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Os ricos e os pobres

Um rico brasileiro ganha por mês o mesmo que, juntos, recebem 5.057 brasileiros que estão na linha da pobreza. É pornográfico, escreve Rubens Figueiredo

  Rubens Figueiredo, cientista político e colaborador do Espaço Democrático Edição: Scriptum   Metade da população brasileira vive com menos de R$ 30,00 por dia. A linha média de pobreza internacional para países de renda como o Brasil é de R$ 14,50. A renda mensal dos 0,01% mais ricos da população, segundo dados de estudo da Fundação Getúlio Vargas, é de R$ 2,2 milhões. A renda mensal de um ricaço brasileiro é igual à que, juntos, 5.057 brasileiros na linha da pobreza recebem por mês. Está na praça um livro do sociólogo Marcelo Medeiros que discute a questão da desigualdade em nosso País. Trata-se de Os ricos e os pobres: o Brasil e a desigualdade (São Paulo; Companhia das Letras; 2023). Pode parecer incrível, mas o livro apresenta dados à profusão, mas nenhuma tabela ou gráfico. Fácil e gostoso de ler. Ficamos sabendo, por exemplo, que 20% dos adultos brasileiros (pouco mais de 160 milhões de pessoas) não tem renda alguma. São 32 milhões de brasileiros, na sua maioria, donas de casa que realizam trabalhos domésticos, estudantes e alguns idosos. O grupo seguinte, que vai do um quinto a um terço, mais 22 milhões de pessoas, tem renda bem inferior a um salário mínimo mensal. O grupo que vai do um terço até os dois terços mais pobres – dos 33% aos 66% dos adultos, ganha R$ 750,00 por mês. Se pegarmos a renda média do brasileiro, aproximadamente R$ 2.750,00/mês, veremos que algo em torno de 75 a 80% dos brasileiros adultos estão abaixo dessa média. Medeiros explica que a desigualdade mais gritante aparece no quinto de renda que ganha mais. Se dividirmos a renda nacional em quintos, o resultado chega a ser assustador. Um quinto da renda vai para 68% dos adultos. O segundo quinto vai dos 68% aos 88%. Isso quer dizer que esse segmento da população fica com 20% da renda. A terceira classe chega a 97% da população, o quarto quinto de renda forma uma população que vai dos 97 aos 99,5% dos brasileiros. E o 0,5% mais rico açambarca os outros 20% da renda. Chega a ser pornográfico!     Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Infância no Brasil: mudar o presente ou comprometer o futuro

A expressão “o Brasil é o país do futuro” continua distante da realidade, evidenciada pela negligência em relação às futuras gerações, escreve Samuel Hanan

Samuel Hanan, engenheiro especializado em economia e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

   

Por muito tempo ouvimos a expressão "o Brasil é o país do futuro". Os anos passam e essa projeção nunca se concretiza, como se o futuro estivesse cada vez mais distante. Ainda é possível permanecermos otimistas em relação a isso? A resposta é não, porque a nação se mostra displicente com as futuras gerações, conforme mostram os números oficiais.

De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) de 2018, realizada pelo IBGE, as crianças e adolescentes representam 33,79% da população, totalizando 68,6 milhões de pessoas. As crianças, sozinhas, são 35,5 milhões, ou 17,4% da população.

A maioria de nossas crianças e adolescentes (81,7%) reside na área urbana, porém ainda é grande o percentual dos que vivem na área rural no Norte (29,7%) e no Nordeste (30,1%). As crianças dessas regiões são as que mais sofrem com renda familiar baixa. Em 2018, havia 11,7 milhões de crianças com até 14 anos de idade vivendo em domicílios com renda per capita de até R$ 275,00 por mês (1/4 do salário mínimo à época do levantamento), a maior parte delas no Norte (32%) e no Nordeste (31%), bem mais que no Sudeste (25%), no Sul (20%) e no Centro-Oeste (26/%).

A discrepância é ainda maior no recorte das crianças vivendo em domicílios com renda per capita entre R$ 275,00 e R$ 550,00 por mês. Na região Norte, as crianças nessa situação somam 35% e as do Nordeste, 41%, ante 15,6% no Sudeste, 9,4% no Sul e 13,2% no Centro-Oeste.

