Pesquisar
Taxonomy - Destacão
Três cenas rápidas
O Brasil é um lugar onde as coisas mais bizarras podem acontecer, escreve o cientista político Rubens Figueiredo
Rubens Figueiredo, cientista político e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum Cena 1. “Vamos supor que Trump fosse presidente aqui no Brasil” e resolvesse aplicar um tarifaço planetário, especula o articulista Pedro Fernando Nery, do jornal O Estado de S.Paulo (8/4/2025). Não iria dar certo. Um juiz federal de alguma cidade minúscula suspenderia em todo o País a taxação de fertilizantes, a pedido dos produtores rurais goianos que se sentiriam lesados. Outras liminares se multiplicariam na primeira instância, agora invocando direito tarifário adquirido ou dignidade da pessoa humana consumidora. Racionalização dos gastos públicos, o chamado Doge de Elon Musk? Nem pensar, explica Nery. “O Doge brasileiro iria avaliar servidores que seriam demitidos por mau desempenho, mas eles seriam reintegrados, pois o nosso Doge precisaria de lei complementar para fazer isso, e a que FHC enviou nos anos 1990 ainda não foi aprovada”. Seria criada a Assedoge, associação dos servidores da Doge, já que a nossa Doge, criada para enxugar os gastos do Estado brasileiro, necessitaria de seu próprio corpo de funcionários, provavelmente muito maior e mais caro do que o contingente que seria demitido. Cena 2. Estamos acostumados com nomes e sobrenomes italianos, árabes, alemães, japoneses, judeus, espanhóis. Alguém que se apresenta como Giovanni Brunello de Montalcino de la Piastra Chianti Mastroianni podemos até aceitar sem grande esforço. Mas o que pensar de um brasileiro ter grafado em sua carteira de identidade o improvável nome Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield? É algo digno de uma criação de Spielberg. E mais: esse descendente de ingleses, que teria vindo parar aqui impulsionado só Deus sabe por quais correntes marítimas, viesse a ser juiz de Direito, julgando provavelmente, entre outros, delitos parecidos com o seu? Pois é: Edward Lancelot falsificou seu nome e o usou na nossa operosa Justiça por mais de 30 anos. Pode? Cena 3. O Brasil é superlativo. Tem 418 empresas estatais, o maior contingente entre as nações da OCDE. Em 2024, as estatais federais registraram um déficit de R$ 6,73 bilhões, recorde da história, segundo o Relatório das Estatísticas Fiscais do Banco Central. São 1.800 apetitosos cargos de livre provimento. Várias estatais têm Conselho e os Conselhos são formados por conselheiros. É uma festa. Tem historiador no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, especialista em regulação de telecomunicações na Companhia das Docas da Bahia, filósofo na Securitizadora do Banco do Brasil, doutor em ciências da saúde na Companhia Docas do Rio Grande do Norte e por aí vai. Quase todos ligados ao PT. Poderíamos pensar, em uma reflexão mais açodada e com alguma carga de maldade, que essas nomeações desconexas estariam relacionadas à influência política ou preferências partidárias. Ledo (e Ivo) engano! As estatais dão prejuízo que afeta a todos nós, mas têm conselhos holísticos, “transprofissionais”. Quem acompanha os debates sobre os trabalhadores do futuro, certamente está informado de que o aspecto interdisciplinar será decisivo. Diploma se tornará algo acessório. Daqui a 30 anos, qual será a utilidade de um sapateiro, por exemplo? Será conselheiro de estatal, certeza. Pensamento crítico, enxergar conexões, visão social, abordagem holística, isso é que vai fazer a diferença. Com essas nomeações, as estatais brasileiras, na verdade, dão um exemplo ao mundo de sua capacidade de antecipar tendências na busca permanente da eficiência e do bem-estar da população. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Card link Another linkPalestra: a proibição de celulares nas escolas
Hubert Alqueres, membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, falou sobre o tema no Espaço Democrático
Redação Scriptum
A proibição do uso de celulares nas escolas de ensinos fundamental e médio — sancionada em dezembro pela Assembleia Legislativa de São Paulo e, em janeiro, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em âmbito nacional — já começa a apresentar efeitos positivos. Ainda assim, o uso pedagógico dos dispositivos móveis não deve ser descartado. “Esse é um tema importante, que preocupa não apenas as escolas, mas toda a sociedade”, afirmou o educador Hubert Alqueres, presidente da Academia Paulista de Educação e integrante do Conselho Estadual de Educação.
Durante palestra no Espaço Democrático — fundação para estudos e formação política do PSD — Alqueres, que foi secretário estadual da Educação em São Paulo e é vice-presidente da Câmara Brasileira do Livro, ressaltou que “o trabalho pedagógico com tecnologia digital é indispensável na educação contemporânea”. Diretor do Colégio Bandeirantes, uma das mais tradicionais escolas particulares de São Paulo, ele relatou que parte do conteúdo hoje é transmitido aos alunos por meio de tablets. “Mas sempre sob controle e orientação dos professores.”
Ao abordar os efeitos do uso excessivo de celulares por crianças e adolescentes, Alqueres citou o psicólogo e professor norte-americano Jonathan Haidt, autor do livro Geração ansiosa. “Ele apresenta evidências sólidas do impacto negativo da hiperconectividade na saúde mental e no processo de aprendizagem.”
