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Até quando?

José Paulo Cavalcanti Filho escreve que no Brasil de hoje, grupos poderosos ‒ de elites políticas e empresariais até milícias e o tráfico – mandam sem obedecer à lei

José Paulo Cavalcanti Filho, jurista e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras

Edição Scriptum

 

Fernando Pessoa disse, um dia, “Tenho saudades de mim” (em Há quase um ano não escrevo). Se assim for, creio que posso também dizer quero tirar férias de mim. Porque nosso Brasil anda complicado. E chato. Faltam esperanças, desalentos sobram. Faltam caminhos, porteiras sobram. Faltam horizontes, sobram tristezas. Falta luz, sobra sombra. O otimismo, que teima em sobreviver nas entranhas dos brasileiros, vai sendo impiedosamente soterrado.

A Constituição, que nos países maduros é uma Lei Maior, referência e obrigação para todos, aqui vai virando enfeite. Corruptos passeiam alegremente, pelas praias ou em shows musicais (como o de Madonna), fazendo selfies. Preparando-se para brincar o Carnaval, onde vão acabar (talvez) destaques em alguma escola de samba controlada por bicheiros. Criticar deixa de ser o exercício da Liberdade de Expressão e passa a ser algo (muito) arriscado. Perigoso. O Paraná Pesquisas aponta que 61% dos brasileiros temejurista e escritor, membro da Academia Brasileira de Letrasm punição por falar o que pensam. A favor do governo, sem problema; contra, cuidado. Penas de quase 300 anos de cadeia são apagadas, multas milionárias perdoadas, confissões assinadas consideradas inexistentes e alguns ministros do Supremo agem como se tudo fosse muito natural. Com a consciência em paz. Trata-se de uma “defesa da Democracia”, assim justificam.

No Recife, nesta segunda, um dos carros da vice-governadora, a querida Priscila Krause, foi vítima de assalto. Fotos mostram o vidro da frente furado por balas. O bandido, alvíssaras, acabou preso. Continua? Que nada, meus senhores, era só o que faltava! Um juiz plantonista já emitiu, para ele, o correspondente “Alvará de Soltura”. Talvez por ser pardo e (aparentemente) pobre. Fosse pouco, determinou (é inacreditável) que os policiais militares, responsáveis por essa prisão, fossem encaminhados à “Central de Inquérito do MP”. O receio é que possam acabar atrás das grades. Por terem tido a ousadia de prender um bandido.

Em Brasília, terça, o Supremo declarou constitucional lei que proíbe políticos de ocupar cargos públicos. Nem podia ser diferente, era o que faltava. Ocorre que, sem qualquer fundamento jurídico decente, manteve nos cargos todos os nomes escolhidos pelo governo para funções que deveriam ser ocupadas por pessoas qualificadas para isso. É dando que se recebe. Talvez não por acaso a Petrobras, até esta semana em mãos de um desses políticos amigos do Poder, que era presidente do PT no Rio Grande do Norte, acaba de ter queda de 38% nos lucros, comparados aos do ano passado. Protegidos, todos, por decisão monocrática do então ministro do Supremo Ricardo Lewandowski. Que, coincidência ou não, é hoje ministro da Justiça desse mesmo governo que nomeou seus protegidos. E todos a rir. De nós, provavelmente.

Esse é o retrato do Brasil, meus senhores. Aqui, hoje, grupos poderosos sabem que mandam ‒ elites políticas, grandes empresários, milícias, até o pessoal do tráfico e adjacências. Sem obedecer à lei, ora a lei?, nem a ninguém. Reproduzindo a máxima do Coronel Chico Heráclio, de Limoeiro (PE), “quando a lei é fraca, a gente passa por cima (e quando é forte, por baixo)”. É (quase) inacreditável. E, tudo, com a complacência do Poder Judiciário. Que deveria ser um exemplo, contribuindo para pacificar o País; enquanto, ao contrário, prefere tocar fogo nele. Até quando?

    Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Guerra comercial entre EUA e China se intensifica

A indústria da China evoluiu e passou a cuidar também da qualidade, mas sempre vendendo barato devido à alta escala de produção, escreve Roberto Macedo

Roberto Macedo, economista e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum   Este artigo teve como fonte uma reportagem do Financial Times, publicada em quase meia página pela Folha de S.Paulo do dia 15 de maio, além de percepções minhas quanto ao assunto. A guerra entre os Estados Unidos e a China começou a se manifestar ainda no mandato do governo de Donald Trump, que impôs um pacote tarifário sobre US$ 300 bilhões de mercadorias chinesas. A matéria diz que o presidente Joe Biden acabou de anunciar um “aumento drástico” nas tarifas de importações da China, “incluindo carros elétricos, baterias e semicondutores, sob a justificativa de manter empregos...”. E prossegue: “A Casa Branca disse que a ação foi cuidadosamente pensada para setores estratégicos”, que também incluem alumínio e aço, minérios, células solares, guindastes portuários e produtos médicos. E prossegue a reportagem: “Os EUA quadruplicarão a taxação sobre veículos elétricos chineses para 100% neste ano e praticamente triplicarão a taxa sobre importações de aço e alumínio. As tarifas sobre semicondutores chineses serão dobradas a partir de 2025. A taxa sobre células solares também será dobrada este ano, para 50%. ... Os EUA triplicarão tarifas sobre baterias de íon de lítio chinesas usadas em veículos elétricos para 25% este ano. Ação semelhante será tomada para baterias de íon de lítio usadas em veículos não elétricos a partir de 2026.” E mais: “Autoridades americanas disseram que o governo Biden decidiu manter em vigor boa parte das outras tarifas impostas pelo seu antecessor”, o presidente Trump. ”Uma conselheira econômica do presidente Biden afirmou que a ação ... garantirá que investimentos históricos em empregos, estimulados pelas ações do presidente Biden, não sejam prejudicados por uma inundação de exportações injustamente subsidiadas da China.” Eu acompanhei o forte desenvolvimento da economia chinesa nas últimas décadas e observei que ela adotou a estratégia de elaborar produtos triviais como roupas, sapatos e aparelhos diversos a um custo muito baixo e em grande escala, com o que acelerou muito seu crescimento econômico. Seu último avanço foi na produção de automóveis, inclusive os elétricos. No início havia alguns produtos de baixa qualidade. Há uns 15 anos atrás, lembro-me de ter comprado uma roçadeira chinesa que estragou logo no seu primeiro uso. Fui reclamar com o vendedor e ouvi. “É isso aí! Se é chinês, dura um mês”. Mas a indústria da China evoluiu e passou a cuidar também da qualidade, mas sempre vendendo barato devido à alta escala de produção e aos baixos custos de mão de obra no país. Com isso, também atraiu empresas estrangeiras para produzir lá, mas recentemente soube que empresas americanas estão deixando o país porque os trabalhadores de lá chegaram à classe média e já não estão dispostos a continuar trabalhando muito para ganhar tão pouco. Ademais, empresas americanas estão montando empresas novas com alta tecnologia, inclusive recorrendo à Inteligência Artificial, com redução de seus custos. E temem também uma possível invasão da China em Taiwan, com o que o comércio com países da região seria interrompido.   Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Americanah

Luiz Alberto Machado escreve sobre o livro de autoria da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie e faz um paralelo sobre a questão do identitarismo

Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático Edição: Scriptum   Dois fatores me levaram a escrever este artigo: o primeiro diz respeito ao meu gosto pela leitura, em especial por livros que me permitam conhecer a realidade de outros países; o segundo refere-se ao grande sucesso do Diálogo no Espaço Democrático sobre o tema do identitarismo, com a participação do cientista político Carlos Sávio Gomes Teixeira. Americanah (Companhia das Letras, 2024) é o título do romance de autoria da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, ambientado entre a Nigéria, a Inglaterra e os Estados Unidos, que combina história de amor e crítica social e na qual prevalece o aguçado olhar sobre a questão racial a partir de vários ângulos. Meu interesse pela junção entre leitura e conhecimento de outros países levou-me a escrever a crônica intitulada Volta ao mundo por meio de livros, publicada na antologia Tempo de voar (Scortecci, 2023, pp. 71-76 ). Sendo ler e viajar duas de minhas maiores paixões, combiná-las é uma forma de transmitir emoções e sentimentos experimentados em textos de livros cujos conteúdos remetem a países de diferentes partes do mundo, permitindo-nos visitá-los ou revisitá-los, conhecendo ou reforçando o conhecimento anterior de sua história, sua geografia, seu povo, sua cultura, suas tradições, sua política e/ou sua economia. Com Americanah, retomei o foco na realidade da Nigéria, muito bem explorada por Abi Daré no livro A garota que não se calou (Verus, 2021), integrante da referida crônica. Naquele livro, a também nigeriana Daré conta a história de Adunni, uma menina que perdeu precocemente a mãe que acreditava na educação como a única maneira de não se calar – de não perder a capacidade de falar por si mesma e decidir o próprio destino. Com a morte da mãe, Adunni é, primeiramente, vendida pelo pai aos 14 anos para ser a terceira esposa de um homem ávido para ter um filho do sexo masculino. Como terceira esposa, ela é tratada como serva pelo marido e perseguida pela primeira esposa. Na sequência, ela consegue fugir do casamento arranjado, mas acaba sendo vendida para uma família rica que mora em Lagos, na qual é explorada, surrada e humilhada pela patroa, além de sofrer frequentes ameaças de assédio sexual por parte do patrão. Apesar de todas as adversidades, Adunni mantém a perspectiva de voltar a estudar, a fim de escapar da vida em que nasceu e de construir o futuro que escolheu para si mesma, bem como de contribuir para que outras meninas como ela possam ter uma história diferente. A trama de Americanah tem início em Lagos, nos anos 1990. Enquanto Ifemelu e Obinze experimentam a inigualável sensação do primeiro amor, a Nigéria enfrenta tempos sombrios sob um regime militar. Procurando alternativas às universidades locais, paralisadas por sucessivas greves, Ifemelu muda-se para os Estados Unidos, onde rapidamente se destaca no meio acadêmico, ao mesmo tempo em que se depara pela primeira vez com a questão racial, tendo de enfrentar as dificuldades representadas pela vida de imigrante, mulher e, sobretudo, negra. Obinze, que pretendia encontrá-la, vê seus planos interrompidos pelo atentado do Onze de Setembro, quando as portas americanas foram temporariamente fechadas aos estrangeiros. Quinze anos mais tarde, Ifemelu é uma consagrada blogueira que reflete sobre o dia a dia dos africanos na América, focalizando questões como imigração, preconceito racial e desigualdade de gênero. O tempo e o sucesso, porém, não atenuaram o apego à terra natal, nem sua ligação com Obinze, que não teve a mesma sorte, passando por diversas privações na Inglaterra, até ser extraditado, após várias tentativas frustradas de obter o visto para permanecer no país. Em seu retorno ao país natal, Obinze se transforma num empresário de sucesso no ramo imobiliário, casando-se e vivendo confortavelmente. Ifemelu, por sua vez, ao finalmente também retornar à Nigéria, depois de resistir por algum tempo, tenta retomar um lugar na vida de seu companheiro de adolescência, num país muito diferente do que deixou. Ao concluir a leitura de Americanah, foi inevitável a associação com as colocações de Carlos Sávio no Diálogo no Espaço Democrático, segundo as quais a monopolização do debate intelectual pelo identitarismo, observada nos últimos anos, é um desserviço ao Brasil, pois, apesar de defender causas que têm valor, os identitários deixam em segundo plano questões muito mais importantes, como a busca de um projeto nacional, que estabeleça metas e modos para que o País se torne uma nação mais justa, eficiente e moderna. Para ele, o radicalismo e a agressividade dos defensores das questões de gênero e raça vêm “envenenando” as relações políticas e inclusive favorecendo a ascensão de líderes extremistas, especialmente de direita. Na sequência, Carlos Sávio destacou ainda que os identitários, apesar de se proclamarem defensores das minorias, têm pouca conexão com as pessoas comuns que dizem defender. “A maioria dos integrantes dessas minorias não se identifica com a agenda identitária. Nesse aspecto, os evangélicos, que são os principais adversários do identitarismo, se identificam muito melhor com as aspirações populares, reforçando a importância do empreendedorismo, investindo na autoestima dos fiéis e, inclusive, garantindo um papel de destaque às mulheres”, explicou. Mesmo evitando estabelecer comparações entre realidades tão distintas quanto às da Nigéria, dos Estados Unidos, da Inglaterra e do Brasil, é possível perceber pelo menos um efeito comum de algumas causas identitárias no cotidiano de todos esses países, qual seja, o agravamento da radicalização política. Tal radicalização atinge, principalmente nos casos de Brasil e Estados Unidos, um grau preocupante de polarização.   Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Tragédia e criminalidade

Sociólogo Tulio Kahn, especialista em segurança pública, fala sobre um impacto paralelo das inundações no Rio Grande do Sul

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