O reflexo dessa situação na saúde das crianças brasileiras é inevitável. Estudo sobre a desnutrição (relação peso x idade) nas crianças entre 0 e 5 anos mostra que a realidade vem piorando. Em 2015, as crianças brasileiras com desnutrição somavam 4% dos indivíduos nessa faixa etária. Em 2021, já eram 4,3%. No período, esse índice apresentou redução apenas na região Norte (5,9% para 5,4%), crescendo, entretanto, nas regiões Nordeste (de 4,1% para 4,7%), Sudeste (de 3,6% para 3,8%), Sul (de 2,7% para 3,3%) e Centro-Oeste (de 3,4% para 3,8%).

No quesito obesidade infantil, o índice nacional também piorou no mesmo período (de 2015 para 2021), passando de 7,4% para 7,6% da população infantil, puxado pelo aumento nas regiões Norte e Nordeste, que anularam o decréscimo registrado nas demais regiões do país.

Na questão do peso elevado para a idade, a piora no período foi ainda maior: passou de 8,1% para 10,4% das crianças entre 5 e 10 anos de idade. Esse índice apresentou elevação em todas as regiões, especialmente no Sul (de 10,1% para 13%).

Nesse intervalo de sete anos, somente a relação altura x idade apresentou índice positivo, caindo de 12,5% para 11,6% dessa população. O índice de mortalidade infantil para menores de um ano de idade para cada grupo de 1.000 nascidos vivos também caiu, mas muito pouco: de 12,4% para 12%. Os piores índices foram registrados, mais uma vez, nas regiões Norte (14,9%) e Nordeste (13,1%). A meta estabelecida pelo governo, de 5%, está muito longe de ser atingida.

A taxa de mortalidade entre os menores de 5 anos (para cada 1.000 nascidos vivos) caiu de 14,3% para 13,8%, mas o País continua muito distante da meta, de 7,5%. Os piores índices estão no Norte (17,7%) e no Nordeste (15,1%).

A situação é mais greve no índice de mortalidade materna (para cada 100 mil bebês nascidos vivos), que saltou de 60% para 110% no País, com crescimento em todas as regiões e de forma mais expressiva (superior a 100%) no Norte. Novamente, sem perspectiva de atingir a meta, fixada em 30%.

Este é o retrato – sombrio e grave – do Brasil, uma nação com realidades muito díspares entre as regiões Norte e Nordeste e as demais regiões (Sul, Sudeste e Centro-Oeste), e na qual 35% de sua população – 72,4 milhões de cidadãos –, viviam em 2021 com renda domiciliar per capita de apenas R$ 550,00 por mês, e outras 31,2 milhões de pessoas declararam viver com renda domiciliar per capita de míseros R$ 275,00 por mês. Isto é, metade da população brasileira enfrenta no dia a dia a angústia da insegurança alimentar.

Há outros fatores não menos importantes a se considerar. No Brasil de 2018, 46% das crianças entre 0 e 3 anos de idade necessitavam de creche, um contingente de 5,43 milhões de pequenos brasileiros. Uma população que só cresce, dado que a taxa de crescimento populacional no Brasil é de 1,14%, o que representa 2,31 milhões de nascimentos por ano, considerando-se a população do Censo 2022.

A realidade é estarrecedora. De acordo com levantamento do Projeto Pipa (Primeira Infância para Adultos Saudáveis), divulgado em outubro de 2023, uma em cada 10 crianças com até 3 anos de idade no Brasil tem risco de baixo desenvolvimento face às condições socioeconômicas de suas famílias. Entre as crianças maiores de 3 anos, o risco é ainda maior: uma em cada 8.

O estudo também conclui que 14,9% das crianças não foram atendidas por uma equipe de saúde em sua primeira semana de vida, situação que obviamente tem reflexo na taxa de mortalidade.

Além disso, dados do DATASUS e do Sisvan, ambos do Ministério da Saúde, comprovam a gravidade da situação, mostrando que, em relação a peso x idade e altura x idade, 4,3% das nossas crianças sofrem de desnutrição, índice agravado no período de 2005 a 2018.

Há outro aspecto importante. Em parcela significativa dos lares brasileiros a mulher é a única pessoa adulta da família. Isso faz com que cerca de 46% das crianças brasileiras necessitem de atendimento em creches.