Entre os problemas mais recorrentes, o educador destacou a perda de concentração: “O celular, se usado sem controle, é inimigo do aprendizado. Não faz sentido que um estudante, durante a aula, acesse o aparelho para buscar assuntos alheios ao conteúdo do que está sendo trabalhado pelo professor.” Outro aspecto preocupante é a redução das interações sociais nos intervalos. “Temos visto menos crianças brincando em grupo e mais alunos isolados, cada um vidrado na própria tela.”
Alqueres também mencionou os riscos associados à exposição nas redes sociais, especialmente sem supervisão. “É um ambiente onde circulam conteúdos nocivos e perigosos, com registros inclusive de incentivo à automutilação ou participação em jogos de azar ou em grupos de ódio.”
[caption id="attachment_39695" align="aligncenter" width="560"]
Segundo ele, muitas escolas particulares paulistas já haviam adotado regras para restringir o uso de celulares antes mesmo das leis entrarem em vigor. As primeiras informações recebidas pelo Conselho Estadual de Educação indicam efeitos positivos. “Casos de abstinência digital, como ansiedade ou irritabilidade, têm sido raríssimos, e os professores relatam melhora no ambiente escolar.”
A reunião semanal do Espaço Democrático foi coordenada pelo jornalista Sérgio Rondino e contou com perguntas e comentários de diversos participantes, entre eles: João Francisco Aprá (superintendente da fundação), os economistas Felipe Salto, Luiz Alberto Machado e Roberto Macedo, os cientistas políticos Rubens Figueiredo e Rogério Schmitt, o sociólogo Tulio Kahn, os gestores públicos Mário Pardini e Januario Montone, o médico e ambientalista Eduardo Jorge, o advogado Roberto Ordine, a secretária nacional do PSD Mulher Ivani Boscolo e o jornalista Eduardo Mattos.
Card link Another linkO salto de fé e a administração pública
Para Tulio Kahn, às vezes falta ao gestor público a coragem de um Indiana Jones para perseguir seus objetivos
Debate sobre a anistia revela quem comanda o Congresso
Estamos diante de um dilema: frente a um projeto que polariza os extremos ideológicos do Congresso, prevalecerá a vontade das bases ou a vontade das cúpulas?
Rogério Schmitt, cientista político e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum A concessão de anistia aos condenados pelo STF por envolvimento na invasão e destruição das sedes dos três poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023, se tornou a principal bandeira política da oposição bolsonarista ao governo Lula. Um projeto de lei com essa finalidade está tramitando na Câmara dos Deputados. Mesmo sem entrar no mérito da proposta, acredito que ela já tenha se tornado um interessantíssimo estudo de caso sobre o processo de tomada de decisões no Congresso brasileiro. O problema de pesquisa poderia ser formulado assim: em temas ideologicamente carregados, prevalecem os parlamentares individuais ou as lideranças institucionais do legislativo? Mas comecemos pelos fatos. Reportagem do site Migalhas publicada no último dia 31 de março, com base em dados do próprio STF, informa que 1.682 pessoas foram denunciadas pela PGR por envolvimento nos atos antidemocráticos. Desse total, 1.039 pessoas foram condenadas até o momento. Quanto à dosimetria das penas aplicadas, 542 condenados (52,2%) fecharam acordos de não persecução penal, e suas sentenças se limitaram ao pagamento de multas, à prestação de serviços comunitários ou à proibição do uso de redes sociais. Outras 240 pessoas (23,1%) foram condenadas por crimes leves, com penas de até 1 ano de prisão (também substituídos por multas, serviços comunitários etc.). Efetivamente, portanto, o número de condenados por crimes mais graves (como abolição violenta do Estado de Direito, golpe de Estado, deterioração de patrimônio público tombado etc.) com penas que variam entre dois e 17 anos de prisão, corresponde a 257 pessoas (24,7% do total). Na prática, porém, o tempo máximo de prisão em regime fechado em todos esses casos será de dois anos e 11 meses. Mas voltemos ao projeto de lei da anistia. No último dia 14, a liderança do PL na Câmara dos Deputados protocolou um pedido de urgência para que o projeto seja votado diretamente no plenário da casa, sem passar pelas comissões permanentes. O pedido foi subscrito por 264 parlamentares, filiados a 12 partidos. Por outro lado, no dia 24, o presidente da Câmara, o deputado Hugo Motta, após reunião com o colégio de líderes, anunciou a decisão de não pautar em plenário a votação do pedido de urgência para o projeto da anistia. Em outras palavras, a maioria das lideranças partidárias e institucionais da Câmara não considera prioritária essa votação. Assim, estamos diante de um dilema. Frente a um projeto que polariza os extremos ideológicos do Congresso, prevalecerá a vontade das bases ou a vontade das cúpulas? Por enquanto, parece que a segunda opção é a aposta mais segura. Seja como for, o jogo ainda está sendo jogado. Pessoalmente, acho praticamente impossível que o projeto seja levado a votação caso a maioria dos deputados perceba que ele abre uma brecha para a anistia do ex-presidente Bolsonaro, que está inelegível. Ou caso ele trate todos os condenados pelo 8 de janeiro como vítimas do arbítrio do STF, pois, como vimos, a grande maioria dos condenados sequer está cumprindo pena de prisão. Em outras palavras, para usar uma expressão da célebre Lei da Anistia de 1979, uma nova anistia agora - se vier mesmo a ser aprovada - certamente não será nem ampla, nem geral, nem irrestrita. Dificilmente valerá para aquelas 257 pessoas que já foram condenadas por crimes mais graves. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Card link Another link