedido, pode ficar tranquilo; muito provavelmente os colegas acabarão descobrindo, mas não será por causa de manifestação da diretoria ou dos professores. Com relação ao segundo, pode ficar muito caro para o senhor, pois assim que ela se formar, não hesitarei em convidá-lo quantas vezes for preciso.

Seguiram-se diversos contatos, pois ele acompanhava atentamente a evolução da filha no curso. Fiquei lisonjeado numa ocasião em que me telefonou para cumprimentar-me pelo curso de História do Pensamento Econômico, disciplina que eu ministrava. Disse estar bem impressionado com a profundidade de minha abordagem e com a extensão do conteúdo, superior ao da maioria dos outros cursos que encerrava em Keynes, enquanto eu me estendia, incluindo economistas e escolas de pensamento mais recentes, tais como Milton Friedman e a escola monetarista, Friedrich Hayek e a escola austríaca, e Robert Lucas e a hipótese das expectativas racionais. Concluiu dizendo que o Eduardo Giannetti tinha um concorrente à altura, no que ele, evidentemente, exagerou.

Anos depois, quando a filha cursava o último ano do curso, ele me telefonou querendo saber quem era o professor de uma determinada disciplina que, segundo ele, não estava à altura dos demais professores do curso. Não ocupando mais cargo diretivo, eu não sabia a quem ele se referia. Procurei saber e comuniquei o fato ao coordenador. Não sei se foi por essa razão, mas no semestre seguinte o referido professor foi substituído.

Não quero deixar de registrar um fato curioso. Uma das melhores alunas que tive em mais de 30 anos na FAAP fazia, simultaneamente, o curso de jornalismo na USP. Ao se formar, especializou-se em jornalismo econômico e trabalhou em diferentes órgãos da imprensa, entre eles na Gazeta Mercantil. Na segunda metade dos anos 1980, em plena Nova República, lembro-me de tê-la encontrado num evento e ela me revelou: "Machado, você sabe que eu não gostava do Delfim e dos militares. Mas tenho que admitir que quando eu o entrevistava tinha a certeza de que ele tinha pleno controle da economia, independentemente da minha concordância. A impressão que eu tenho hoje, quando entrevisto os atuais responsáveis pela condução da nossa economia, é de que estamos à deriva".

O tempo foi passando e os contatos se sucedendo. Quando ocupei a presidência do Conselho Regional de Economia, dois deles merecem registro. Como em 2001 comemorava-se o cinquentenário da regulamentação da profissão de economista, o Conselho promoveu uma consulta aberta entre seus filiados para eleger os 10 maiores economistas dos primeiros 50 anos da profissão, sendo Delfim Netto um dos mais votados¹. O troféu foi entregue na solenidade daquele ano, comemorativa ao Dia do Economista, e coube-me entregá-lo. Com a gentileza que costumava me dispensar, falou: "Uma honra para um professor receber a homenagem de outro professor".

O outro contato decorreu de convite a ele para dar um depoimento no vídeo sobre a profissão elaborado por iniciativa do Conselho para ser utilizado em eventos de divulgação da profissão. Delfim atendeu prontamente ao convite e deu um excelente depoimento, afirmando que sentia muito orgulho da profissão, uma vez que a mesma exigia um conjunto muito rico de conhecimentos que iam da matemática à história, passando pela filosofia e pela ciência política.

Noutra de nossas conversas em seu escritório, em abril de 1998, fomos interrompidos por Betty, sua secretária, que comunicou a morte de Sergio Motta, ministro das Comunicações do governo FHC. Imediatamente, ao tomar conhecimento da notícia, ele exclamou: "Agora o Fernando vai ver o que é bom para a tosse".

Em 2017 fui convidado a participar de um seminário comemorativo ao centenário de nascimento de Roberto Campos. Ao tomar conhecimento da mesa de que iria participar, fui tomado de pânico. Os outros participantes da mesa eram Gustavo FrancoRoberto Castello Branco e um ex-assessor do próprio Roberto Campos.

O que eu poderia acrescentar ao que seria dito por pessoas que haviam trabalhado ou tido grande contato com ele?

Não tive dúvida. Liguei para o professor Delfim, expliquei a situação e ele me tranquilizou, convidando-me para um café. Em nossa conversa, me contou curiosidades sobre Roberto Campos e fez uma revelação que surpreendeu aos presentes ao seminário. Numa das sessões no Congresso, em meio aos intermináveis discursos, Roberto Campos confidenciou a ele: "Delfim, perdi muito tempo na minha vida. Devia ter lido só Hayek".

Meus últimos encontros com Delfim ocorreram numa homenagem a Miguel Colassuono, na FEA-USP, e num almoço de encerramento de ano da Ordem dos Economistas. Já debilitado fisicamente, permanecia com uma impressionante clareza de ideias e com seu conhecido espírito provocador.

Em setembro do ano passado, sua filha me convidou para a cerimônia de abertura da exposição "Uma viagem pela história do pensamento econômico – A biblioteca de Delfim Netto", em comemoração aos 10 anos da biblioteca inaugurada no campus da Faculdade de Economia da USP com o acervo cedido por Delfim, ex-aluno e professor emérito da casa. Esperava reencontrá-lo mais uma vez, o que não foi possível pois, por motivo de saúde, ele foi aconselhado pelo médico a não comparecer.