Esse conjunto de fatores coloca a infância nacional em situação de vulnerabilidade, resultando em milhões de crianças com a saúde afetada e/ou com comprometimento de seu completo desenvolvimento físico e intelectual e seus impactos em sua capacitação para o mundo competitivo.

Quando se soma essa questão nutricional à debilidade do sistema educacional, temos como consequência o desempenho de nossas crianças e adolescentes muito inferior aos de dezenas de países, inclusive da América do Sul, como mostram os resultados do PISA, Programa Internacional de Avaliação de Alunos, rede mundial de avaliação do desempenho escolar. O Brasil está estagnado entre a 55ª e 70ª posição entre as nações de maior desenvolvimento, e apresenta resultados pífios em Ciências, Língua Portuguesa e Matemática.

O futuro do País está sendo comprometido, fruto do fracasso das políticas públicas dos governos das últimas três décadas, nas quais as pessoas não foram priorizadas, nem existiu um plano de metas.

O Brasil precisa retomar o caminho de busca da melhoria da qualidade de vida de sua população, com transparência e sem ufanismos que não resistem a qualquer exame.

A gravidade da situação exige que nossas crianças e adolescentes sejam urgentemente colocadas no centro das políticas prioritárias do atual e dos próximos governos. Isso exigirá maior aporte de recursos, é verdade, porém a gestão séria, com redução dos privilégios, efetivo combate à sonegação e à corrupção, imprescritibilidade dos crimes contra a administração pública e cortes nos gastos desnecessários ou supérfluos, seguramente será capaz de garantir os investimentos necessários e inadiáveis para o Brasil se transformar em uma nação menos desigual, mais justa e mais competitiva para almejar sua inclusão no rol dos países desenvolvidos e alcançar protagonismo mundial em uma ou duas décadas.

Um bom passo nesse sentido foi dado em 2009, quando a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), tornando obrigatória a adoção do regime em tempo integral para a educação infantil e fundamental. A proposta acabou engavetada, infelizmente, porque o País já seria muito diferente se o ensino em tempo integral para todos tivesse sido implantado há 14 anos.

Entretanto, essa proposta continua mais válida do que nunca. O ensino fundamental em regime integral, com 30,9 milhões de alunos matriculados, sendo 26 milhões deles na rede pública, ao custo de R$ 2.500,00 por aluno/mês, representaria despesas de R$ 300 bilhões/ano na primeira década, considerando-se 10 milhões de alunos, e, na segunda década, custo de R$ 720 bilhões/ano, considerando-se 20 milhões de alunos.

Para transformar o ensino médio, com melhoria na qualidade de ensino, escolas mais bem equipadas e professores com remuneração justa, seriam necessários R$ 192 bilhões/ano para atender os cerca de 8 milhões de alunos matriculados, tendo-se R$ 2 mil como o custo individual do aperfeiçoamento por mês. No ensino técnico, com 180 mil alunos e o mesmo custo individual, o programa exigiria investimento anual de R$ 48 bilhões.

No ensino superior, o Brasil deveria tornar obrigatório que as universidades federais ofereçam para o período noturno o mesmo número de vagas do período diurno, com exceção dos cursos de tempo integral. Esse programa, com os 5,27 milhões de alunos matriculados (dados de 2021 do MEC), ao custo individual de R$ 10 mil/ano, exigiria subsídios da ordem de R$ 53 bilhões/ano.

Na base de tudo, imprescindível um programa para garantir creche e proteinização das crianças – em período integral – para 5,5 milhões de crianças entre 0 e 3 anos. Com custo de R$ 2.000,00 por mês por criança, o programa consumiria R$ 132 bilhões/ano.

Assim, essa completa revolução educacional custaria ao País R$ 725 bilhões/ano. Para fazer frente a esse montante, um caminho seria reduzir os gastos estratosféricos com o funcionalismo público que hoje consome de 12,8% a 13% do PIB. Percentual muito acima dos 9,8% do PIB que gastam nesse segmento, em média, os 37 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Se reduzisse esses gastos para o nível da OCDE, o Brasil faria uma economia de R$ 330 bilhões por ano, o suficiente para cobrir 42% de todo o novo programa.

Há outras fontes viáveis, como o controle de renúncias fiscais indevidas e injustificáveis, hoje consumindo de 4,8% a 5% do PIB. Cortar essas renúncias pela metade significaria recursos da ordem de R$ 275 bilhões/ano.

E o combate efetivo à corrupção, além de ser uma questão moral, também representaria receita. Calcula-se que a corrupção representa de 2,5% a 3% do PIB nacional e sua redução para o máximo de 1,5% – sem deixar de perseguir a meta zero – traria aos cofres públicos de R$ 110 a R$ 165 bilhões/ano.

Tudo isso resultaria em receita extra de R$ 715 a R$ 765 bilhões por ano, o suficiente para custear integralmente o programa, essencial para mudar a realidade do País sem a necessidade de criação de novos tributos e sem tirar a receita de outros setores essenciais à nação (exemplo: Bolsa Família).

É factível, essencial e inadiável. O Brasil precisa atentar para o que escreveu o filósofo francês Albert Camus (1913-1960): "A verdadeira generosidade para com o futuro consiste em dar tudo ao presente".

   

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Facetas da criatividade, do empreendedorismo e da inovação no Brasil

Só nos resta torcer para que a competitividade do agronegócio e de alguns segmentos do setor de serviços se espalhe por outros setores produtivos, escreve Luiz Alberto Machado

      Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum     Aproveitei o recesso de final de ano para intensificar minhas leituras e duas delas, em particular, servirão de base para este meu primeiro artigo de 2024. Aparentemente sem qualquer conexão entre elas, as leituras foram: o segundo volume - A necessidade da agilidade - da trilogia escrita pelo professor Victor Mirshawka sobre Trabalhabilidade; e o ensaio do professor Eiiti Sato intitulado O empreendedorismo e a construção do poderio econômico americano. Os dois professores abordam aspectos do empreendedorismo partindo de prismas diferentes, embora ambos façam questão de estabelecer relação entre criatividade, empreendedorismo e inovação. Evidentemente, por estar inserida num livro, a abordagem de Mirshawka é muito mais detalhada do que a de Sato, ainda que as duas apresentem tópicos bastante interessantes. A abordagem de Sato chama atenção por ser multidisciplinar, focalizando o empreendedorismo não apenas no plano econômico-administrativo, mas levando-o também para os planos da sociologia e da política. Assim sendo, procura enfatizar o empreendedorismo como uma espécie de DNA dos norte-americanos, evidente não apenas nas figuras de John D. Rockefeller, J. P. Morgan, Cornelius Vanderbilt, Andrew Carnegie e Henry Ford, qualificados como "magnatas empreendedores" que desempenharam papel central para a ascensão do poderio econômico americano, mas também em sucessivas gerações, passando por Jay Gould, William Boeing, Walter Chrysler, Thomas Edison, Pierre Du Pont, Philo Farnsworth e chegando aos nomes que se projetaram nas últimas décadas, como Bill Gates, Jeff Bezos, Elon Musk e outros. Muitos desses nomes estão ligados a poderosas indústrias norte-americanas, enquanto no Brasil as referências continuam sendo o Barão de Mauá e a geração de industrialistas como Francisco Matarazzo e outros líderes empresariais que fizeram de São Paulo um grande centro industrial, comercial e financeiro. Sato conclui esta parte do seu ensaio alertando para a ausência, no Brasil das últimas décadas, de um autêntico espírito empreendedor, cuja consequência é o baixo dinamismo da atividade industrial. Para ele, "nestas duas primeiras décadas do novo milênio a economia brasileira voltou a ser predominantemente agroexportadora, deixando de ser destaque em qualquer ramo industrial, e a economia brasileira como um todo tem crescido, infelizmente, a taxas inferiores à média mundial¹". Na sequência, Sato destaca o importante papel de Joseph Schumpeter na fundamentação teórica do empreendedorismo e da destruição criativa, entendida como fator essencial para a sobrevivência e supremacia do capitalismo. Neste particular, há plena concordância com Victor Mirshawka, que também exalta a relevância de Schumpeter para o empreendedorismo e a inovação. O que distingue a análise dos dois professores é a ênfase dada por Sato à relação entre capitalismo e democracia, bem mais elaborada do que a feita por Mirshawka. Sato vai buscar na história política americana o estreitamento dessa relação: “Não seria exagero afirmar que o próprio governo americano, desde sua concepção, trazia em si a marca da inovação. Os conceitos e ideias de democracia e república foram formulados e já haviam sido amplamente discutidos por notáveis pensadores desde a Antiguidade, mas a concepção de uma república democrática presidencialista surgiu, de fato, apenas na constituição promulgada em 1787, na qual se criava o primeiro Estado Nação governado por um sistema presidencialista moderno. Prosseguindo na tentativa de estabelecer estreita relação entre o empreendedorismo, e a inovação na economia e na política, observa Sato: “Da mesma forma que na indústria, onde muitas inovações tecnológicas notáveis surgiram de combinações e de arranjos inéditos de elementos presentes na natureza desde o início dos tempos, é possível dizer que, na esfera da sociologia política, é um notável feito conseguir juntar, em uma solução viável na prática social e política, as inúmeras possibilidades presentes nos conceitos e nas teorias que a filosofia política denomina genericamente de democracia. Foi o que fizeram os "Pais Fundadores" ao conceber o sistema presidencialista americano que, dois séculos depois, continua vivo em sua essência e em torno do qual se construiu os Estados Unidos da América como uma grande sociedade livre e uma incomparável potência econômica e estratégica. Na realidade, a própria formação e organização de um Estado Nação em torno de um contrato formal - uma constituição - estabelecido sobre uma visão filosófica da ordem política, foi uma notável inovação”. Faço questão de salientar dois outros aspectos da análise de Sato, referentes à constituição dos Estados Unidos. O primeiro diz respeito à forma. Ao se concentrar em princípios e não em disputas e questões sobre fatos correntes (como ocorreu no Brasil), a constituição norte-americana não favorece a judicialização da convivência social ou mesmo das disputas no âmbito da ordem política. O segundo refere-se ao contexto histórico e ao desprendimento dos atores da política americana. Um caso notável de inovação na política pelo governo dos Estados Unidos foi a decisão de promover a industrialização da nação. É bastante conhecida a história de que Alexander Hamilton, por solicitação de George Washington, produziu em 1791 o Report on the Subject of Manufactures, numa época em que a grande maioria dos integrantes da classe política era composta de fazendeiros, como era o caso de Thomas Jefferson, James Madison e do próprio George Washington. E em que aspecto a abordagem de Mirshawka constitui-se num relevante complemento à de Sato? A meu juízo, ao mostrar que embora a criatividade, o empreendedorismo e a inovação dos brasileiros não sejam representados pelo segmento industrial, cuja participação no produto interno bruto (PIB) vem caindo há décadas, estão presentes - e como!!! - no segmento das startups, entendidas como empresas jovens com um modelo de negócio replicável, flexível e escalável, o que significa que ela estará sempre em busca de automação de suas operações, recorrendo para isso às mais recentes tecnologias. Em dois de seus oito capítulos, Mirshawka deixa clara a elevadíssima capacidade criativa dos brasileiros, fazendo com que o País seja referência num segmento que envolve o que há de mais avançado em tecnologia da informação e inteligência artificial. No quinto capítulo, Mirshawka explica detalhadamente o que é uma startup, de que tipo podem ser e como financiá-las. Vale reproduzir deste capítulo o trecho em que ele detalha as três características de uma startup já mencionadas: “Replicabilidade (ou repetibilidade) É vital que o modelo de negócios de uma empresa iniciante seja replicável, isto é, que seja possível reproduzir a experiência de consumo do seu produto (ou serviço), de forma relativamente simples, sem exigir o crescimento na mesma proporção de recursos humanos ou financeiros. Flexibilidade Em função de sua característica inovadora, do ambiente incerto, competitivo e volátil em que a startup irá atuar, ela deve ser capaz de atender às demandas do mercado, adaptando-se rapidamente conforme ocorrem as mudanças. Desse modo, uma startup possui uma estrutura enxuta, com equipes relativamente pequenas e constituídas por pessoas ágeis, flexíveis e donas de certa autonomia. Escalabilidade Ser escalável significa que a startup pode atingir rapidamente um grande número de clientes, com custos relativamente baixos. Assim, um negócio escalável é aquele capaz de promover o crescimento da startup, de forma ágil, sem que isso afete significativamente sua estrutura ou demande muitos recursos. Um negócio escalável naturalmente requer gestores líderes, com as habilidades necessárias para conduzir o crescimento da startup de forma coerente, valendo-se de ferramentas robustas de gerenciamento e desenvolvendo uma comunicação interna e externa bem eficaz. É óbvio que a transformação digital estará sempre por trás da maioria dos empreendimentos escaláveis. Por exemplo, com o auxílio da Internet e de recursos de marketing digital, pequenas startups são capazes de competir com grandes marcas, muitas vezes provocando mudanças radicais ou disruptivas em seu setor. Um modelo de negócios escalável deve contar com as seguintes características fundamentais: • Ser ampliável e capaz de atender altas demandas. • Possuir um processo de produção ensinável. • Oferecer produtos ou serviços padronizados. • Contar com uma logística inteligente. • Utilizar processos automatizados.   No sexto capítulo, Mirshawka explica o que significa ser uma startup de sucesso, merecendo a qualificação de unicórnio, ou seja, empresas de tecnologia que alcançaram o valor de no mínimo US$ 1 bilhão, algo considerado bem expressivo e difícil de atingir. Em seguida, faz uma breve descrição do histórico de 26 startups brasileiras que se transformaram em unicórnios. Essas atuam em diferentes segmentos e algumas delas operam em diversos países. Algumas são bastante conhecidas - 99, PagSeguro, Arco Educação, Nubank, iFood, Quinto Andar, Stone e C6Bank -, outras nem tanto, mas são todas exemplos vivos da capacidade do brasileiro de criar, empreender e inovar de forma competente e competitiva. Resta torcer para que a mesma competitividade presente no agronegócio e em determinados segmentos do setor de serviços se espalhe pelos outros setores produtivos da nossa economia.   ¹ - De acordo com dados do SISCOMEX, os cinco produtos mais exportados pelo Brasil são minério de ferro, soja, petróleo bruto, açúcares e melaços, e carne bovina. Esses cindo produtos responderam por 43% das exportações brasileiras em 2023 (Jan-Out). O caso da EMBRAER, obviamente, é uma notável exceção e mereceria uma reflexão à parte. Conforme dados do Banco Mundial, em duas décadas (2000- 2020), a economia mundial cresceu 151,75%, enquanto o Brasil cresceu apenas 125,79%.   Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Silêncio sobre corrupção não significa que o problema acabou