Sua filha, porém, reproduzindo a gentileza do pai, agradeceu minha presença afirmando que "o professor gostaria muito de saber que eu havia comparecido".

Concluo com a certeza de que, com seus erros e acertos, normais em qualquer pessoa, Delfim Netto deixou seu nome registrado na história econômica do Brasil.

¹ Os eleitos foram, em ordem alfabética: Affonso Celso Pastore, Antonio Delfim Netto, Armínio Fraga. Celso Furtado, Eugênio Gudin, Maria da Conceição Tavares, Mario Henrique Simonsen, Otávio Gouveia de Bulhões, Paul Singer e Roberto Campos.

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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A estreita ligação entre liberdade e criatividade

Economista Luiz Alberto Machado mostra como a liberdade é um dos principais vetores da criação

Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum  

"Tudo que é realmente grande e inspirador é criado pelo indivíduo que pode trabalhar em liberdade."

Albert Einstein

  De acordo com pesquisa sobre o futuro do trabalho, feita em 2020 pelo World Economic Forum, a criatividade é uma das habilidades mais valorizadas no mundo de hoje, devendo assim permanecer por um bom tempo, razão pela qual aparece como uma das 15 habilidades mais importantes no futuro¹. Os relatórios anuais posteriores divulgados pela instituição continuam apontando a relevância cada vez maior da criatividade num mundo complexo e em constante mudança em que alguns trabalhos deixarão de existir enquanto outros surgirão. Diante disso, qualquer indivíduo deve estar preparado para mudar de cargo ou, ao menos, para se adaptar a novos processos e formas de trabalhar. Afinal, é possível que seja necessário fazer isso diversas vezes ao longo de uma carreira. Essa constante requalificação para ocupar novos postos de trabalho, que exige uma evolução permanente dos métodos de aprendizagem, foi chamada pelo World Economic Forum de reskilling. Embora seja quase unanimidade, pouca gente tem noção do que é criatividade, quais são suas dimensões, sua profunda relação com o empreendedorismo e a inovação, bem como sua estreita ligação com a liberdade. Das diversas definições de criatividade, as que mais me agradam são: "a capacidade de olhar a mesma coisa que todos os outros, mas ver algo diferente nela", e, numa versão mais empresarial ou de mercado, "a capacidade de fazer existirem coisas novas ou únicas e que agreguem valor". Considerando que a criatividade é absolutamente transdisciplinar e resulta de fatores inter-relacionados, uma abordagem esquemática favorece a compreensão da natureza e do cultivo da criatividade, quer do ponto de vista da pesquisa quer da aplicação. Nesse sentido, foi fundamental a contribuição de Mel Rhodes, que num artigo de 1961 dividiu a criatividade em quatro dimensões: pessoa, processo, produto e ambiente. Essa divisão é chamada normalmente de 4Ps, sendo que o quarto “p”, decorrente de ambiente, justifica-se pela pressão que o ambiente pode exercer no desenvolvimento da criatividade. Rhodes estabeleceu que criatividade é um fenômeno em que uma pessoa comunica um novo conceito – produto. A pessoa chega até esse produto por meio de um processo mental. Como nenhum ser humano vive ou opera num vácuo, precisamos considerar também o ambiente. [...] Rhodes observou que, até então, as pesquisas tinham se centrado em apenas uma das dimensões – em geral a pessoa ou o processo. No entanto, afirmava ele, o fenômeno só seria plenamente entendido se estudássemos suas quatro dimensões constitutivas. Apesar de ser possível identificar diferentes exemplos de transformação de uma ideia criativa num bem ou serviço criativo, ela ocorre, basicamente, de duas formas: inovadora, caracterizada por mudanças radicais ou disruptivas, quando há quebra de paradigma, com o surgimento de algo totalmente novo ou desconhecido; ou adaptadora, caracterizada por mudanças incrementais, que os japoneses chamam de kaizen. Por fim, para que haja criatividade − pessoal ou empresarial − um pré-requisito fundamental é a existência de liberdade, quer para que o indivíduo tenha estímulo para agir e empreender visando satisfazer seus interesses e maximizar seus ganhos, quer para que as empresas utilizem as ideias criativas para produzir qualquer bem ou serviço inovador que atenda os interesses dos consumidores num ambiente marcado pela concorrência e pela competição, e não por excesso de regras que servem apenas para aumentar os custos de transação, definidos por Douglass North como aqueles a que estão sujeitas todas as operações de um sistema econômico...   ¹As 15 habilidades relacionadas pelo World Economic Forum foram: aprendizagem ativa e estratégias de aprendizado; pensamento analítico e inovação; criatividade, originalidade e iniciativa; liderança; inteligência emocional; pensamento crítico; resolução de problemas complexos; resiliência, tolerância ao estresse e flexibilidade; programação; ser orientado aos serviços para o cliente; raciocínio lógico; experiência do usuário; uso, monitoramento e controle de tecnologias; análise e avaliação de sistemas; persuasão e negociação. Essas 15 habilidades podem, segundo Guilherme Dias, ser agrupadas em quatro grandes áreas: 1ª) Estratégias de aprendizagem; 2ª) Tecnologia; 3ª) Competências interpessoais e intrapessoais; 4ª) Pensamento crítico guiado para resolução de problemas.   Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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