Falta ao País seriedade para tratar crimes praticados contra a administração pública, escreve Samuel Hanan

Samuel Hananengenheiro especializado em economia e colaborador do Espaço Democrático

A corrupção no Brasil é endêmica e sistêmica, com efeitos deletérios na política, na economia, no cotidiano nacional e na forma como o País é visto aos olhos do mundo.

É uma tragédia comportamental. É verdade que não se trata de uma exclusividade brasileira, porém, o que nos diferencia dos outros países é a leniência com a qual o problema é encarado internamente.

Nessa questão, o Brasil caminha rapidamente na direção errada. Nos últimos dez anos, de 2012 a 2022, o Brasil caiu nada menos que 25 posições no Índice de Percepção de Corrupção, publicado anualmente, desde 1995, pela Transparência Internacional. Nesse índice são avaliados 180 países e territórios, aos quais são atribuídas notas em uma escala de 0 a 100. Quanto maior a nota, maior é a percepção de integridade do País.

Estamos muito mal nesse ranking. Em 2012, o Brasil ocupava a 69ª posição. O que já era ruim piorou muito, porque em 2022 caímos para a 94ª posição. Ou seja, existem 93 países mais honestos que o Brasil. Somamos só 36 pontos nesse indicador mais recente. Ficamos bem abaixo da média global de 43 pontos e muito longe da média dos 38 países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), de 66 pontos. Ainda ficamos atrás da média de 39 pontos dos países do Brics.

Para efeito de comparação, esse ranking é liderado pela Dinamarca (90 pontos), seguido de Finlândia e Nova Zelândia (ambos com 87 pontos). Dentre as principais economias do mundo, a Alemanha ficou na 9ª posição, o Japão na 18ª, a França na 22ª e os Estados Unidos em 24º lugar. Na América do Sul, o Uruguai ficou em 14º lugar e o Chile, em 27º.  Ambos muito à frente do Brasil (94º), que amarga vergonhosa situação dentro de seu próprio continente.

Em recente artigo intitulado Corrupção: endemia ou pandemia?, o procurador de Justiça e integrante da Academia Brasileira de Direito Criminal Walter Paulo Sabella trouxe um levantamento curioso e um comentário muito apropriado a respeito da questão. Ele fez uma busca no Google e constatou que o vocábulo “corrupção” apresentou em idioma português nada menos do que 25,9 milhões de registros. E dentre mais de 3 dezenas de antônimos, o de maior destaque foi “honestidade”, com expressividade muito menor: 5,82 milhões de registros.

O autor argumenta, com razão, que “de algum modo, esses números despem facetas da crua realidade cotidiana”. Ele alerta: “Esse achado numérico extrapola os muros da significação estatística para apontar pântanos sociológicos, antropológicos, consuetudinários e éticos”.

São simplesmente deprimentes nosso histórico de corrupção e nossa performance de combate a esse mal já arraigado na sociedade brasileira. Também recentemente, a revista eletrônica Jusbrasil, especializada em direito, publicou um levantamento feito por Luan Messan Grazmann Mendes dos Santos, mostrando que R$ 110 bilhões (valores não corrigidos) foram desviados em 10 escândalos de corrupção registrados no Brasil desde a década de 1980 – Anões do Orçamento, Operação Navalha na Carne, Juiz Lalau/TRT-SP, Jorgina de Freitas/INSS, Fundos de Pensão, Banco Marka, Vampiros da Saúde, Operação Zelotes, Banestado e Lava Jato.

Há décadas, as denúncias de corrupção se sucedem, mas o Estado brasileiro está longe de garantir punições à altura do mal que essa prática representa para o País. Em 2021, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu por maioria declarar a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba e anulou as ações penais contra o então ex-presidente da República no contexto da Operação Lava Jato, deflagrada em 2014 e que investigou corrupção em contratos firmados entre empreiteiras e empresas estatais.

Na Lava Jato, cerca de 200 pessoas foram presas e condenadas por corrupção ativa ou passiva – incluindo figuras dos altos escalões da República – e dezenas de empresas confessaram práticas ilegais e assinaram acordos de leniência relativos aos crimes de corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro, concordando em devolver aos cofres públicos mais de R$ 28 bilhões, valor que, corrigido, hoje supera R$ 31 bilhões.

O resultado da maior operação contra a corrupção da história do Brasil foi aniquilado porque o STF julgou ter havido falhas processuais. A anulação das sentenças – muitas apesar de anteriormente confirmadas pelo próprio STF – não deu a nenhum dos beneficiários atestado de honestidade porque em momento algum foi mencionado nas decisões que os atos de corrupção não existiram. Os processos voltaram às fases iniciais e futuras condenações ainda são possíveis, embora não mais prováveis.

Antes da Lava Jato, de 1995 a 2002, outros grandes esquemas de corrupção abalaram o País. O mais relevante foi o do Banestado, cujos réus voltaram a ser pegos em delitos pela Lava Jato, o que mostra que esse é um mal recorrente no Brasil.

O que mais surpreende é como a classe política reage ao combate à corrupção. Agora mesmo tramita no STF ação proposta por partidos da situação –como Psol, PC do B e Solidariedade – buscando a suspensão das multas a serem pagas pelas empresas condenadas na Lava Jato, embora tais punições tenham se dado com provas e graças à cooperação técnica do Ministério Público Federal, Controladoria Geral da União, Ministério da Justiça e Tribunal de Contas da União.

Trata-se de iniciativa legal, mas é lamentável que partidos políticos – cuja sobrevivência financeira é constituída por fontes de recursos dos tributos federais (fundos partidário e eleitoral) – dediquem-se a defender interesses sabidamente não republicanos de empreiteiros. Uma mancha a mais no Legislativo Federal, já corretamente criticado, por exemplo, pela prática do “orçamento secreto”, que consumiu R$ 19,4 bilhões em 2023.

Lamentavelmente, o Brasil tem um histórico assustador de corrupção. Em 2005, o portal do TCU (Tribunal de Contas da União) estimava que a corrupção no País alcançava de 3% a 5% do PIB (Produto Interno Bruto). Hoje, algo em torno de R$ 330 bilhões a R$ 550 bilhões/ano.

Naquele mesmo ano, segundo o Fórum Paraibano de Combate à Corrupção, o Brasil ocupava a 62ª posição – dentre 146 países – no nível de honestidade. Registrava índice de 3,7 em escala de 0 a 10, na qual 10 é a nota do país mais honesto.

Outros estudos confirmam a posição vexatória brasileira. Trabalho publicado pela respeitada Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), em dezembro de 2017, estimou a corrupção brasileira naquele ano em pelo menos 2% do PIB, algo como R$ 220 bilhões/ano.

É inequívoco que o país seria diferente se a prática da corrupção não fosse tolerada e recebesse punição exemplar. Estudo de pesquisadores do FMI (Fundo Monetário Internacional), publicado pela jornalista Natália Portinari em outubro de 2017, concluiu que o Brasil seria até 30% mais rico se as suas instituições fossem menos corruptas. O estudo, elaborado por um grupo de economistas liderados por Carlos Eduardo Gonçalves, afirma que o PIB per capita do país cresceria US$ 3.000 (cerca de R$ 15.000), passando de US$ 10.000 para US$ 13.000, uma diferença enorme no bolso do cidadão brasileiro.

O problema persiste e é ainda maior do que aparenta porque há mais de 12 meses o assunto corrupção desapareceu do noticiário e do debate nacional. Isso sem que tenha havido atos governamentais mais rigorosos no combate aos malfeitos com dinheiro público, e sem novas leis sancionadoras aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo presidente da República.

Não se tem notícias de investigações, inquéritos, prisões e condenações por atos de corrupção em 2023, como se esse mal tivesse sido subitamente extirpado do mapa nacional. Vivemos um faz-de-conta que nos faz lembrar da antiga propaganda de um remédio popular – “Tomou Doril, a dor sumiu” –, como se o Índice de Percepção da Corrupção mostrando o Brasil estagnado na 94ª posição fosse uma obra de ficção.

Mais triste ainda é constatar que a legislação anticorrupção, em vez de se tornar mais rígida, foi abrandada, dificultando as punições por atos de improbidade praticados por agentes públicos, os mesmos que deveriam zelar pelo dinheiro arrecadado dos pagadores de impostos. Se o combate a essa mazela fosse efetivo, o Brasil poderia estar arrecadando de R$ 250 bilhões a R$ 400 bilhões a mais por ano, mas o governo prefere reforçar os cofres em R$ 53 bilhões/ano instituindo novos impostos ou aumentando as alíquotas, sacrificando a população, especialmente a mais pobre.

O que falta para o País atingir um novo estágio nessa questão? Sem dúvida, seriedade. É urgente melhorar em muito os níveis de participação popular e aumentar sobremaneira a transparência.

É imprescindível uma mudança legislativa para tornar imprescritíveis os crimes praticados contra a administração pública, além de transformar o Tribunal de Contas da União, dando ao órgão maior participação e transparência para que a sociedade seja mais bem-informada dos resultados de seu trabalho. É primordial combater efetivamente a impunidade que há tempos dissemina no brasileiro a falsa sensação de que o crime compensa, influenciando negativamente os jovens.

Para isso, os órgãos de controle (TCU, tribunais de contas dos Estados e dos municípios, que custam R$ 10,8 bilhões/ano, e a Controladoria Geral da União) precisam agir com mais eficácia, além de dar publicidade aos seus atos e suas punições, uma vez que o interesse público se sobrepõe a qualquer outro.

Segundo publicou a mídia recentemente, uma auditoria feita pelo TCU revelou que o Ministério da Cultura não tem controle sobre 8.000 projetos culturais financiados pela Lei Rouanet e para os quais foram destinados R$ 3,8 bilhões. São só 24 funcionários da pasta trabalhando no controle desses incentivos culturais, o que demonstra ser impossível o acompanhamento técnico e eficaz dos projetos.

E este é só um exemplo – pequeno – de como o País trata o dinheiro público e porque a corrupção encontra terreno fértil para continuar prosperando em todos os níveis, sem resistência e sob silêncio estarrecedor. Somos todos culpados.

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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